20 Setembro 2024
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 19-09-2024.
Via livre para as peregrinações a Medjugorje. O Vaticano, por meio de um aguardado documento do Dicastério para a Doutrina da Fé (avalizado por Francisco em 28 de agosto), reconhece os “abundantes frutos espirituais” vinculados às supostas aparições marianas no santuário da Bósnia-Herzegovina, embora continue sem se pronunciar sobre a veracidade ou não dessas aparições.
Mais ainda: o texto, intitulado ‘Rainha da Paz’, adverte sobre possíveis deturpações da mensagem da Virgem, e algumas apreciações dos supostos videntes que “se referem a pedidos de improvável origem sobrenatural, como quando a Virgem dá ordens sobre datas, locais, questões práticas e toma decisões sobre assuntos ordinários”.
O documento reflete um julgamento vaticano globalmente positivo tanto das mensagens quanto da experiência espiritual vivida em Medjugorje, após uma longa e complexa história que, como reconhece a Santa Sé, teve “opiniões divergentes de bispos, teólogos, comissões e analistas”.
O texto, finalmente, reconhece a bondade dos frutos espirituais ligados à experiência de Medjugorje e autoriza os fiéis a irem ao santuário, de acordo com as novas normas sobre aparições marianas aprovadas recentemente e que já provocaram uma dezena de pronunciamentos da Santa Sé.
“Produziram-se muitos frutos positivos e não se difundiram efeitos negativos ou de risco entre o Povo de Deus”, constata a Dicastério, que no entanto faz várias precisões sobre algumas expressões e deixa claro que “as conclusões desta Nota não implicam um julgamento sobre a vida moral dos supostos videntes” e que, em qualquer caso, os dons espirituais “não exigem necessariamente a perfeição moral das pessoas envolvidas para poderem atuar. (...) As peregrinações não se fazem para se encontrar com supostos videntes, mas para ter um encontro com Maria, Rainha da Paz”, assinala o documento.
Quais são os frutos positivos do ‘fenômeno Medjugorje’? Em primeiro lugar, o sucesso das peregrinações, que a cada ano levam centenas de milhares de fiéis a este recanto do mundo, com “abundantes conversões” e “a promoção de uma sã prática da vida de fé”. Assim, após visitar Medjugorje, muitos peregrinos “descobriram ou redescobriram a fé” e voltaram a receber os sacramentos, especialmente a Confissão e a Eucaristia.
Ao mesmo tempo, sublinha a nota, produziram-se muitas vocações, curas inexplicáveis e “muitas reconciliações entre os cônjuges. (...) Cabe mencionar que essas experiências ocorrem principalmente no contexto de peregrinações aos locais dos fatos originais, mais do que durante encontros com ‘videntes’ para assistir às supostas aparições”, enfatiza o Vaticano, que busca expressamente desvincular o fenômeno das opiniões, sempre polêmicas, dos supostos videntes, a quem reconhece como tais.
“Parece que as pessoas vão a Medjugorje principalmente para renovar sua fé, mais do que por pedidos concretos e precisos”, ressalta o Vaticano, que sublinha que, a partir do fenômeno, surgiram obras de caridade para atender órfãos, dependentes químicos e pessoas com deficiência, e que também ocorreram encontros com ortodoxos e muçulmanos.
O Dicastério valoriza fundamentalmente a “mensagem de paz” recolhida em Medjugorje, uma paz “entendida não apenas como ausência de guerra, mas também em sentido espiritual, familiar e social”, e que “implica também o amor aos que não são católicos”, um aspecto especialmente relevante “no contexto ecumênico e inter-religioso da Bósnia-Herzegovina, marcada por uma terrível guerra com fortes componentes religiosos”.
“Podemos reconhecer um núcleo de mensagens em que a Virgem não se coloca no centro, mas se mostra plenamente orientada à nossa união com Deus”. Além disso, “a intercessão e a obra de Maria aparecem claramente subordinadas a Jesus Cristo”. Ou seja: Maria como intercessora.
Ao mesmo tempo, destaca Roma, nas mensagens percebe-se “um convite constante a abandonar o estilo de vida mundano e o apego excessivo aos bens terrenos, com frequentes chamados à conversão, que torna possível a verdadeira paz no mundo”.
Junto com a paz e a conversão, Medjugorje contém “uma exortação insistente a não subestimar a gravidade do mal e do pecado e a levar muito a sério o chamado de Deus para lutar contra o mal e contra a influência de Satanás”, assim como o papel do jejum, da oração e da prática sacramental.
Com tudo, o Vaticano adverte que “algumas” mensagens atribuídas à Virgem “se desviam” do apropriado e geram “algumas possíveis confusões que podem levar grupos minoritários a distorcer a preciosa proposta desta experiência espiritual”.
De fato, algumas mensagens podem parecer “ligadas a experiências humanas confusas, a expressões imprecisas do ponto de vista teológico ou a interesses não totalmente legítimos”, embora, admitem, alguns desses erros podem não ser “devidos a uma má intenção, mas à percepção subjetiva do fenômeno”.
Quais são? Por exemplo, momentos em que “a Virgem parece mostrar certa irritação porque não seguiram algumas de suas indicações; assim, adverte sobre sinais ameaçadores e a possibilidade de que deixem de aparecer”. Frente a isso, Roma aponta que outros parágrafos atribuídos à Virgem contradizem essa visão, advertindo que “os que fazem previsões catastróficas são falsos profetas”.
Para o Dicastério para Doutrina da Fé, resultam especialmente preocupantes as mensagens dirigidas à paróquia de Medjugorje, onde “dá a impressão de querer substituir com Ela os organismos ordinários de participação”, e numa “insistência em ouvir e aceitar as mensagens”, que Roma atribui aos “supostos videntes”, e que pode gerar problemas quando se referem a “pedidos de improvável origem sobrenatural, como quando a Virgem dá ordens sobre datas, locais, questões práticas e toma decisões sobre assuntos ordinários”, e que Roma não reconhece.
Apesar de tudo, e deixando claro que “isso não implica uma declaração sobre o caráter sobrenatural” das aparições, e lembrando que ninguém é obrigado a acreditar que a Virgem apareceu em Medjugorje, a Santa Sé “autoriza o culto público” e as peregrinações ao santuário.
“A avaliação positiva da maior parte das mensagens de Medjugorje como textos edificantes não implica declarar que tenham uma origem sobrenatural direta”, precisa o documento, que acrescenta que cada bispo deve tomar “decisões prudentes” no caso de que haja pessoas ou grupos que “façam um uso inadequado deste fenômeno espiritual e atuem de forma equivocada”.
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Papa autoriza culto público em Medjugorje, mas segue sem se pronunciar sobre a "origem sobrenatural" das aparições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU