20 Agosto 2024
"(...) da recuperação da categoria do Povo de Deus que, embora apareça no número nove da Lumen gentium, na verdade depois do Concílio Vaticano II não teve um desenvolvimento magisterial ou teológico significativo neste sentido – exceto em algumas reflexões teológicas latino-americanas. É com o pontificado de Francisco que esta categoria ressurge e está presente desde a exortação apostólica Evangelii Gaudium", escreve Antonio Teixeira, historiador, em artigo publicado por Settimana News, 19-08-2024.
De 9 a 11 de agosto, realizou-se na nova sede do CELAM em Bogotá um congresso sobre sinodalidade, que reuniu reitores, professores e alunos do terceiro nível das faculdades de teologia, filosofia e seminários de diferentes partes da América Latina. Representantes da América do Norte e da Europa, bem como padres e mães sinodais, também participaram dos trabalhos.
Esta iniciativa, promovida pelo CELAM, reuniu muitos institutos de formação teológica na América Latina. Carlos María Galli, promotor e organizador do evento junto com uma equipe, destacou que, embora não fosse a primeira vez que teólogos de vários centros de ensino e pesquisa latino-americanos se encontraram, foi a primeira vez que a iniciativa não veio de um instituto teológico, mas da própria Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho.
O fato de nos encontrarmos e nos ouvirmos despertou em nós, participantes, o desejo de nos conhecermos. O encontro incluiu várias apresentações de teólogos do continente e relatórios de especialistas divididos em grupos de interesse: pastoral, eclesiológico, ecológico, teológico e espiritual.
Tanto os relatórios quanto as comunicações mostraram que os temas de comunhão e sinodalidade são recorrentes nas publicações de pesquisadores das diferentes faculdades da América Latina. A comunidade de teólogos vê com interesse o que está acontecendo na Igreja e está empenhada em abrir novos caminhos de pesquisa com base no significado da sinodalidade.
Durante as apresentações, além das intuições pessoais de cada palestrante, não faltaram sugestões e críticas ao Instrumentum laboris que acompanhará os trabalhos dos padres e mães sinodais em outubro de 2024.
Sem querer repetir as várias intervenções dos autores, eu gostaria de sublinhar os aspectos salientes que surgiram com mais frequência nas contribuições dos relatórios e nas conversas entre os participantes do Congresso.
Um primeiro aspecto a ser destacado é o dos novos imaginários das estruturas eclesiais. Falo de imaginários no plural, pois não se trata mais de um único modo de ser Igreja, mas de uma Igreja que terá formas em harmonia com a vida de fé do Povo de Deus.
Um segundo aspecto saliente foi a avaliação positiva, por parte de todos os presentes, da recuperação da categoria do Povo de Deus que, embora apareça no número nove da Lumen gentium, na verdade depois do Concílio Vaticano II não teve um desenvolvimento magisterial ou teológico significativo neste sentido – exceto em algumas reflexões teológicas latino-americanas. É com o pontificado de Francisco que esta categoria ressurge novamente e está presente desde a exortação apostólica Evangelii Gaudium.
Ali é recorrente a expressão povo de Deus. Essa frequência não é acidental, porque com ela o papa opta por uma eclesiologia mais concreta e histórica. É importante que Francisco afirme que "ser Igreja é ser Povo de Deus, segundo o grande desígnio de amor do Pai" (EG 114). A expressão "Povo de Deus" convida à corresponsabilidade entre o papa (um), os ministros ordenados (alguns) e os fiéis (todos).
Uma terceira questão foi a necessidade de repensar os ministérios. Diante desse desafio, mais do que respostas, surgiram perguntas: como superar o clericalismo? A maneira de exercer os ministérios ordenados deve ser a mesma em toda a Igreja? Que novos ministérios precisam ser reconhecidos na Igreja? Os ministérios devem ser os mesmos para toda a Igreja? Diante destas questões, é necessária uma reflexão sobre os ministérios para evitar a rigidez magisterial ou uma invenção caprichosa de ministérios alheios à vida da Igreja particular.
Um quarto elemento destacado é a necessidade de rever o Código de Direito Canônico, uma vez que muitos aspectos permanecem discricionários e dependem da decisão do Ordinário do lugar. A lei deve explorar formas de tomada de decisão comunitária, nas quais todo o povo de Deus seja corresponsável.
Um quinto aspecto enfatizou que a sinodalidade não é alcançada se o clero e o bispo estiverem isentos de responsabilidade. A responsabilidade não é um aspecto opcional, mas necessário, porque é uma forma de envolver o povo de Deus na administração dos bens da comunidade e no cuidado dos mais vulneráveis. Há mais risco de abuso quando não há responsabilidade e tudo é deixado ao arbítrio do bispo ou do sacerdote, do que quando o exercício ministerial é pastoral e administrativamente transparente.
Além das apresentações da assembleia, também foram propostos relatórios específicos e compartilhados de acordo com as áreas de interesse. Em particular, foi apresentada a visão de alguns pesquisadores sobre as implicações da sinodalidade na pluralidade cultural de nosso continente.
Eu gostaria de recordar duas reflexões cuja análise teológica amplia o significado do termo "sinodalidade", tendo em conta as religiosidades indígenas. De fato, ambos ilustraram o significado de caminhar juntos na cosmovisão indígena, que vai além do acompanhamento humano. Para os povos indígenas, caminhar juntos significa caminhar e compartilhar a vida com as pessoas da comunidade, mas também com as montanhas, rios, árvores, água, terra, animais, peixes, ar e céu, já que todo o cosmos é um sujeito de relação. Essa sensibilidade ao cosmos é a condição de possibilidade para uma nova hermenêutica bíblica, onde o foco não está apenas no homem, mas também na interação com os elementos da natureza.
Os diálogos que Jesus mantém com os seus discípulos ou com a multidão são enriquecidos pelas suas palavras dirigidas aos elementos da criação: como quando fala à tempestade, quando olha para as flores e os pássaros, para a semente ou para o trigo, para o campo e para a colheita. É, portanto, possível uma compreensão mais ampla dos Evangelhos, com pressupostos e interrogações que podem dar origem a uma nova ética, a uma cristologia com novos elementos, a uma eclesiologia que acolha em si formas religiosas diferentes daquelas institucionalizadas nas convenções litúrgicas e doutrinais.
A sinodalidade nos coloca em comunhão não apenas com o presente, mas também com a história. Somos chamados a assumir o controle da tradição e, por isso, é necessário discernir quando um concílio ou uma doutrina é sinodal e qual é a condição de possibilidade para que assim permaneça. Uma doutrina pode ser uma expressão da fé do povo de Deus, o que a torna sinodal; mas pode acontecer que o que antes era sinodal, se se torna uma fórmula e é transmitido como tal e não como expressão vital da fé do Povo de Deus, acabe perdendo seu caráter sinodal.
O congresso foi um momento de encontro e discernimento comum. A presença de teólogos, leigos, religiosas, religiosos e sacerdotes torna cada vez mais comum o espaço para o pensamento e o ensino teológico latino-americano. O fato de membros de diferentes institutos e universidades participarem ajudou a fortalecer a inter-relação interinstitucional, criando redes, alianças e colaborações no campo do pensamento.
É desejável que este seja o início de um processo sinodal no campo teológico, no qual se formem comunidades teológicas que pensem juntas sobre seus problemas em uma perspectiva universal. É crescente a necessidade de conhecimento mútuo entre os teólogos, de trabalho colaborativo e de um esforço comum na busca de lugares de encontro com propostas mais contextualizadas e adequadas às Igrejas locais.
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CELAM: teologia na chave da sinodalidade. Artigo de Antonio Teixeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU