23 Setembro 2024
Aqueles que esperavam que a nota da Santa Sé encerrasse de uma vez por todas a questão de Medjugorje, após 43 anos vividos em alta tensão entre céticos e devotos dos supostos videntes, correm o risco de ficar desapontados. Não só porque o próprio documento, “A Rainha da Paz” - mais do que um título, um desejo -, deixa ao papa, e somente a ele, a possibilidade de desatar o nó sobre a autenticidade das aparições, mas sobretudo porque as críticas ao Vaticano, que, se optou por suspender o juízo sobre as visões, deu total permissão à devoção em terra eslava, estão chovendo de direita e esquerda. Incluindo as de uma das figuras mais importantes da exegese bíblica italiana, o Frei Alberto Maggi, 79 anos, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou na Pontifícia Faculdade de Teologia Marianum e Gregoriana de Roma e na École Biblique et Archéologique française de Jerusalém, e inúmeras publicações dedicadas a Nossa Senhora em sua bagagem. A mais similar ao caso de Medjugorje é intitulada “Bernadette, la vera storia di una santa imperfetta” (Garzanti, 2022) e se centra em outra história de aparições marianas, a mais ortodoxa de Lourdes.
A entrevista é de Giovanni Panettiere, publicada por Quotidiano Nazionale, 21-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Frei Maggi, era realmente necessário um pronunciamento da Santa Sé sobre Medjugorje?
Certamente, mas quarenta anos atrás, quando o duvidoso caso começou. A sabedoria popular ensina que não se fecha o estábulo quando os bois já fugiram. Evidentemente, há outros critérios no Vaticano.
O senhor acha mais controversa a decisão de suspender o juízo sobre a autenticidade das aparições ou o sinal verde dado às peregrinações ao local das supostas aparições?
O Vaticano adotou dois pesos e duas medidas. Se o que conta é a devoção dos fiéis, suas orações e não a veracidade do fato, por que foram adotados outros critérios para a suposta aparição de Nossa Senhora em Trevignano? Também lá se reuniram milhares de pessoas em oração.
Como biblista, o senhor vê reflexos pagãos e de mera superstição em fenômenos milagreiros como Medjugorje?
O magistral ensinamento da Sagrada Escritura está contido no livro do profeta Jeremias, onde o Senhor assim se queixa: ‘Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas fendidas, que já não retêm águas’ (Jr 2,13). Quando não se conhece a Palavra do Senhor, as boas novas de Jesus, recorre-se a conversas sem fundamento.
Qual é a diferença entre uma vidente como Bernadette e os seis cidadãos da antiga Iugoslávia que afirmam ter visto Nossa Senhora?
Em Lourdes, desde o primeiro dia, tudo é rigorosamente documentado graças à diligência do comissário de polícia Jacomet. Bernadette, uma figura límpida, cristalina, nunca aceitou uma única moeda, além disso, com o passar do tempo, ela se distanciou de sua experiência. Uma das regras da Igreja para a autenticidade das aparições é a sua brevidade, assim foi para Lourdes, em Medjugorje a novela continua.
O veredicto do Vaticano foi de alguma forma condicionado pelo volume de negócios que gira em torno de Medjugorje, primeiro entre eles, a rede Radio Maria?
Eu acredito que um volume de negócios de cerca de cem milhões de euros por ano seja um bom argumento.
Por que tantas pessoas, mesmo no século XXI, precisam buscar o Outro de si em aparições, curas prodigiosas, em milagres para poderem acreditar?
Se as pessoas acreditassem e praticassem o Evangelho, uma palavra que, se aceita, faz florescer a plenitude da vida em toda criatura, não buscariam respostas em outro lugar. Jesus é muito claro: rejeita aqueles que lhe pedem sinais para ver e crer (Jo 4,48) e pede que acreditem para ser sinal que os outros possam ver.
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Caso Medjugorje: “Intervenção tardia e a novela sobre as aparições continua”. Entrevista com Alberto Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU