19 Julho 2024
"Muitos, com a infalível visão retrospectiva, criticam a confusão e a incerteza dos planos. Por outro lado, o 20 de julho é celebrado pelo novo Estado (ocidental, pois, nesse meio tempo, a Alemanha está dividida) como o marco de uma nova democracia", escreve Fúlvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado em Confronti, 18-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 20 de julho de oitenta anos atrás, aconteceu numa sede no front oriental, a chamada 'Toca do Lobo', uma reunião dos principais responsáveis pela máquina militar nazista, presidida por Hitler. Um dos participantes, o coronel Claus Schenk von Stauffenberg, coloca uma pasta cheia de explosivos sob uma mesa, que depois alguém move de alguns centímetros fatais. Com uma desculpa, Stauffenberg deixa a reunião, ouve a explosão, sinaliza o sucesso do atentado, antes de voar de volta para a capital.
Isso dá início à famosa Operação Valquíria, o golpe de estado antinazista organizado por uma parte da liderança militar. Na realidade, Hitler sai praticamente ileso, mas esse é apenas um dos fatores que determinam o fracasso catastrófico. Stauffenberg, juntamente com outros, é fuzilado na mesma noite. Desencadeia-se uma repressão que fará vítimas até poucas horas antes da ocupação russa de Berlim.
Em um comunicado, a Igreja Evangélica Alemã celebra o plano providencial de Deus que manteve para a Alemanha o seu "Führer". Na realidade, a grande maioria dos conspiradores era composta por cristãos, protestantes e católicos, cuja fé desempenhou um papel decisivo entre as motivações, como as fontes documentam para além de qualquer dúvida.
Depois que a guerra terminou e o nazismo desmoronou sob as bombas dos Aliados, a memória de 20 de julho continua sendo controversa desde o início. Os sobreviventes entre os membros das forças armadas alemãs, por exemplo, não são unânimes em apreciar o significado moral da tentativa; alguns sobreviventes entre os conspiradores têm dificuldades para serem aceitos no corpo de oficiais do novo exército por serem considerados "traidores".
Muitos, com a infalível visão retrospectiva, criticam a confusão e a incerteza dos planos. Por outro lado, o 20 de julho é celebrado pelo novo Estado (ocidental, pois, nesse meio tempo, a Alemanha está dividida) como o marco de uma nova democracia.
As igrejas, por sua vez, realizam uma releitura nem sempre completa dos fatos, destacando a tendência, que aliás não é surpreendente, de privilegiar a dimensão da oposição em detrimento da aquiescência em relação ao regime.
Nas últimas décadas, a historiografia parece quase ter tomado como alvo tanto os homens do 20 de julho quanto a Igreja Confessante. Evidencia-se que os primeiros são militares, conservadores, muitos tinham servido no front russo e não tinham se comportado como escoteiros, quase todos tinham apoiado o regime por muitos anos.
Quanto à Igreja Confessante, se descobre nessa releitura, que ela não é "de oposição", mas está interessada principalmente em se defender contra a dimensão neopagã do hitlerismo e das suas infiltrações nas comunidades. Tanto a Igreja quanto o exército, além disso, são atravessados por um maciço antijudaísmo, diferente daquele nazista, mas ainda assim venenoso. De modo geral, essa é a verdade.
No entanto, não é toda a verdade: em primeiro lugar, no arquipélago da resistência alemã, há episódios na contratendência, projetos de democracia, até mesmo operações bem-sucedidas de resgate de judeus (o pastor e teólogo Dietrich Bonhoeffer e seu cunhado Hans von Dohnanyi foram presos por uma dessas operações).
Acima de tudo, porém, resta o fato é que essas pessoas, filhas de seu tempo, de sua educação, de seu cristianismo conservador, tentaram mudar a história e pagaram o preço.
Fizeram isso tarde demais? Ninguém o fez antes. Fizeram isso de forma errada? Ninguém (com exceção dos exércitos inimigos, que, no entanto, cobraram seu preço) fez melhor. Eram conservadores? Nem todos/as, e, de qualquer forma, as alternativas "progressistas" (especialmente as que vieram depois dos russos) não deixaram uma boa lembrança, ao que parece. E a igreja? A igreja viveu uma história contraditória, como sempre.
No entanto, ao contrário daqueles que julgam hoje, ela pagou um preço bastante elevado.
O revisionismo atual apresenta (estranhamente, já que dentro dele estão muitos historiadores e historiadoras) uma leitura bastante anacrônica: ou seja, tende a julgar aquela história com as certezas de hoje.
A desmitificação, é verdade, é uma tarefa decisiva de qualquer historiografia, mesmo daquela de 20 de julho e da Igreja Confessante.
No entanto, diante da complacência difamadora, cabe nos perguntarmos a que interesses ideológicos esteja servindo.