13 Agosto 2024
"Os fundamentos não mudam. O glossário de menos de cem páginas, redigido por alguns membros da academia pontifícia, reitera o não à eutanásia quanto à obstinação terapêutica, reafirma os cuidados paliativos, reafirma a defesa da vida e destaca a centralidade da pessoa", escreve Iacopo Scaramuzzi, vaticanista de La Repubblica e autor de vários livros historicamente focados no atual papado, como, Il sesso degli angeli: pedofilia, feminismo, lgbtq+: il dibattito nella Chiesa, em artigo publicado por La Repubblica, 09-08-2024. A Tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Não é mais o tempo da intransigência, das barricadas do cardeal Ruini contra o biotestamento, dos anátemas contra os políticos católicos que colaboravam com o "mal menor" em matéria de bioética. A Santa Sé abre ao debate na lei sobre o suicídio assistido e alarga as malhas do magistério sobre a suspensão da nutrição e da hidratação artificiais.
Nenhuma revolução, o Vaticano se move na linha da tradição, mas aplicando às verdades eternas o "discernimento" caro a Francisco, introduz novidades circunstanciais, porém substanciais.
É o que esclarece um vade-mécum da Pontifícia Academia para a Vida, o Pequeno léxico do fim da vida, publicado pela Libreria Editrice Vaticana e entregue na manhã da última quinta-feira ao Papa por Dom Vincenzo Paglia, o presidente do órgão da Santa Sé responsável pelas questões bioéticas.
Os fundamentos não mudam. O glossário de menos de cem páginas, redigido por alguns membros da academia pontifícia, reitera o não à eutanásia quanto à obstinação terapêutica, reafirma os cuidados paliativos, reafirma a defesa da vida e destaca a centralidade da pessoa. De verbete em verbete, no entanto, a Pontifícia Academia para a Vida abre brechas de esperança, assim como já havia feito nos meses passados em relação à procriação medicamente assistida e à contracepção.
Afinal, já faz alguns anos, que a Santa Sé mudou sua abordagem. Se na época de Bento XVI os "valores não negociáveis" eram uma linha vermelha, com Francisco o objetivo da defesa da vida permanece - desde a concepção até o último suspiro, sem esquecer, por exemplo, os migrantes que morrem no mar -, mas passa pelo diálogo com a política e a ciência. No início de 2022, na Civiltà cattolica, o padre Carlo Casalone (jesuíta e médico, agora entre os autores do Pequeno léxico) promovia a ideia de uma lei sobre o suicídio assistido como "barragem diante de um possível dano mais grave", ou seja, o referendo sobre o homicídio consensual, proposto pela associação Luca Coscioni e depois cassado pelo Tribunal Constitucional. Nos últimos meses, despertando o descontentamento dos setores católicos mais conservadores, levantaram-se vozes do Vaticano e da Conferência Episcopal Italiana em apoio à exortação que o Tribunal Constitucional dirigiu a uma política incapaz de legislar sobre o tema.
Agora, o pequeno livro do Vaticano, muito focado no debate italiano, enfatiza que a nutrição e a hidratação artificiais não são "simples procedimentos assistenciais e o médico é obrigado a respeitar a vontade do paciente que as recusa com uma decisão consciente e informada". É citada uma declaração de 2007 da Congregação para a Doutrina da Fé, muito mais restritiva, para afirmar que ela tem uma "validade geral, que, no entanto, exige ser avaliada com discernimento nos casos concretos".
Quanto ao testamento vital, a academia pontifícia lembra a lei italiana de 2017 como um exemplo positivo e inclui no apêndice do livro o formulário para o preenchimento da Diretiva antecipada de vontade. Reafirma-se a "ilicitude moral" do suicídio assistido, mas "podem surgir razões para questionar se, em determinadas circunstâncias, possam ser admitidas mediações no plano jurídico em uma sociedade pluralista e democrática, na qual os crentes também são chamados a participar da busca do bem comum que a lei pretende promover". Nesse sentido, os crentes são chamados a "contribuir para encontrar um ponto de mediação aceitável entre diferentes posições".
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Suicídio assistido, abertura do Vaticano à lei: "É necessária uma mediação". Artigo de Iacopo Scaramuzzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU