05 Julho 2024
Nós nos encontramos, como acontece algumas vezes por ano. Almoçamos juntos. E também conversamos. E, como bons padres, falamos sobre a Igreja. Estamos muito pessimistas. E, infelizmente, parecemos ter bons motivos para estar assim.
O comentário é de Alberto Carrara, presbítero da Diocese de Bérgamo, na Itália. O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 03-07-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É um hábito consolidado. Nós nos encontramos algumas vezes por ano. Somos os “companheiros de missa”, isto é, os padres ordenados em 1967: uma eternidade atrás. Juntam-se a nós também dois leigos, companheiros de seminário, que “saíram” antes de se tornarem padres. Éramos 16 ordenados naquele distante 1967. Restaram seis. Os outros dez “foram embora”.
“Somos sobreviventes”, comentou um de nós certa vez. “Somos um pouco como aqueles grupos de combatentes e veteranos que se reúnem, velhos e curvados, para relembrar os grandes feitos do passado.” Mas agora, também por questões de idade, deixamos de ser combatentes e nos adaptamos a ser veteranos.
Então, nós nos encontramos e almoçamos juntos. Apesar de tudo, continuamos capazes de rir de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. Também rimos e falamos da Igreja. Falamos dela, acima de tudo. Falamos dela longamente, mas, se quiséssemos dizer em poucas palavras do que falamos, seria possível dizer assim: estamos bastante decepcionados com a Igreja, com toda a Igreja, desde o papa para nós.
O papa parece-nos ser cada vez menos um profeta e cada vez mais um jesuíta. Ele falou muito sobre a Igreja sinodal, mas tomou algumas decisões que, de fato, puseram-na em discussão. Por exemplo, em relação ao diaconato às mulheres, a comissão estava trabalhando, e o papa decidiu, mesmo assim, que não se devia falar de diaconato para as mulheres.
A Igreja monárquica adormece no coração de todos os responsáveis, mesmo quando eles pregam participação e sinodalidade.
Uma Igreja perdida
Para a nossa Igreja de Bérgamo, compilamos o nosso cahier de doléances: a falta de uma perspectiva, de uma linha que governe a crise em curso, a ausência de critérios na escolha das pessoas, a incapacidade de decidir por parte de quem deveria decidir e a propensão a decidir demais quando se deveria ter a força do debate e do diálogo.
Estamos excessivamente preocupados em salvar o passado, mais do que em tentar imaginar o futuro. E, além disso, há um grande vazio cultural... A propósito: quantos encontros de catequese de adultos, de reflexões sobre a Bíblia, sobre a moral, sobre o mundo no qual somos chamados a levar a “Boa Nova”? E os “professores do seminário”? Depois do Concílio, eles eram invocados por todos os lados, pelas paróquias e pelos vários grupos. Hoje, além dos cursos que eles ministram aos poucos seminaristas que ainda restam, parece-nos que são sobretudo grandes desempregados.
A esse respeito, recordamos um dos nossos que “foi embora”: o Pe. Pietro Garavelli. Faleceu em 2021. Ele havia sido, durante muitos anos, capelão do lar de idosos das Irmãzinhas dos Pobres de Torre Boldoni. Recordamo-lo como um padre de uma marcante sensibilidade e dignidade cultural. Temos consciência do fascínio notável que Garavelli exercia nas pessoas com as quais se encontrava. Mas concordamos essencialmente no fato de que aquele fascínio era ditado pelas atitudes “radicais”, um pouco fundamentalistas, deliberadamente evangélicas e pré-culturais do Pe. Garavelli. É o que muitas vezes acontece com os homens da Igreja, que muitas vezes anunciam o Evangelho, mas não se preocupam em se perguntar como.
A memória do passado e a desilusão do presente
Também reconhecemos as razões mais profundas da nossa decepção: a inevitável herança da velhice. Os velhos são sempre, mais ou menos, mais “mais” do que menos, reclamões. Nada está bom. No nosso caso, a desilusão vem sobretudo da comparação que sempre tendemos a fazer entre a nossa juventude e a nossa velhice. Tivemos a sorte de viver, durante os nossos estudos de teologia e nos primeiros anos de pastoral, uma Igreja que se renovava por todos os lados.
Três de nós foram a Roma, convidados do Seminário Romano, para estudar teologia na Universidade Lateranense. Era o dia 20 de outubro de 1962. Poucos dias antes, em 11 de outubro, tinha começado o Concílio Vaticano II, inaugurado pelo papa de Bérgamo, João XXIII, o Concílio da abertura ao mundo e às suas provocações, o Concílio das grandes e corajosos reformas. A exaltação daquela época torna-se a principal razão da depressão de hoje.
Post scriptum: falamos pouco sobre isso durante o nosso almoço, mas conversamos sobre isso em outras ocasiões. Ser cristão e, em particular, ser padre não significa ter certeza de que tudo irá bem. Mas sim ter algum motivo para seguir em frente mesmo quando as coisas vão mal. É preciso voltar à teologia da Cruz.
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Padres, velhos e tristes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU