28 Setembro 2024
O biblista Ludwig Monti traça um perfil do pastor luterano morto pelos nazistas em 1945. E destaca seu “legado imorredouro” que ainda fala aos jovens de hoje. De suas obras, especialmente “Resistência e Submissão”, emerge a visão de um cristianismo encarnado no mundo e vivido para os outros, com responsabilidade pelas gerações futuras.
A reportagem é de Gianni Santamaria, publicada por Avvenire, 25-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Professor, então o cristianismo é interessante, é diferente do que sempre nos contaram”. Ludwig Monti não esconde a alegria que sentiu ao ouvir essas palavras de uma de suas alunas do ensino médio, um daqueles “garotos e garotas não religiosos em um mundo não mais religioso, como Bonhoeffer tinha preconizado da prisão”. Na sala de aula, o biblista, ex-monge da Comunidade de Bose, havia analisado e discutido as cartas do teólogo alemão que foi enforcado no campo de concentração de Flossenburg em 9 de abril de 1945 por ter participado da resistência nazista.
Voltam à memória as famosas palavras de Paulo VI sobre a necessidade de testemunhas mais que de professores para o mundo moderno, e para os jovens em particular, ao folhar as páginas do perfil de Dietrich Bonhoeffer. Esserci per il mondo (Estar presente para o mundo), que Monti escreveu para a série “Eredi” da editora Feltrinelli, que tem curadoria do psicanalista Massimo Recalcati (208 páginas, € 16,00). E é precisamente a mistura frutífera de confronto com as Escrituras, elaboração teológica e a vida do pastor luterano que Monti pretende dar a conhecer a um público não especializado. E o faz tendo ele mesmo, nascido em 1974, mais de trinta anos de experiência de meditação sobre os escritos bonhoefferianos - em particular Resistência e Submissão - e, portanto, de escuta de sua voz.
Dietrich Bonhoeffer: Esserci per il mondo, de Ludwig Monti (Foto: Divulgação)
O biblista (entre os curadores da tradução comentada da Bíblia pela Einaudi, editada por Enzo Bianchi) também quer transmitir ao leitor que esse “legado imorredouro” é fruto de uma reflexão, “especialmente a dos últimos dois anos de sua vida”, depois da qual “a visão do cristianismo - no Ocidente e além - não pode mais ser a mesma”. A questão da rejeição de Deus por um mundo que se tornou “adulto”, não religioso, a consequente rejeição do “Deus tapa-buracos” e da “graça barata”, a centralidade de Cristo, da qual flui a responsabilidade para com o outro por meio da “representação vicária”.
Muitas são as expressões cunhadas por Bonhoeffer que se tornaram famosas não apenas por serem linguisticamente originais, mas pela força de seu profundo significado. Monti as confronta questionando alguns intérpretes importantes da trajetória do teólogo luterano nascido em Breslau, em 1906, em uma família de classe média alta. Como Eberhard Bethge, seu aluno e amigo, e o editor no pós-guerra de Resistência e Submissão, o teólogo evangélico Fulvio Ferrario, que estudou mais profundamente sua Ética, e os saudosos Paolo Ricca, Italo Mancini e Alberto Gallas (autor de um ensaio, entre os muitos dedicados a Bonhoeffer, com o eloquente título Ánthropos téleios, indicando o homem realizado, concretizado). Por fim, Arnaud Corbic, autor de Bonhoeffer un Cristianesimo Non-religioso.
Do autor francês, que estabeleceu um paralelo entre o alemão e seu conterrâneo Albert Camus, Monti toma emprestada a expressão “biografia teológica”, invertendo-a. Assim, ele propõe uma “teologia biográfica”, comparando escritos e trajetórias existenciais e, dessa forma, explicando seu ser “in fieri” tanto do pensamento do teólogo quanto da obra exegética do biógrafo.
Assim, avança-se dos anos da reflexão universitária de Bonhoeffer (1923-1933) aos de seu empenho na Igreja confessante, ou seja, daquele ramo dos evangélicos que tentou escapar das amarras do regime nazista (1934-1939), até sua participação (1939-1943) nos círculos conspiratórios que deram origem ao atentado de von Stauffenberg contra Hitler em 20 de junho de 1944 e, finalmente, à sua experiência de reclusão (1943-1945). Bonhoeffer deu seus primeiros passos sob a influência de teólogos liberais, como Adolf von Harnack e o historiador dos dogmas Reinhold Seeberg, que seguiu sua tese Sanctorum communio. Uma Pesquisa Dogmática sobre a Sociologia da Igreja, com a qual se graduou em 1927. Com foco nos aspectos sociais e éticos, a influência do mestre permaneceu mesmo quando Bonhoeffer iniciou um intenso diálogo com Karl Barth. O autor do comentário à epístola aos Romanos - a síntese de Ferrario, citada por Monti - representava “o chamado, dirigido à teologia evangélica, para sair do feitiço de um pensamento de caráter ético e complacente em sua visão do ser humano religioso”. Uma saída que, para Bonhoeffer, foi favorecida pelas experiências posteriores.
Depois de sua tese, houve muitas experiências pastorais e de estudo no exterior, que abriram seus horizontes: em Barcelona, Londres, Nova York. Ao voltar dos Estados Unidos em 1931, continuou seu empenho de cristão no mundo, tendo a Bíblia como farol. Em uma dialética entre o Antigo e o Novo Testamento que desponta claramente nas lições presentes em Criação e a Queda, escreve: “A Igreja da Sagrada Escritura - e não há outra - vive a partir do fim. É por isso que lê toda a Sagrada Escritura como um livro do fim, das coisas novas, de Cristo”.
A última etapa, a da prisão de Tegel, em Berlim, representa o resumo de uma vida. As cartas para Bethge, para os familiares e para sua noiva Maria von Wedemeyer datam desse período e estão incluídas em Resistência e Submissão, juntamente com reflexões de diário, orações e esboços de pregação (Bonhoeffer fez o máximo para ajudar espiritualmente seus companheiros de prisão), ambientadas na cotidianidade da reclusão e dos últimos estertores de um regime sanguinário em seu ocaso. Um texto misturado no qual também há espaço para a poesia. Mas não há nenhum espaço para o lirismo estéril, nem para uma devoção meramente formal e exterior. Não fuga, mas fidelidade ao mundo.
Monti fala de uma “teologia da realidade” como a marca original de Bonhoeffer. Ele escrevia da prisão: “É no centro de nossa vida que Deus está além”. E ainda: “Cristo agarra o homem no centro de sua vida”. Tudo isso se encarnou em uma forte resistência ao mal, vivida com a consciência de que ele não tem a última palavra e com um olhar voltado para o futuro. “Para quem é responsável, a pergunta final não é: como vou me sair heroicamente nessa situação, mas: como deverá continuar a viver uma geração futura”, escreveu em Resistência e Submissão. Portanto, não é coincidência que ainda toque os jovens.
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Bonhoeffer, a fé que olha para o futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU