27 Abril 2024
Cardeais, pessoas da Cúria, padres. Também alguns leigos. Os homens “da Igreja” dependem da Igreja, e a Igreja depende deles. A fragilidade da Igreja os assusta, e o susto se transforma em crítica.
O comentário é de Alberto Carrara, padre da Diocese de Bérgamo, na Itália. O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 24-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Cardeais, pessoas da Cúria, padres e alguns leigos: estes são os inimigos do Papa Francisco. Em outras palavras: os inimigos mais ferozes do papa estão dentro da Igreja. No artigo anterior, eu mencionava até alguns cardeais.
Isso pode até surpreender. Os cardeais são os colaboradores mais imediatos do papa e, consequentemente, deveriam ser seus primeiros colaboradores. Mas não é assim.
Na realidade, o estupor não tem muita razão de ser. Os homens da Igreja, desde os cardeais até ao mais desconhecido pároco de aldeia, são, justamente, “homens da Igreja”.
“Da Igreja”: pertencem à Igreja, são seus “funcionários” (eu sei que o termo é inadequado, mas ajuda a entender), dependem dela, e ela, em boa parte, depende deles.
Isso nos faz querer discutir esse papel preponderante dos padres. Estes, na realidade, são a figura eclesial de definição mais incerta. As categorias eclesiais mais claras são os leigos, por um lado, e os monges, por outro.
O leigo, como muitos notam, poderia ser visto como o fiel mais representativo: batizado, filho de Deus, membro da Igreja e, ao mesmo tempo, perfeitamente integrado no mundo: tem família, trabalha, faz economia, política... Ser uma pessoa que crê, com efeito, significa “manter unidos” esses extremos. Ninguém é fiel se estiver apenas no mundo sem se referir ao evangelho, mas também não seria cristão se se contentasse em apenas ser batizado. O leigo é ambas as coisas.
Diz-se que os monges, por sua vez, são as testemunhas do radicalismo evangélico. O monge diz que o evangelho é o sentido de tudo. Vale a pena viver apenas do evangelho, e fazem isso com votos de castidade, pobreza, obediência. Renunciam a tudo pelo “tudo” que, para eles, é Jesus e seu Evangelho.
O padre está na metade do caminho. Não se casa (entre nós, na Igreja do Ocidente. Os padres das Igrejas católicas do Oriente, por sua vez, como se sabe, se casam). Não se casa, mas também não faz o voto de castidade: o celibato do padre é apenas uma “promessa”, não um voto expressado solenemente como no caso do monge. O padre, além disso, não faz voto de pobreza. E, em relação à obediência, é-lhe pedido que prometa reverência e obediência ao bispo: mais uma vez, apenas uma promessa, e não um voto. O “radicalismo” do monge não pertence ao padre.
Qual a utilidade desse discurso para explicar que os inimigos do papa estão dentro da Igreja? É útil porque tudo nasce, precisamente, do modo como nos sentimos Igreja e como nos sentimos dentro da Igreja.
Os padres são “pastores”: gerenciam a Igreja, especialmente as comunidades “na base”, em particular as paróquias. E, tendo que gerenciá-la, sentem todas as repercussões do mundo que os rodeia e da forma como esse mundo interfere na Igreja.
Ora, a Igreja de hoje é uma Igreja frágil. E aqueles que devem gerenciá-la sentem essa fragilidade mais do que outros. E, diante de tudo isso, o pastor muitas vezes se sente perdido e se compromete a defender a Igreja, justamente porque a sente indefesa.
Os temas da Igreja em saída, caros ao Papa Francisco, são os temas típicos de um pastor que não tem medo, que sabe que deve correr riscos. Mas a coragem do Papa Francisco torna-se a fonte dos medos de muitos pastores. E os medos se tornam críticas.
É por isso que bispos, cardeais e padres são os críticos mais ferozes do Papa Francisco. São os mais expostos e, também por estarem expostos, sentem as dificuldades e preferem se defender das dificuldades, ao invés de enfrentá-las com coragem.
E a coragem, “se alguém não tem, muito menos pode dá-la”, dizia um coirmão famoso, o Pe. Abbondio, de “Os noivos”.
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Homens da Igreja contra o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU