11 Mai 2023
“Destruir o lugar que tem a maior biodiversidade do planeta para ter 10 anos de petróleo é, simplesmente, um suicídio”, diz o pesquisador Carlos Larrea. Especialistas apontam a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento diante da inviabilidade social do modelo extrativista.
A reportagem é de Juan F. Samaniego, publicada por La Marea/Climática, 10-05-2023. A tradução é do Cepat.
O país já estava fortemente endividado quando, na década de 1940, a Shell perfurou pela primeira vez o solo da floresta. Ali, aos pés das cordilheiras onde nasce a Amazônia, o Equador queria começar a construir a saída do labirinto econômico em que estava metido desde os tempos coloniais. Mas o petróleo que a Shell encontrou lá era muito denso, muito caro para exportar e, portanto, muito pouco lucrativo. O país mais uma vez enterrou o sonho de ser um grande produtor de petróleo, mas não seria por muito tempo.
A partir de 1960, a exploração das grandes reservas de petróleo do Equador, tanto por mãos privadas e estrangeiras quanto públicas, começou a dar seus resultados e os petrodólares começaram a fluir. No entanto, seis décadas depois, o país continua sufocado pela dívida, enquanto começa a perceber como a obsessão pelo petróleo vem destruindo seu tecido social e seu patrimônio natural e cultural. Em nenhum lugar essa relação é mais clara do que na floresta do Yasuní, uma das florestas que tem a maior biodiversidade do planeta e um refúgio para alguns dos poucos grupos indígenas isolados que ainda restam no mundo.
Agora, uma decisão da Corte Constitucional do Equador adiada durante quase uma década pode mudar para sempre o rumo extrativista do país.
Num hectare de sua floresta crescem tantas espécies de árvores quanto em toda a América do Norte, e não há lugar no mundo com tantos tipos diferentes de plantas. Na floresta do Yasuní, uma floresta úmida da alta bacia amazônica que se estende cerca de 250 quilômetros a leste de Quito, também se escondem 150 espécies de anfíbios, 121 de répteis, 598 de aves e mais de 200 espécies de mamíferos, incluindo o menor primata do mundo, o sagui-pigmeu. Território da nação indígena huaorani, no Yasuní também vivem os grupos tagaeri e taromenane, que permaneceram voluntariamente isolados do resto do mundo nas últimas décadas.
Em 1979, diante da crescente pressão da atividade petrolífera, o Equador criou o Parque Nacional Yasuní, uma área protegida de um milhão de hectares situada entre o rio Napo e o rio Curaray. Uma década depois, a Unesco ampliou a conservação da área com a Reserva da Biosfera Yasuní, que abarca 1,7 milhão de hectares da região. “Apesar da exploração petrolífera e de muitas outras ameaças, segue sendo uma área bem protegida”, assinala Carlos Larrea, professor-pesquisador da Universidade Andina Simón Bolívar e ex-assessor técnico da Iniciativa Yasumí-ITT que tentou impedir a exploração petrolífera na região.
Mas a riqueza do Yasuní vai muito além do parque. “A biodiversidade amazônica está concentrada nas áreas onde os Andes e a floresta se encontram, com condições de umidade muito estáveis e onde a radiação solar é mais elevada. Esses três fatores ocorrem a leste da Amazônia equatoriana”, acrescenta Larrea. “Nunca deveria ter havido a menor tentativa de exploração de petróleo no Yasuní. Sua biodiversidade é de importância estratégica”. Porém, a história deste território é uma história de extrativismo, uma história de desmatamento, perfuração e destruição do patrimônio cultural e natural do país.
O território do Equador é atravessado pelos três braços da Cordilheira dos Andes. A leste, em direção ao Pacífico, concentra-se a maioria dos vilarejos e cidades. A oeste, estão a floresta e os blocos de petróleo. O mapa do país está dividido em quase 90 blocos de exploração de petróleo, zonas onde podem ser obtidas licenças de extração. Alguns poucos estão no litoral, mas a maioria está concentrada em território amazônico. Os mais produtivos estão na área do Yasuní, nos campos Ishpingo, Tambococha e Tiputini, abreviados como ITT. O último estudo aprofundado feito na área, em 2004, determinou que a reserva ali era de 850 milhões de barris de petróleo.
Passaram pelo Yasuní, além da Shell, a Repsol, a Chevron-Texaco e a Sinopec, entre outras, embora atualmente a exploração seja administrada integralmente pela Empresa Pública Petroecuador. No entanto, houve um tempo em que as grandes petrolíferas e as empresas públicas viram que podiam perder seu bolo fóssil, um tempo em que o Equador colocou na mesa uma iniciativa inédita para mitigar a mudança climática e mudar o modelo de desenvolvimento: deixar o petróleo no subsolo em troca de fundos para o desenvolvimento sustentável do país.
“Que a exploração do petróleo resolverá a situação da dívida é um dos principais argumentos da indústria do petróleo e de quase todos os governos que o Equador teve, independentemente da linha ideológica. Dizem: “O Equador é um país pobre e com muitas necessidades. Como pode se dar ao luxo de não explorar seu petróleo”. No entanto, muitas pesquisas indicam que o ganho para o país é baixo e que a maior parte da receita vai para o exterior”, diz Alexis Rivas, professor pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Equador e autor do livro Los ultimos grupos del Yasuní (Os últimos grupos do Yasuní), sobre os povos indígenas isolados da Amazônia equatoriana.
Consciente dessa realidade, e a partir de uma oferta da estatal chinesa Sinopec para iniciar a exploração do petróleo do Yasuní em 2007, o governo de Correa criou a Iniciativa Yasuní-ITT: a ideia era que o Equador se comprometia a deixar a reserva inexplorada em troca de uma ajuda internacional para criar um fundo administrado pela ONU para a transição energética e ecológica. “O acordo assinado com a ONU é o único existente em um país petrolífero para deixar o petróleo no subsolo”, acrescenta Larrea. “Mas os interesses do petróleo [e a baixa resposta dos demais países, já que apenas 13 dos 3,6 bilhões pretendidos foram cumpridos] fizeram com que a iniciativa fosse cancelada em 2013”.
A partir de então, o governo Correa e os seus sucessores seguiram o mesmo caminho de seus antecessores, convencidos de que obteriam uma grande quantidade de recursos se explorassem o petróleo. Em 2016, a estatal retomou a extração no Yasuní em parceria com a Sinopec. Desde então, uma infinidade de estradas foram construídas, a floresta foi desmatada até os limites do próprio parque, os rios foram contaminados e o modo de vida dos huaorani foi alterado, tanto dos grupos que permanecem isolados como dos outros.
“O Equador reconhece os direitos dos povos indígenas, mas estes são donos apenas da superfície de seu território e de cerca de 10 centímetros de profundidade do solo. Tudo o que estiver abaixo e acima pertence ao Estado”, explica Alexis Rivas. “Assim, quando os acordos de extração são assinados, a petroleira se compromete a entregar determinados bens ou serviços em troca do acesso ao território, mas não ao subsolo. Assim se estabelece um modelo clientelístico, mediante o qual os indígenas recebem farinha, enlatados ou refrigerantes, televisões e conexões via satélite, mas não um verdadeiro desenvolvimento”.
Para o professor e pesquisador, a situação dos povos indígenas isolados (oficialmente dois, embora seja provável que sejam quatro ou mais grupos) é ainda mais delicada. Esses grupos desconhecem a existência de limites, fronteiras e acordos de extração, e têm sofrido regularmente perseguições e violência. “Acima de tudo, por outros grupos indígenas, motivados em maior ou menor grau por agentes externos ligados ao petróleo”, aponta Rivas. “Eles também sofrem danos indiretos, como espaços ocupados, derramamentos e contaminação ou destruição da floresta em que têm suas plantações dispersas de mandioca”.
A cada ano, o Equador produz uma média de 480.000 barris de petróleo, metade dos quais vem do bloco ITT. O número está estagnado há uma década, apesar dos esforços para aumentá-lo, e a situação econômica do país continua piorando. “Após 50 anos de extração de petróleo, o Equador tem uma dívida externa muito difícil de quitar, um terço da população está abaixo da linha da pobreza e conta com um alto índice de empregos informais de baixa produtividade que atinge metade da população”, explica Carlos Larrea.
Para o professor e ex-assessor da Iniciativa Yasuní-ITT, os países produtores de petróleo costumam ter dificuldades para transformar o petróleo em instrumento de desenvolvimento social devido a uma série de problemas, como a corrupção, sempre ligados ao petróleo. No Equador não é diferente. “O problema de fundo é que as reservas de petróleo do Equador durarão muito pouco tempo. O país deixará de ser exportador líquido de petróleo em três ou quatro anos, mesmo que continue a explorar o Yasuní-ITT. E se a demanda diminuir para mitigar as mudanças climáticas, o preço provavelmente cairá. O investimento em petróleo é de alto risco no longo prazo”, acrescenta.
“Uma vez terminada a fase de exportação e o Equador se tornar um importador líquido, que futuro nos resta? Nós dependemos do petróleo bruto e importamos quase todos os derivados. Temos de encontrar uma forma de contribuir para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida. O único patrimônio que o país possui é sua diversidade cultural e biológica e seu patrimônio histórico”, aponta Larrea. Tanto para ele como para Alexis Rivas, a saída deve estar do lado do uso sustentável do Yasuní e do resto da floresta, por meio de atividades como o ecoturismo ou o uso de recursos genéticos para a indústria farmacêutica ou cosmética apoiados no conhecimento indígena e tradicional, que devem ser o tema central do desenvolvimento.
“Destruir o lugar que tem a maior biodiversidade do planeta para ter 10 anos de petróleo é, simplesmente, um suicídio”, sublinha Carlos Larrea. “É possível avançar para um novo modelo não extrativista. O problema é que são necessários acordos políticos e um modelo pós-desenvolvimentista que está longe de ser alcançado”, acrescenta Rivas. No horizonte próximo, no entanto, duas decisões judiciais pendentes poderiam lançar muito mais luz sobre o futuro do Yasuní.
Após o cancelamento da Iniciativa Yasuní-ITT, surgiu um forte movimento social (Yasunidos) que coletou mais de 700.000 assinaturas pedindo uma consulta nacional sobre a exploração do petróleo amazônico. Correa ignorou essas assinaturas e o Tribunal Constitucional do Equador emitiu uma sentença assegurando que isso foi feito de forma fraudulenta. No dia 9 de maio, o tribunal finalmente se pronunciou a favor do Yasunidos, determinando que o país deve realizar uma consulta popular sobre se o petróleo bruto do bloco 43, no Yasuní, deve permanecer indefinidamente no subsolo. Segundo a organização, a consulta deve ser realizada no prazo máximo de 75 dias.
Por outro lado, depois que 14 pessoas de um grupo indígena isolado foram assassinadas em 2013 por outros indígenas ligados a empresas petrolíferas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos recebeu uma ação por parte daqueles que afirmam ser os representantes dos indígenas isolados solicitando sua proteção. O veredicto final também deve sair no próximo ano e pode incluir medidas que restrinjam a atividade petroleira no Yasuní.
“A Costa Rica é um exemplo de que as coisas podem ser feitas de maneira diferente. Tem um altíssimo índice de desenvolvimento humano, desmatamento zero e protege sua biodiversidade”, finaliza Carlos Larrea. “Enquanto isso, o Equador continua destruindo seu patrimônio natural em um ritmo ultrajante. Nas políticas públicas, a questão ambiental não é prioridade. Precisamos mudar o modelo de desenvolvimento a longo prazo; é a única esperança para evitar uma crise profunda ligada à inviabilidade social do modelo extrativista, como a que já afeta a Venezuela ou o Peru”.
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Equador. O petróleo do Yasuní e a armadilha das finanças globais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU