14 Setembro 2024
O pensamento da ecologia, a crítica da técnica, pontos fortes e fracos da democracia, espaço e papel dos cristãos... As ideias do sociólogo e teólogo protestante Jacques Ellul, falecido há 30 anos, ainda são extremamente atuais. Diante da sensação de impotência em relação aos diversos poderes, ele propõe formas originais para que cada um de nós encontre a força e a vontade para agir na sociedade.
A reportagem é de Stéphane Bataillon, publicado em La Croix, 30-08-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como Jacques Ellul (1912-1994), uma das grandes vozes intelectuais do século passado, analisaria o momento democrático que vivemos?
A 30 anos de sua morte, como as suas ideias podem nos ajudar a refletir sobre como podemos nos posicionar em um mundo digital em que as democracias estão ameaçadas por todos os lados?
A crise política dos últimos meses na França e a necessidade de recursos que nos ajudem a nos orientar nos levaram a imaginar uma viagem através de seu rico pensamento sobre o poder: o poder que desejamos, o poder que nos escapa, o poder que nos impede ou o poder devemos ativar para continuar vivendo juntos.
Ao isolamento e ao encurvamento sobre nós mesmos, o sociólogo opõe a liberdade de expressão. Diante do desespero e da sensação de impotência, o teólogo protestante desenvolve uma ética do não poder animada pela esperança. Não a ilusão de uma solução definitiva, mas sim a formulação, muitas vezes radical, de um estilo de vida para pensar e agir como cristãos na pólis.
Ele estudava só o que lhe interessava. E Jacques Ellul, nascido em Bordeaux em 1912, interessava-se por muitas coisas. Professor de direito e sociólogo, teólogo protestante e precursor do movimento ecológico, crítico feroz da tecnologia e promotor de uma esperança que leva em conta todos os nossos limites... Esse homem, inserido em seu século, nunca deixou de examinar os poderes que o atravessaram e de evidenciar os obstáculos à liberdade de seus contemporâneos.
Ele fez isso por meio de cerca de 60 livros e centenas de artigos, encontrando fórmulas incisivas: “Pensar globalmente, agir localmente”, “não é a técnica que nos escraviza, mas sim o sagrado transferido à técnica”, ou ainda: “Existir é resistir”.
São esses os bordões que contribuíram para torná-lo uma figura de referência nos círculos ecologistas e cristãos, tanto de direita quanto de esquerda, desde os anos 2000.
Ao se recusar a fazer escola e sem nunca ter votado nas eleições, tornou-se um profeta das crises das democracias e do ambiente. Observador intransigente, às vezes entrou em conflito com seus próprios círculos – a esquerda política, o protestantismo reformado e a universidade – por se recusar a fazer compromissos, o que ele equiparava à conivência. Ele rejeitou as honras de uma carreira em Paris e, durante toda sua vida, permaneceu fortemente ligado à sua região natal, Bordeaux.
Sua mãe, Marthe, era uma protestante franco-portuguesa. Muito religiosa, conservava sua fé para si mesma, por respeito ao marido Giuseppe, um ítalo-sérvio, aristocrata decadente e voltairiano, que não queria saber de Deus. Ela não se surpreendeu com a repentina conversão do filho no verão de seu 18º aniversário, visto que, apesar da ausência de educação religiosa, desde criança havia se sentido atraído pela leitura da Bíblia.
“Senti uma espécie de presença indiscutível, algo aterrador, estupefaciente, que me conquistou absolutamente”, lembra Ellul. Ele temia que esse novo apego lhe privasse de seu livre arbítrio. Mas logo entendeu a profunda liberdade oferecida pelo cristianismo. “Nós não temos fé, é a fé que nos tem.”
Ele gostaria de ter sido marinheiro. Seu pai o obrigou a estudar direito. Aceitou. Mas avisou que iria “até o fim”. Em seu primeiro ano de universidade, Ellul conheceu um jovem de impressionante erudição: Bernard Charbonneau. Frequentavam as mesmas escolas há algum tempo, mas naquele ano, ao acamparem nos Pireneus, nasceu entre eles um vínculo profundo, de amizade e intelectual. Não se afastaram mais e desenvolveram seus trabalhos e ações juntos.
Doutor em Direito aos 24 anos de idade, ele e seu amigo foram tentados pelo personalismo do filósofo católico Emmanuel Mounier, que queria unir socialismo e cristianismo. Essa “terceira via”, antifascista e anticomunista, enfatizava a dignidade do indivíduo, da comunidade e da justiça social.
Em 1935, Ellul e Charbonneau escreveram seu primeiro manifesto, “Directives pour un manifeste personnaliste” [Diretrizes para um manifesto personalista]. Mas logo romperam com o movimento, que consideravam intelectual demais e parisiense demais. Contudo, a abordagem deles, baseada na formação de pequenos grupos locais ativos, se revelaria decisiva.
Ellul descobriu suas primeiras grandes influências: Karl Barth, Soren Kierkegaard e Karl Marx, cujo pensamento lecionou durante três décadas sem nunca se definir como marxista.
A partir de 1937, lecionou em Montpellier e Estrasburgo. No início da guerra, foi evacuado para Clermont-Ferrand. Denunciado ao regime de Vichy por um estudante por ter criticado publicamente o marechal Pétain, uniu-se à Resistência e tornou-se agricultor por um breve período de tempo. Ele costumava dizer que ficou mais orgulhoso por ter colhido sua primeira tonelada de batatas do que por ter se formado!
Iniciou, então, um trabalho que combina ação e reflexão, baseado em uma crítica permanente ao poder, distinguindo entre aquilo que pode acompanhar a emancipação e aquilo que leva à escravização dos cidadãos.
“Nada do que eu fiz, vivenciei ou pensei pode ser compreendido sem referência à liberdade”, ele escreveu. Jacques Ellul sempre teve o cuidado de conduzir sua análise da sociedade independentemente de seus posicionamentos teológicos. Mas as respostas profundas que ele forneceu não podem ser compreendidas sem essa dimensão.
“Devido à sua fé cristã, Ellul não reconhece nenhum poder como legítimo. Ele defende a criação de contrapoderes em nome daquilo que chama – com uma expressão banalizada – de ‘socialismo da liberdade’”, explica Patrick Chastenet, professor emérito de Ciência Política em Bordeaux, presidente da Associação Internacional Jacques Ellul e autor de obras sobre o pensador de quem foi aluno.
“Ellul tem um modo totalmente próprio de aceitar como único poder o do Deus bíblico e de adotar uma posição crítica em relação a todas as outras formas de poder, incluindo o (e começando pelo) da Igreja. Baseando-se na Bíblia, ele descreve um Deus criador que deixa sua criatura completamente livre para escrever a história humana, para o bem ou para o mal.” Um mal que justifica o questionamento de um primeiro poder: um sistema técnico que se tornou irracional.
Essa crítica é o ponto central do pensamento de Jacques Ellul. “O fenômeno técnico pode ser definido como a preocupação da imensa maioria das pessoas do nosso tempo em procurar o método absolutamente mais eficaz em todas as coisas”, escreveu ele em 1954 em “La Technique ou L’enjeu du siècle”.
Ellul observa que a tecnologia, do automóvel ao computador, passando pela energia nuclear, não é simplesmente um instrumento à nossa disposição que apenas temos de aprender a usar. Pelo contrário, ele pensa que estamos imersos na tecnologia, que ele considera um ambiente de vida com suas categorias, seus valores e suas normas que orientam e moldam as nossas vidas. Ela modifica os nossos comportamentos e os nossos hábitos a ponto de nos colocar a seu serviço, atacando a nossa liberdade.
“A tecnologia digital é um bom exemplo disso”, afirma o filósofo Jean-Philippe Pierron, professor da Universidade da Borgonha e membro do Conselho Científico do Campus de la Transition. “Esses dispositivos, já presentes em toda a nossa vida privada e profissional, têm suas normas: velocidade, transparência, confiabilidade, arquivamento de informações em larga escala. Eles contrapõem a memória às nossas recordações; a confiabilidade das transmissões de informações à confiança que podemos depositar uns nos outros; a velocidade das interconexões à lentidão das relações humanas. São todas formas de atacar o que nos torna humanos.”
Para Ellul, a tecnologia vai além de sua função utilitarista. Pior ainda, torna-se “irracional” devido a cinco preconceitos que podem ser identificados nos discursos que a acompanham: o desejo de padronizar tudo, a obsessão pela mudança e pelo crescimento a todo o custo, o desenvolvimento cada vez mais rápido das tarefas e a impossibilidade de criticar esses novos instrumentos.
Esses dispositivos técnicos, sempre apresentados como neutros, não são apenas meios. Servem para fins políticos, sociais ou econômicos que não são nada banais.
“A força de Ellul reside em ter demonstrado a importância política das escolhas tecnológicas”, explica Jean-Philippe Pierron. “Optar por instalar computadores nas escolas secundárias ou por suspender o uso de produtos fitossanitários em uma cidade, por exemplo, tem um impacto que vai muito além da simples solução escolhida. Tem um impacto emocional, simbólico, jurídico... O desafio para nós é realocar todas essas decisões no contexto de uma humanidade mais sintonizada com seu próprio ambiente.”
O que ele contesta não é tanto o surgimento de novas tecnologias, mas sim o uso cego e abusivo que fazemos delas e o imaginário que projetamos sobre elas, com comportamentos que beiram o fervor, por exemplo no lançamento de um novo modelo de celular.
Para Jacques Ellul, a tecnologia tornou-se um ídolo moderno, que substituiu Deus “Não é a técnica que nos escraviza, mas sim o sagrado transferido para a técnica que nos impede de ter uma função crítica e de fazer com que ela sirva ao desenvolvimento humano”, escreveu ele em “Les Nouveaux Possédés”, publicado em 1973.
“[Mas] é preciso evitar um mal-entendido: sendo a técnica o que ela é, esse sagrado é inevitável, impossível de recusar. O homem não é absolutamente livre para sacralizar a técnica ou não: ele não pode deixar de reconstruir o sentido da vida a partir dela.”
Redescobrir uma capacidade crítica e uma distância em relação a esses usos é um primeiro e difícil passo para se reapropriar desses instrumentos.
O movimento do software livre, como o sistema Linux ou o navegador Firefox, com seu código-fonte aberto auditável e que respeita a privacidade de seus usuários, é um exemplo de outra relação possível com a tecnologia, por e para usuários conscientes de seu impacto.
“Jacques Ellul empreendeu desde muito cedo uma análise das consequências induzidas pelo crescimento do complexo tecnoindustrial do pós-guerra”, observa Éric Sadin, escritor, filósofo e crítico das tecnologias, autor de “L’Intelligence artificielle ou L’enjeu du siècle: anatomie d'un antihumanisme radical” (L’échappée, 2018). “Não é por acaso que essa obra lúcida e contracorrente não teve o sucesso que merecia no início da frenética sequência dos anos definida como ‘Trinta Gloriosos’, tendo sido ignorada pelos ambientes acadêmicos e difamada pelos ambientes postos em discussão. Muitas de suas análises foram posteriormente confirmadas.”
Após a Libertação, Jacques Ellul entrou na política como vice-prefeito de Bordeaux. A experiência durou pouco e, seis meses depois, confirmou sua intuição: os políticos foram destituídos de todo poder pelos especialistas e pelos técnicos da administração, criando “a ilusão política”, título de um de seus livros.
Em diversas ocasiões, Ellul recebe ofertas de cargos de poder: reitor da faculdade, prefeito de Pessac, a pequena cidade onde ele morava. Todas as vezes, ele renunciava sob pressão de sua esposa Yvette, enfermeira e, como ele, convertida ao protestantismo, para a qual o cristianismo proibia assumir uma posição de poder, exceto para servir desinteressadamente. Ele preferiu dedicar toda sua vida profissional ao ensino como professor de história das instituições na Faculdade de Direito e no Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux.
Essa desconfiança na eficácia política deriva da sua crítica a outro aspecto do sistema tecnocrático, que diz respeito ao funcionamento do Estado e à sua administração. Ellul constata o progressivo enfraquecimento das leis, que são produto da política, em favor dos padrões: uma governança feita de números, indicadores e rótulos, sobre os quais os políticos em exercício têm cada vez menos controle.
Tudo isso estabelece uma forma de governança administrada e contábil, que paralisa a ação política baseada na representação dos cidadãos. Diante desse poder administrativo, Ellul opõe a figura de um Cristo contra todos os “poderes do mundo”, anárquico e rebelde, um pensamento que ele desenvolve em duas obras de grande impacto: “La Subversion du christianisme” (1984) e “Anarchie et Christianisme” (1988). Neles, ele argumenta que o anarquismo é “a expressão política mais compatível com a Bíblia”. Para ele, “a liberdade cristã é uma liberdade de contestação e não de exercício do poder”. Em última análise, essa atitude não está tão longe da de seu pai “de caráter impossível”, que lhe transmitiu um senso de honra em três pontos que ele nunca abandonou: “Nunca trair os amigos, estar sempre aberto aos pobres e ser sempre rigoroso com os poderosos”.
Sob a influência de todos os poderes reunidos – técnicos e administrativos – o mundo corre constantemente o risco de se fechar e de afundar nos totalitarismos. Para evitar que isso ocorra, é necessário manter brechas abertas. Stéphane Lavignotte, especialista em Jacques Ellul, teólogo protestante e pastor da Mission Populaire, explica: “O indivíduo pode ser sempre aquele que impede que as coisas prossigam automaticamente e que rompe o consenso. Observa-se o mesmo na crucificação de Jesus: uma aliança de poderes políticos e religiosos que se unem para condená-lo à morte. Mas o momento da crucificação é derrotado pela ressurreição: a terra treme, as pedras se partem, e o véu do templo se rasga. O pensamento de Jacques Ellul é o pensamento da dissidência. Quando estamos em minoria, como ecologistas, como cristãos, até mesmo dentro da própria Igreja, essa posição nos dá coragem e nos leva a agir.”
Ellul desconfia dos partidos e dos coletivos, que aos seus olhos são sempre culpados, em algum momento, de limitar a liberdade individual das pessoas que a eles se juntam.
“Em relação ao compromisso dos cristãos nas organizações políticas tradicionais, ele propõe a imagem da massa e do fermento”, recorda Stéphane Lavignotte. “Não faz sentido ser uma bola de massa ao lado de outras bolas de massa. É melhor ser um fermento, que muda a natureza da massa para mudar a sociedade.”
Assim, ele multiplica seus compromissos ativos, mas a seu modo. Apostando na liberdade que nos é dada por Cristo, que “nos liberta de nós mesmos” e dos nossos condicionamentos. Um afastamento que, depois, nos permite nos envolver por meio de um “compromisso libertado”.
“Tento ver, nas nossas sociedades, o que determina o ser humano e como levá-lo a se assumir como ser humano, uma pessoa única no mundo”, escreve ele. Para ele, as coisas só podem ser realmente controladas por modelos organizacionais de pequena escala, na linha do personalismo: um grupo, um município ou uma paróquia. Um lugar onde e possa discutir e onde a palavra possa fluir. “Pequenos grupos de cerca de 15 pessoas, federados entre si, que agem concretamente no nível local segundo a fórmula: pensar globalmente, agir localmente.”
É aqui que podem ser elaborados estilos de vida alternativos e comunitários que ponham em prática outros valores. A ecologia é um desses campos de experimentação. A partir dos anos 1930, Ellul preocupa-se em se reconectar com a natureza e defende uma ecologia profunda que reconecte o ser humano com seu ambiente. Essa ecologia deve se basear em lutas direcionadas, e ele não vê nenhuma vantagem em se engajar em campanhas eleitorais.
De 1973 a 1977, junto com o seu amigo Charbonneau, Ellul lutou com sucesso contra a especulação imobiliária da costa da Aquitânia, dando início às primeiras grandes lutas ecológicas. Depois, se seguiriam outras batalhas contra a construção de centrais nucleares e o desmatamento.
Em 1958, junto com o amigo e educador Yves Charrier, fundou um clube para a prevenção da delinquência juvenil em Pessac, onde vivia. Em resposta aos pedidos de alguns delinquentes, Ellul propôs sessões de estudo bíblico e presidiu o clube até 1977.
Seu compromisso ecológico e social também foi eclesial. Apesar de nunca ter sido pastor, Jacques Ellul tinha uma delegação permanente, o que lhe permitia se envolver profundamente com a Igreja Protestante, desde a liderança de sua paróquia em Pessac até à participação no conselho nacional da Igreja Reformada da França até 1970.
Pessimista por índole, ele sentia que tinha pouco sucesso para mudar as coisas por dentro. Mas, em todas suas atividades, independentemente de seu sucesso, uma coisa permanece constante: para serem pelo menos sólidas, todas as atividades deveriam derivar do fato de pôr em prática uma “palavra verdadeira”, seja ela sagrada ou secular.
Para Jacques Ellul, uma das coisas que cria o fechamento é a propaganda, que ele define como “o conjunto dos métodos utilizados por um poder (político ou religioso) a fim de obter efeitos ideológicos ou psicológicos”.
No século XX, esses métodos incluem as imagens, as da televisão e as da publicidade. “É um raciocínio iconoclasta muito protestante”, diz o pastor Stéphane Lavignotte. “As imagens retêm o pensamento e não nos permitem refletir, impondo seu ponto de vista. Hoje, vemos esse efeito multiplicado pelos canais de informação 24 horas por dia e pelas redes sociais digitais.”
Essa propaganda, que combina imagens e mensagens cada vez mais curtas e incisivas, tem outra desvantagem: empobrece a qualidade e a profundidade do discurso público. Em seu livro “La Parole humiliée”, de 1981, o autor destaca os discursos políticos vazios que “falam para não dizer nada” e não produzem mais palavras verdadeiras, mas falsas, desprovidas de significado e de ideias suficientes para promover as mudanças necessárias.
Patrick Chastenet nos lembra: “Ellul nos diz: ‘Se o ser humano não está naquilo que diz, é apenas ruído’. Na Bíblia, a palavra está integrada na pessoa. É verdade se a pessoa for verdadeira.”
Ellul propõe devolver às palavras o seu sentido, e à palavra a sua capacidade de abertura e a sua fragilidade, voltando ao texto bíblico, “um livro de perguntas mais do que de respostas”, e mergulhando na poesia, pela qual ele era apaixonado e que ele identifica como o gênero literário capaz de transmitir uma palavra verdadeira na qual “todo o ser humano” pode brilhar.
Essa “palavra verdadeira” é uma palavra de esperança verdadeira. Que não deve ser confundida com as pequenas esperanças humanas, que dizem respeito a uma melhoria da situação do mundo temporal. “Para Ellul, a esperança é a paixão pelo possível quando tudo parece impossível”, analisa Stéphane Lavignotte. “Não se trata de apagar a vivência trágica, mas de vivê-la apesar de sua natureza trágica. Essa força da esperança é a convicção de que Deus pode intervir em qualquer momento para abalar tudo. Sua presença sempre presente ao nosso lado e seu amor permitem que os fiéis não se desesperem. É uma força extrínseca, no sentido de ‘suportar’, ‘resistir’.”
Por trás da tecnologia, da comunicação política e da administração, esconde-se a vontade de poder. Os “poderes do mundo” são chamados de “exousiai” no Novo Testamento.
Ellul propõe uma “ética do não poder” baseada em uma constrição voluntária a impor limites a nós mesmos para conter a nossa tendência ao excesso. É uma ética que responde a uma constatação muito atual: “Não podemos buscar um desenvolvimento infinito em um mundo finito”.
Esses limites dizem respeito tanto aos nossos comportamentos de consumidores quanto ao conceito de crescimento ou de ecologia. Concretiza-se no dom, nos princípios da não violência, no desejo de desacelerar, de ser mais sóbrio e de resistir aos incentivos ao consumo, princípios defendidos pelo movimento do decrescimento.
Em “Autopsie de la révolution”, Ellul escreveu em 1969: “O ponto mais alto de ruptura com esta sociedade tecnicista, a atitude verdadeiramente revolucionária seria a atitude de contemplação em vez da agitação frenética”.
Perante as infinitas possibilidades oferecidas pelo progresso técnico, essa ética leva em conta a advertência bíblica da Primeira Carta aos Coríntios: “Tudo me é permitido, mas não me deixarei dominar por coisa alguma” (1Cor 6,12) e “tudo é permitido, mas nem tudo é útil; tudo é lícito, mas nem tudo edifica” (1Cor 10,23).
Ao oposto da passividade, o não poder é uma postura de recusa positiva, que permite que cada um recupere o controlo das próprias ações, em seu próprio lugar e em seu próprio nível, movendo-se não para o “mais”, mas para o “melhor”, renunciando à ilusão de onipotência, que Ellul reserva a Deus.
Ele sugere que cada cristão defina um estilo de vida singular, no qual é preciso mais ser do que fazer. Ellul nunca define as modalidades precisas de ação, porque é precisamente a autêntica liberdade individual de cada um que deve defini-las.
No entanto, ele oferece três diretrizes para orientar essa busca: redescobrir o sentido do próximo, redescobrir o sentido do acontecimento e redescobrir os limites do sagrado. Se tivéssemos de adotar um único princípio para viver esse novo estilo, seria o do amor e de seu duplo mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” e “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37-39).
Identificar aquilo que nos domina. Rejeitá-lo. Imaginar formas de fazer as coisas de modo diferente, respeitando o nosso ritmo e o nosso ambiente. Unir-nos a outros que compartilham o mesmo desejo e empenhar-nos, confiantes, movidos pela vontade de fazer e movidos pelo impulso que vai rumo à transcendência, para além de nós mesmos. Para além dos nossos sucessos e dos nossos fracassos, com amor, amizade e gratidão.
Essa atitude em relação ao poder pode parecer simples. Mas essa simplicidade talvez seja a mais difícil de alcançar.
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Jacques Ellul e a redescoberta da vontade de agir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU