14 Setembro 2024
"Há um fio escarlate que ontem como hoje marca indelevelmente meu estar dentro e fora da Igreja 'oficial'. Aquele pingente em minha testa que me forjou como 'mulher cristã laica e feminista': a relação entre mulheres, a prática política entre mulheres, a mística política feminina", escreve Grazia Villa, pesquisadora, ativista feminista e advogada pelos direitos humanos, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, 10-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cresci em uma família alargada, nutrida desde a infância por um entusiasmo confiante pela Igreja do Papa João e pelas esperanças do Concílio Ecumênico Vaticano II, pela paixão política inspirada no Evangelho, pela busca cotidiana do conhecimento das Escrituras, pelo desejo de celebrações eucarísticas comunitárias e pela escolha de amor pelos pobres. Cercada por tantas mulheres, segui esses passos durante toda a minha vida: pequenos, grandes, leves ou profundos, que marcaram meu percurso dentro e fora da Igreja Católica.
Às vezes, a onda da rejeição os obliterou parcialmente, o peso da fadiga os fez afundar; porém, mais frequentemente, uma rajada de vento impetuoso, levantando-me na ponta dos pés, empurrou-me para outra margem, para a fronteira, sem deixar rastros, no limiar de novas paragens.
Nas temporadas de minhas atormentadas e apaixonadas núpcias com a “Santa Madre Igreja”, me desloquei continuamente do centro da vida eclesial para suas periferias, na doença e na saúde, na riqueza e na pobreza, entre fidelidade e adultério, rebeliões e transgressões, duras contestações e difíceis obediências! Houve o Belo verão da participação ativa em organizações e grupos católicos ou de inspiração cristã (dos escoteiros à Ação Católica, da FUCI à Rosa Branca), em que assumi papéis de responsabilidade, embora com crítica pertença, passando também pelo serviço nas paróquias e comunidades locais, um verão quente, rico e frutífero de encontros, de amizades preciosas e resistentes ao passar dos anos.
Houve o Ardente outono de minhas escolhas políticas incômodas, das tomadas de posição públicas, das opções existenciais compartilhadas ou solitárias, como uma “leiga cristã adulta” que me empurrou para as margens da vida eclesial: eu não estava alinhada, não era uma democrata cristã, não queria ser cúmplice dos colateralismos das hierarquias católicas com um sistema político corrupto.
Houve o Frio inverno da consciência do declínio da Igreja italiana na época da Ruína. O retorno cada vez mais forte dos ventos pré-conciliares, do poder de uma Igreja hierárquica e piramidal, do esvaziamento de sentido das liturgias, da redução “à igreja dos sacramentos”, do retorno da centralidade do sacerdote celebrante, do empobrecimento cultural do laicato, da misoginia imperante, até a terrível descoberta do lado sombrio dos abusos, da simonia e da corrupção, concausas graves da crise atual. Depois, houve as tantas Felizes primaveras germinadas por encontros com mulheres e homens em uma busca perene, mulheres apaixonadas pelo Evangelho, examinadoras da Palavra, buscadoras indômitas da pérola preciosa do suave divino, homens imersos na opção preferencial pelos pobres, mulheres e homens envolvidos na Ruah, juntamente com a coragem da parresia, em uma direção obstinada e contrária.
Na verdade, cada uma dessas estações nunca terminou completamente; quando muito, se desvaneceu na seguinte.
Há, no entanto, um fio escarlate que ontem como hoje marca indelevelmente meu estar dentro e fora da Igreja “oficial”. Aquele pingente em minha testa que me forjou como “mulher cristã laica e feminista”: a relação entre mulheres, a prática política entre mulheres, a mística política feminina.
Começou com aquela genealogia da infância da minha família matriarcal e encontrou um nomen no encontro fundamental, durante os anos universitários, com uma proeminente católica italiana, Maria Dutto, e o Grupo de Promoção da Mulher de Milão. Mulheres de todas as idades que, dando reconhecimento a nós, jovens mulheres, abriam espaços livres de escuta, de conhecimento além de feminismo laico, de história viva de outras mulheres que, embora permanecendo fiéis à Igreja Católica, fizeram escolhas, promoveram ações, fundaram grupos heterodoxos em relação à presença das mulheres na Igreja de seu tempo. Que trouxeram ao mundo, com autoridade feminina, outra modalidade de ser Ecclesia.
Se nessa temporada meu ser feminista cristã ainda me colocava dentro do círculo da vida eclesial, o ponto de virada veio em 2003 com minha participação no Sínodo das Mulheres em Barcelona.
Daí minha adesão aos Grupos de Mulheres das comunidades de base e as muitas outras, o nascimento do Observatório Inter-religioso sobre a Violência contra a Mulher, a participação na Rede Sinodal com o grupo Nós somos a mudança, o relacionamento frutífero com Mulheres pela Igreja. Daí meu estar na soleira, minha travessia contínua entre centro e periferia, minha associação a caminhos de tentativas de reformar a Igreja Católica “por dentro” e o continuar a me debruçar para fora com toda a humanidade, compartilhando com as muitas outras a busca por um “deus diferente”, aquele “deus das mulheres”, da Divina presença que, libertada da prisão do Deus patriarcal, pode voar livremente pelo caminho batido da história, deixando novas pegadas, caminhando conosco, mesmo na lama dos dramas da humanidade, dos quais sabemos que sempre pode surgir vida nova.
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Buscando aquele “deus diferente”. Artigo de Grazia Villa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU