23 Mai 2024
Toda a vida fazendo, fazendo, fazendo. E, agora que não há mais nada a fazer, corre-se o risco de não saber o que significa ser padre.
O comentário é de Alberto Carrara, presbítero da Diocese de Bérgamo, na Itália. O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 23-01-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A questão me interessa, porque eu também estou nela. Mas o raciocínio é de um amigo padre, idoso como eu. Raciocínio amargo, é preciso reconhecer. Mas um raciocínio.
O velho amigo se pergunta o que aconteceria se, por algum acidente qualquer, ele tivesse que retornar ao Criador. O amigo se perguntou isso e também se deu a resposta. Aconteceria que alguns amigos e algumas amigas ficariam mal.
Na verdade, ele tem alguns amigos e amigas, velhos, colaboradores afeiçoados, devido aos muitos cargos que teve e, sobretudo, nas paróquias onde foi pároco. Ele até acha que alguns desses amigos deixariam escapar algumas lágrimas.
Mas, para além desses inevitáveis lamentos, que problemas surgiriam com a sua – por assim dizer – partida? Que dificuldades surgiriam para a Igreja de Bérgamo?
A resposta do amigo, totalmente pessoal: nenhuma, muito pelo contrário. O padre idoso não faz nada de necessário, na verdade. As atividades “pastorais” (catequese, caridade, liturgia, sacramentos, funerais...) devem ser feitas pelo pároco ou, onde há, pelo vigário. O padre idoso confessa e reza algumas missas. Mas, quanto às confissões, poucas, pouquíssimas pessoas ainda se confessam. As missas são muitas e, quando diminuem devido ao falecimento de um velho padre, somos obrigados a fazer o que se deveria fazer por outros motivos: isto é, diminuí-las.
Mas, então, além dessa desocupação de fundo, o padre idoso é idoso e sozinho. E, quando chegam as doenças, as enfermidades, as deficiências, surgem problemas enormes justamente para a Igreja, que deve pensar em como resolvê-los. Em suma, a velhice de um padre é um fardo, um peso para ele e para a Igreja. Por isso, se acontecer de ele ir embora – vale a pena dizer nua e cruamente a verdade nua e crua –, a Igreja não perde nada. Em vez disso, evita ter outro problema além dos que já tem.
Mas essa estranha vantagem para a Igreja devido à perda de um padre, mesmo que idoso, levanta boas perguntas também e sobretudo para a própria Igreja.
A Igreja, pelo menos a de Bérgamo, sempre insistiu muito no compromisso, no “fazer”, no muito empenho e no muito fazer. O padre, acima de tudo, é um incansável operário do Reino. E, quanto mais incansável ele for, melhor ele será. Isso é confirmado pelas biografias dos padres falecidos que são, quase sempre, uma lista de igrejas restauradas, de oratórios construídos, de muitas realizações: em suma, trata-se da lista das coisas feitas. O padre sente na pele uma tendência típica da Igreja de hoje, mais comprometida em fazer do que em rezar.
Só que, a esse respeito, me veio à mente uma frase célebre e muito citada do teólogo Karl Rahner, que, há muitos anos, escrevia: “O cristão do futuro ou será místico ou não será”. Em relação a Rahner, nós somos os cristãos do futuro. Deveríamos ser místicos. O problema é que, na realidade, somos hoje muito menos místicos do que Rahner e os cristãos de seu tempo: estamos mais atarefados, muito mais atarefados do que então.
A dimensão “mística” da fé foi esquecida. Meu amigo me deu alguns exemplos. O que significa para mim hoje que “já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim” (Carta aos Gálatas)? O que me diz o dom do Espírito que me faz gritar “Abbá, Pai” (também na Carta aos Gálatas)? Eu sou um filho de Deus. Mas o que isso significa? Essas perguntas “desafiadoras” e sem resposta poderiam se multiplicar.
Por outro lado, continua ele, se perguntarmos a um padre velho: “O que você faz?”, a resposta é fácil: “Nada”. Então, como eu sempre achei que tinha que dar e fazer muito, acabei identificando a minha identidade com o meu “fazer”. Consequência: não podendo mais fazer, agora que sou velho, tenho a sensação de ter perdido também a minha identidade de padre.
Tento rezar um pouco mais, ele me conta: voltei a rezar o terço (na paróquia eu nunca tinha tempo), faço a meditação regularmente e depois, sobretudo, celebro todos os dias. Mas eu custo a fazer com que a minha vida entre na oração. Eu deveria renascer. Mas é possível renascer aos 80 anos?
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Um velho padre morre. O que acontece? Nada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU