07 Setembro 2024
"No centro da reflexão estava a coerência entre os gestos e as palavras da liturgia e aqueles praticados na vida cotidiana, a importância da arte apesar do ritmo frenético e distraído da vida do nosso tempo e o valor do canto sacro, sem o qual não há liturgia", escreve Vladimir Bernardini, em artigo publicado por Settimana News, 05-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A oração é “vida que pede para não morrer”. E a vida “flui pelas Escrituras”. Nelas lemos a vida “daqueles que são empurrados para o fosso, amedrontados, caçados, ameaçados”. Acima de tudo, nos Salmos, pelos quais “eu me torno um só corpo com todos os maltratados da terra”: aqueles que encontramos hoje em Gaza, Kharkiv, Trípoli. Não faltam opções, mas para a vida daqueles que são empurrados para o fosso, amedrontados, caçados, ameaçados, seria necessário outro artigo para listar todas elas. O Salmo “nos invade de carne sofredora”. É a oração daqueles que “não pensam mais nas palavras, mas nas pessoas”.
Esses são alguns fragmentos da apresentação com o qual o padre Ermes Ronchi lembrou o significado da oração na 74ª Semana Litúrgica Nacional. Pela primeira vez, o evento foi realizado em Módena, de segunda-feira 26 a quinta-feira 29 de agosto.
Uma oração que, portanto, não é um simples ato de empatia, mas está “suja de vida”, “apaixonada”, capaz de “fazer história”. A ponto de o próprio Ronchi lembrar sua etimologia, que remete à palavra latina prex, ou seja, “pedido para fazer algo”, mas também a procus, ou seja, aquele que “dirige um pedido, uma oração, ao pai da família: pede uma filha em casamento”. Assim, a oração se assemelha à busca de quem ama: “o outro conta mais do que você mesmo”.
E o papel dos profetas, no Antigo Testamento, visa a reacender esse amor. Daí, comentou ele, “o conflito entre a religião e a religião dos profetas”, que lembram da necessidade de “‘permanecer à escuta dos últimos”, sem os quais “os lugares físicos, sozinhos, podem nos induzir ao erro”.
Já na mensagem dedicada ao evento, o pontífice, por meio do secretário de Estado Pietro Parolin, escreve que a oração litúrgica “evita toda forma de individualismo e divisão”. Para o Papa Francisco, a oração “liberta o coração da indiferença, encurta as distâncias entre irmãos e irmãs e conforma aos sentimentos de Jesus”. Assim, a ars celebrandi é “um empenho e uma atitude que todos os batizados são chamados a viver para sair de sua individualidade e abrir-se ao ‘nós’ da Igreja na oração”[1].
O Santo Padre pediu aos participantes que refletissem sobre a “coralidade da oração litúrgica”, sobre o “canto sagrado”, sobre o “silêncio”, que é o verdadeiro pré-requisito para se colocar à escuta, e sobre a ministerialidade litúrgica.
E os participantes discutiram sobre isso em três focos temáticos conduzidos pela liturgista Valentina Angelucci, pelo arquiteto Marco Riso e pelo compositor Pe. Fabio Massimillo. A eles coube a tarefa, nada fácil, de condensar as ideias compartilhadas.
No centro da reflexão estava a coerência entre os gestos e as palavras da liturgia e aqueles praticados na vida cotidiana, a importância da arte apesar do ritmo frenético e distraído da vida do nosso tempo e o valor do canto sacro, sem o qual não há liturgia.
A Semana também abordou a questão da adaptação litúrgica, que muitas vezes consiste na “escolha de certos ritos ou textos, ou seja, cantos, leituras, orações, monições e gestos que sejam mais condizentes com as necessidades, a preparação e a capacidade de compreensão dos participantes” e que “cabem ao sacerdote celebrante”, como consta no Ordenamento Geral do Missal Romano. No entanto, enfatizou Pietro Angelo Muroni, presbítero da diocese de Sassari, estudioso e professor de assuntos relacionados à liturgia, é preciso “sair de uma consideração da liturgia como propriedade privada”, evitando a “tentação de uma recriação contínua da linguagem ritual”.
Trata-se de preservar o sentido da assembleia litúrgica, que, como dizia Bento XVI, é o lugar onde “se prefigura aquela celeste, que Cristo Senhor, assumindo a natureza humana, introduziu nesta terra, associando a comunidade dos homens ao canto de louvor eternamente elevado nas sedes celestes”. O padre Angelo Lameri, professor da Pontifícia Universidade Lateranense, falou sobre isso, lembrando que “na assembleia litúrgica, o encontro com Deus não fica sem efeito. A ação litúrgica é performativa”. Assim, entra-se na ars celebrandi, que, explica Giuseppe Midili, citando Romano Guardini, “é a Palavra de Deus (proclamada) que inspira palavras, gestos, sinais, que a Igreja realiza para celebrar ‘uma liturgia ao mesmo tempo séria, simples e bela, que seja veículo do mistério, permaneça inteligível, capaz de narrar a aliança perene de Deus com os homens’”.
Assim, “a verdadeira arte não é tal porque diverte, revigora, satisfaz”, mas porque, citando Massimo Cacciari, “desperta a sede do substancial, a exigência de que não haja separação, nenhuma separação abstrata entre substancial e material, entre sensível e suprassensível, entre divino e humano, e que a representação dessa unidade possa ser dada e possa ser para nós algo que nos satisfaça. Voltamos realmente ao empenho, à instância suprema da analítica do sublime’”.
Em sua apresentação, D. Rino Fisichella enfatizou que “a oração não é alheia à evangelização, que permanece como a primeira e ineliminável ação da Igreja; pelo contrário, pertence a ela por direito e apoia sua atuação". O mundo,- disse ele, citando a encíclica Evangelii Nuntiandi de São Paulo VI, "exige e espera de nós simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos e especialmente para com os pequenos e os pobres, obediência e humildade, desapego de nós mesmos e renúncia. Sem essa marca de santidade, nossa palavra dificilmente chegará ao coração do homem de nosso tempo, mas corre o risco de ser vã e infrutífera”.
Na conclusão da Semana, D. Erio Castellucci, arcebispo de Módena-Nonantola e bispo de Carpi, lembrou que “foi um encontro experimental” no qual “tentamos viver os tópicos sobre os quais estávamos refletindo por meio de celebrações e momentos de oração e compartilhamento. Foi também uma oportunidade de avaliar os problemas do mundo entre os quais guerras, doenças e pobreza. Aqueles que vivem a fé sabem que a oração não se fecha em um sino de vidro, mas traz consigo as situações da humanidade”.
Para D. Claudio Maniago, presidente do Centro de Ação Litúrgica, “voltamos para casa com entusiasmo, cientes de que o que experimentamos aqui é a verdade da nossa liturgia”. O arcebispo de Catanzaro-Squillace também agradeceu ao povo de Módena por sua hospitalidade, anunciando que a arquidiocese de Nápoles sediará a 75ª edição no ano do jubileu.
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A oração litúrgica e a 'ars celebrandi'. Artigo de Vladimir Bernardini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU