11 Mai 2012
Amar o outro, todo outro, gratuitamente. Como poderíamos excluir alguém por Amor? Isso seria uma contradição nos termos e uma incompreensão da missão que nos foi confiada. O Amor não é reciprocidade; ele é continuidade, fecundidade e gratuidade.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 6º Domingo de Páscoa - Ciclo B. A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referências Bíblicas:
1ª leitura: At 10,25-26.34-35.44-48
2ª leitura: 1 Jo 4,7-10
Evangelho: Jo 15,9-17
A uma semana da Ascensão, a segunda face da Páscoa, São João na segunda leitura e no evangelho de hoje nos lembra da essência do que nós nos tornamos por causa de Cristo: amor, e o essencial da fé cristã que é amar. O Pai ama o Filho, o Filho nos ama comunicando a nós o amor do Pai. Esse amor nos impulsiona a nos amarmos uns aos outros. Existe um vínculo tão íntimo entre Deus, Cristo e nós, que nós somos todos da mesma família.
1. Deus é Amor – Deus se define com uma só palavra: amor. Que bela definição de Deus dada por São João. Tudo começa aí... Deus primeiramente ama; ele é o fundamento de todo o Amor. O nosso se origina nele. Nós não existimos por nada... mas, por causa de Deus, nós somos capazes de nos tornar, nós também, todo Amor: “E o amor consiste no seguinte: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou” (1 Jo 4,10). O Amor de Deus se manifesta por Cristo: “Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu Filho único a este mundo, para dar-nos a vida por meio dele” (1 Jo 4,9). São João nos faz ver também quem nós somos e quem é Deus: “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1 Jo 4,7)
2. Permanecer no Amor – No evangelho de São João, o verbo permanecer (demeurer) é muito importante. Ele significa: viver, ficar, partilhar, estar na intimidade daquele que ama. São João fala a todos os crentes de ontem e de hoje da fidelidade a um nome que é um lugar: uma moradia (demeure), e um rosto: o Amor. No fundo, nós cristãos, devemos ser moradias de Amor, e é o que Cristo veio nos ensinar na sua passagem, isto é, na sua Páscoa: a festa da passagem. O exegeta francês Jean Debruynne escreveu: “Jesus passa todos os dias deste mundo ao seu Pai e, porém, ao mesmo tempo Jesus fica (demeure). Trata-se, ao mesmo tempo, de ficar na passagem e de uma passagem que fica. Jesus não tem outra moradia (demeure) senão a passagem. Jesus fica passando porque, doravante, o único mandamento e a única fidelidade é amar. Deus não procura servidores ou empregados que não sejam importantes para ele. Deus procura amigos. Se Deus se faz homem, não é nem por interesse nem por benefício, mas é por paixão, é por Amor”.
3. Um Amor fecundidade – O Amor de Deus manifestado em Cristo não é primeiramente reciprocidade. Jesus não diz: Amem-me como eu amei vocês. Ele diz:
“Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). O que quer dizer que nós devemos amar ao outro não para que ele nos ame, mas para que, por sua vez, ele possa amar mais alguém. Assim, o Amor não se merece, não se compra, não se ganha. O Amor se recebe para ser dado gratuitamente: “Não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que escolhi vocês. Eu os destinei para ir e dar fruto, e para que o fruto de vocês permaneça” (Jo 15,16). Não é um amor recíproco, interessado, mas sim um Amor gratuito, fecundo, que não cessa de crescer e de aumentar.
Santo Agostinho, no século IV, tinha compreendido isso. Ele distinguia três graus no ato de amor. Primeiro grau: “Amar ser amado”. É o grau mais baixo. Quem não gosta disso? Precisaríamos ser marionetes para pretender o contrário. Estamos todos incluídos nisso. É o amor narcisista. Segundo grau: “Amar amar”. É gostar de amar os outros. Nós esquecemos um pouco de nós mesmos; tornamo-nos generosos, altruístas. Fazemos a nossa boa ação, nos preocupamos com os outros, mas isso é gratificante, de maneira que um excesso nessa forma de amar pode se converter, às vezes, em uma forma megalômana de amor de si próprio. Terceiro grau: “Amar!”. Só isso. Amar simplesmente, amar o outro por ele mesmo, não para lhe fazer bem nem para fazer crescer as nossas virtudes... Não! Amar sem esperar nenhum retorno. Não amamos para... alguém ou algo. Amamos e ponto, só isso. É o topo da gratuidade. É o fruto que devemos dar como cristãos e que permanece.
4. Um Amor liberdade – Na primeira leitura de hoje, nós temos um belo exemplo do Amor do nosso Deus que se expressa com total liberdade. A Igreja do século I o experimentou com Pedro como cabeça. Anunciando a Palavra, a Boa Nova da Ressurreição de Cristo aos pagãos, Pedro teve que reconhecer a igualdade entre os humanos: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz diferença entre as pessoas” (At 10,34). Até mais, seu Espírito está sempre antes. De maneira que Pedro rapidamente compreendeu que Deus era livre de agir sem que ele ou a Igreja tivesse que decidir: “Pedro ainda estava falando, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam a Palavra” (At 10,44). Todo o mundo ficou admirado de que os pagãos não batizados recebessem o dom do Espírito de Pentecostes (At 10,45). Pedro deve, então, render-se perante a evidência de que Deus não pertence à Igreja. É um Deus de liberdade: “Será que podemos negar a água do batismo a estas pessoas que receberam o Espírito Santo, da mesma forma que nós recebemos?” (At 10,47).
Se eu atualizo, hoje, a mensagem que se tira do livro dos Atos dos Apóstolos, me parece que há ali um convite e uma interpelação que se dirige a todo cristão, mas mais ainda aos dirigentes, de demonstrar humildade no exercício das suas funções. Cada vez que uma pessoa é rejeitada, condenada ou excluída da Igreja, deveríamos nos perguntar se nós somos fiéis ao Amor de Deus que se manifesta em Cristo e que nos convida a amar ao outro, a todo mundo, gratuitamente. Como poderíamos excluir alguém por Amor? Lá há uma contradição nos termos e uma incompreensão da missão que nos foi confiada. O Amor não é reciprocidade; ele é continuidade, fecundidade e gratuidade. O Espírito Santo age ainda hoje com toda liberdade. O resultado não nos pertence. É preciso que nós nos digamos e redigamos isso seguidamente...
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