31 Julho 2024
“Se não iniciarmos um processo pós-extrativista, que fortaleça as capacidades produtivas locais a partir de lógicas de acumulação diferentes das atuais, poderemos experimentar um complicado declínio extrativista forçado com recursos petrolíferos e minerais cada vez mais escassos, e recursos minerais que nunca atenderão às falsas expectativas criadas. As comunidades e a natureza continuarão a ser sacrificadas, desperdiçando valioso tempo para promover transições”. A reflexão é de Alberto Acosta, em artigo publicado por Rebelión, 27-07-2024. A tradução é do Cepat.
Alberto Acosta é economista equatoriano. Foi ministro de Minas e Energia (2007), presidente da Assembleia Constituinte (2007-2008) e candidato à Presidência da República do Equador pela Unidade Plurinacional de Esquerda (2012-2013). É professor universitário e autor de vários livros e artigos.
”Repetir a mentira até que pareça verdade”, recomendava Joseph Göbbels – ministro da Propaganda nazista.
São campeões em reclamar segurança jurídica, mas quando surge algum tremor que possa contrariar o seu dogma neoliberal ou mesmo afetar os privilégios dos setores mais abastados, não hesitam em recorrer a qualquer tipo de falácia, colocando em risco a própria segurança jurídica. Basta ver como defenderam durante a consulta popular e continuam a defender ainda hoje a exploração do petróleo do ITT-Yasuní, repetindo exaustivamente uma longa lista de mentiras, destinadas a aterrorizar a população; mensagens disseminadas em grande quantidade através dos grandes meios de comunicação privados, cabe observar.
Basta referir-nos a um tipo de publicidade veiculado recentemente num jornal de circulação nacional. Aí, um analista, bem conhecido nos meios de comunicação social, em resposta à decisão popular de interromper a exploração de petróleo do ITT, rasga a indumentária por causa da “perda bilionária de receita para o orçamento do Estado (que) irá aprofundar o déficit fiscal, tornando-o incontrolável, ao mesmo tempo que impossibilitará a sustentabilidade das contas públicas, com os seus efeitos perversos na estabilidade macroeconômica, na atração de investimentos, no crescimento da economia, na criação de empregos e na redução da pobreza”. Fechar este buraco fiscal equivaleria a “aumentar o IVA de 15% para 18%, duplicar os impostos aduaneiros ou aumentar em 20% os níveis do imposto sobre a renda”. Esta mensagem, tão típica do “terrorismo econômico”, completa-se com outra ameaça: “os atrasos nos pagamentos do IESS, dos GAD e dos fornecedores poderão atingir níveis insustentáveis, com a consequente ingovernabilidade”. E, além disso, a referida não exploração “afetará significativamente o já fraco crescimento econômico”.
A realidade, no entanto, desmascara esse discurso. Bastaria aceitar que a recessão da economia equatoriana se deve em grande parte devido à aplicação da teologia neoliberal. O austericídio causado por esta lógica de livre comércio – determinada a reduzir o tamanho do Estado a qualquer custo – é visível. Impacta negativamente a produção, o social, o setor energético e até a segurança dos cidadãos. E tudo isso devido, especialmente, à destruição sistemática dos investimentos do setor público com impactos brutais na economia e na sociedade.
A propósito, a segurança jurídica é apenas uma muleta. Não estão preocupados com a desastrosa mensagem que é transmitida em grande volume dentro e fora do país ao desrespeitarem os resultados das consultas populares. Na realidade, não se importam com a vontade manifestada pelo povo equatoriano nas urnas no dia 20 de agosto passado para não explorar o petróleo do ITT ou do Bloco 43, desmantelando toda a infraestrutura ali instalada. Não estão absolutamente interessados numa segurança jurídica abrangente, mas apenas naquilo que garanta retornos ao capital.
Uma análise com dados reais desmascara os números, que são repetidos exaustivamente por alguns analistas e jornalistas, que afirmam (mentem?) que a não extração do petróleo do ITT deixaria um rombo de um bilhão, 1,2 bilhão ou muito mais de dólares por ano nos cofres públicos.
Vejamos com dados oficiais o que aconteceu no ano passado. O total das receitas petrolíferas para o tesouro em 2023 atingiu 1,5 bilhão de dólares, apenas 66% do que estava orçado, que foi de 2,3 bilhões. Se o ITT contribui com 12% destas receitas totais, o Estado recebeu apenas cerca de 183 milhões de dólares desses três campos: Ishpingo, Tambochocha e Tiputini. Isso significa que mesmo que o orçamento fosse cumprido, a contribuição do ITT teria sido inferior a 300 milhões.
A redução das receitas do ITT foi incorporada ao orçamento de 2024. No entanto, mesmo que a referida exploração não fosse suspensa, os valores seriam semelhantes ou até inferiores aos de 2024, também devido à diminuição das taxas de extração de petróleo.
A partir da informação orçamentária disponível, pode-se concluir que as receitas fiscais geradas pelo ITT foram em média entre 200 milhões e 350 milhões de dólares anuais. Além disso, devido ao aumento da viscosidade do petróleo bruto nestes campos, há uma clara tendência decrescente em termos da taxa de extração de petróleo bruto, uma vez que os seus poços têm uma vida curta, com rentabilidade decrescente, como aconteceu nos Blocos 16 e 67, que ficam na proximidade, geridos até recentemente pela REPSOL, empresa que desistiu antecipadamente por este motivo.
Passemos a uma análise adicional, que conclui que o Estado economizaria uma soma significativa de dinheiro ao fechar o Bloco 43 ou ITT. Trata-se de uma extração subsidiada, fonte de prejuízos. Isto se deve aos altos custos de extração do petróleo bruto, que são superiores às receitas.
O economista Andrés Albuja Batallas parte da seguinte premissa: o custo médio estimado de extração de um barril de petróleo ITT seria de 69 dólares por barril, o que subtraído do preço médio do petróleo bruto pesado desse campo, estimado em 57 dólares por barril, nos daria um diferencial negativo de 12 dólares por barril. Este valor multiplicado pelo volume de petróleo bruto extraído – 135 milhões de barris de petróleo bruto – nos dá um montante total de perdas calculado em 1,6 bilhão de dólares nos próximos 20 anos, ou seja, até o ano de 2043 (assumindo que existem reservas para uma extração tão longa).
Desta forma, se aceitamos estes cálculos e projeções, com a suspensão da extração de petróleo bruto do ITT, o Estado deixaria de absorver os subsídios e perdas desta dispendiosa extração de petróleo, negócio no qual se beneficiariam apenas algumas empresas privadas prestadoras de serviços petrolíferos – especialmente chinesas.
Foi dito – no auge do paroxismo do “terrorismo econômico” – que a não extração de petróleo bruto do ITT ou do Bloco 43 provocaria um sério impacto na balança de pagamentos e, portanto, levaria ao fim da dolarização.
Tenhamos em mente que nem todos os rendimentos provenientes das exportações de petróleo constituem ingressos líquidos para a economia nacional. Em primeiro lugar, deveriam ser deduzidas todas as despesas com importação de equipamentos e materiais necessários à atividade de hidrocarbonetos no ITT, quase todos os quais não são fabricados no Equador. Da mesma forma, teríamos que subtrair o valor das remessas de lucros de empresas estrangeiras – especialmente chinesas – que trabalham na área ITT–Bloco 43. (Não esqueçamos que todas as receitas do petróleo são destinadas ao serviço da dívida externa...)
Afirmar que a redução nas receitas cambiais devido à não exportação de petróleo do ITT afetaria a dolarização não tem qualquer fundamento. Bastaria lembrar como as receitas das exportações de petróleo caíram de 2019 para 2020 – de 2,4 bilhões de dólares para 626 milhões –, sem colocar em risco a dolarização, transformada – de maneira torpe – no grande objetivo da economia equatoriana.
Além disso, embora isso não deva preocupar em nada aqueles que defendem a continuidade da extração de petróleo do ITT, haveria incontáveis economias socioambientais. Se lembrarmos como tem sido a atividade petrolífera na Amazônia, além da destruição que causou durante mais de meio século, podemos lembrar bem que esta região é a mais pobre de todo o país e que a sociedade equatoriana como um todo também não conseguiu superar as suas condições de pobreza e desigualdade.
Especificamente, se considerarmos que a vida não tem preço, suspender a extração de petróleo do ITT ou Bloco 43 ajuda a proteger o território dos povos em isolamento voluntário, a cuidar do enorme potencial da biodiversidade existente, a reduzir os desequilíbrios ambientais e, também, a libertar gradualmente a Amazônia de sua condição de território de sacrifício.
Portanto, sem cair na armadilha do mercado, a análise do Yasuní-ITT também deveria ser realizada com base em múltiplas considerações sobre a sua contribuição em termos de biodiversidade. Os bens comuns envolvidos, como o ar e a água, também devem ser considerados. Em suma, a luta contra o aquecimento global também é importante, mas acima de tudo os direitos dos povos indígenas, neste caso especialmente daqueles povos que não têm voz: povos em isolamento voluntário.
As reservas com as quais se justificou a exploração do Bloco 43 ou ITT – Ishpingo, Tambococha e Tiputini – não aparecem na prática.
Em 2013, quando foi autorizada a exploração do ITT, as reservas eram de 840 milhões de barris de petróleo bruto pesado. E que seriam explorados durante 23 anos, com extração máxima de 225 mil barris/dia no sexto ano de atividades.
Depois, em 2016, com as tarefas de exploração do petróleo bruto da ITT já avançadas, as reservas foram duplicadas – com enorme propaganda midiática – para 1,6 milhão de barris, oferecendo um pico de extração de 300 mil barris/dia no sexto ano.
Os números reais da extração de petróleo bruto estão longe dessas expectativas. Em agosto de 2019, foi atingida a taxa máxima de extração de 80.012 barris/dia. Em junho de 2022, a taxa de extração tinha caído para cerca de 60 mil barris/dia. E, atualmente, a taxa diária de extração está em torno de 55 mil barris, talvez menos.
A realidade também mostra que não apenas se extrai menos petróleo, mas também se perde qualidade de forma constante. Como se não houvesse dúvidas, o então ministro de Energia e Minas, Fernando Santos Alvite, publicamente conhecido pelo seu entusiasmo pela extração de petróleo, aceitou publicamente que nos últimos poços de exploração do referido bloco obteve-se apenas “um petróleo muito pesado, um verdadeiro marshmallow que não pode ser transportado pelo gasoduto”. Além disso, sabe-se que cada vez mais flui água da formação, que é extremamente poluente: estima-se que para cada 11 barris de água extraídos, um é de petróleo.
Os últimos números da Petroecuador sobre as reservas restantes no ITT falam de 282 milhões de barris. Este valor mostra que o 1,6 milhão de barris de 2016 não se sustenta em critérios técnicos.
Na verdade, a disponibilidade de petróleo em toda a Amazônia está diminuindo. No total, com dados de 2021, as reservas restantes atingiriam um pouco mais de dois bilhões de barris: 1,4 bilhão de reservas comprovadas; 292 milhões, reservas prováveis; 400 milhões, reservas possíveis. O que antecipa que o Equador deixará de exportar petróleo dentro de cerca de 8 anos, data que depende, sobretudo, do consumo interno. Além disso, as possíveis novas descobertas de petróleo na Amazônia serão provenientes de depósitos cada vez menores, com petróleo de baixa qualidade. E sabemos bem que não podemos continuar explorando hidrocarbonetos que acabam enchendo cada vez mais a atmosfera de carbono.
Aproxima-se o fim do período em que o petróleo era o pilar da economia equatoriana. Razão mais do que suficiente para avançarmos para uma economia pós-petróleo.
O Equador tem sido um país-produto – um país agroexportador, um país produtor de petróleo – ao longo da sua vida republicana. Os problemas estruturais inerentes a este tipo de acumulação são inegáveis. Economia e Estado com profunda propensão ao rentismo. Sociedade atormentada pelo clientelismo. Prática política autoritária e corrupta, apoiada em ações violentas de todos os tipos.
Se continuar vinculado ao extrativismo, o futuro augura ao país um papel cada vez mais dependente e periférico, e não de maior “prosperidade”. Se o Equador não sair desta armadilha, continuará atrasado em relação às grandes mudanças tecnológicas que o mundo está testemunhando. Portanto, para uma transição para o pós-extrativismo é crucial considerar que o próprio país terá que fazer, mais cedo ou mais tarde, a sua própria transição tecnológica e energética. Numa era em que a gestão e o processamento de grandes quantidades de informação se tornam cada vez mais importantes, o país não pode continuar a ser um país-produto, simplesmente um fornecedor de meras matérias-primas.
Antes de encerrar estas breves linhas, deve ficar claro quais são as alternativas de financiamento para esta transição. Especificamente, existem várias opções para preencher o fosso fiscal e o buraco na balança de pagamentos, que não serão tão grandes e incontroláveis como os cultistas do “terrorismo econômico” nos querem fazer acreditar. O ponto-chave para cobrir qualquer desequilíbrio fiscal é uma política fiscal baseada no princípio básico de que quem ganha mais e tem mais é quem mais paga. Além disso, será necessário rever todos os subsídios que beneficiam os grupos mais abastados, tais como: isenções, incentivos e benefícios fiscais que, durante muitos anos, excedem em muito as receitas petrolíferas. O desmantelamento dos equipamentos ali instalados – tarefa que, em qualquer caso, deve ser realizada – representa um investimento no futuro que protege a vida dos seres humanos e não humanos, cujo financiamento poderia ser obtido mesmo no quadro da luta internacional contra a mudança climática.
Em suma, se não iniciarmos um processo pós-extrativista, que fortaleça as capacidades produtivas locais a partir de lógicas de acumulação diferentes das atuais, poderemos experimentar um complicado declínio extrativista forçado com recursos petrolíferos e minerais cada vez mais escassos, e recursos minerais que nunca atenderão às falsas expectativas criadas. As comunidades e a natureza continuarão a ser sacrificadas, desperdiçando valioso tempo para promover transições, mergulhando cada vez mais a população em incertezas sem fim.
Interromper a exploração do petróleo bruto do ITT, portanto, é um primeiro passo concreto e planejado no caminho pós-extrativista, decidido democraticamente pelo povo equatoriano há quase um ano.
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Deixar de explorar o ITT-Yasuní: uma oportunidade econômica e um imperativo democrático. Artigo de Alberto Acosta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU