05 Julho 2024
"Augusto Cavadi, no número 14 da Adista, chega até a afirmar que 'o cerne da crise do cristianismo de hoje é principalmente doutrinário, teológico... não é verdade que as massas hoje desertam apenas porque estão escandalizadas pelos comportamentos dos que se autodenominam crentes. Elas param de crer quando - mesmo que minimamente - leem, refletem, discutem entre si, com estudiosos competentes e como consequência não vão mais à missa... É o abandono das profissões de fé que provoca o eclipse da oração comunitária'", escreve Giuseppe Morotti, ex-irmãozinho do Evangelho de Charles de Foucauld.
Giuseppe Morotti vive em Bolzano, onde organiza encontro de meditação e de oração sobre místicos cristãos e muçulmanos, em artigo publicado por Adista Segni Nuovi, nº 25, 06-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na diocese da cidade de Bolzano, onde vivo com a minha família, tenho a tarefa de preparar os catecúmenos adultos, em sua maioria estrangeiros, para a celebração dos sacramentos da iniciação cristã.
Um serviço que realizo com alegria, experimentando em cada encontro como ler o Evangelho com pessoas adultas "virgens do Evangelho" constitui um estímulo formidável para a minha própria fé. Depois, tendo aprofundado juntos o testemunho de Jesus que nos é apresentado pelos Evangelhos, num dos últimos encontros deveria apresentar-lhes como síntese, a profissão de fé, o “Credo” da Igreja Católica que é proclamado todos os domingos durante a celebração eucarística. Digo “deveria”, porque na realidade há anos, confesso, não encontro a coragem de apresentá-lo na forma como foi formulado no longínquo Concílio de Niceia. Já não me sinto mais em sintonia com determinadas formulações que todo domingo repetimos como papagaios, ainda que com fervor comovente, e que deveriam ser reinterpretadas ou pelo menos reformuladas. Minha esposa contou-me que recentemente se viu sentada ao lado de uma vigorosa senhorinha que proclamava com grande ênfase: “Creio em Jesus Cristo, filho ‘ingênuo’ do Pai...", adjetivo que naturalmente lhe era muito mais familiar e compreensível do que “unigênito”.
Senti-me confirmado pela seguinte afirmação do teólogo Carlo Molari: “As várias afirmações doutrinárias são constituídas por palavras de homens que, com a mudança dos tempos e sobretudo a partir das diferentes situações culturais, podem modificar-se em seu significado. Além do fato de que novas descobertas científicas também abriram novas perspectivas de interpretação e compreensão dos eventos e tradições históricas… Consequentemente, não é possível fixar em fórmulas imutáveis, doutrinas e dogmas que devem continuamente ser interpretadas e reformuladas”.
Augusto Cavadi, no número 14 da Adista, chega até a afirmar que “o cerne da crise do cristianismo de hoje é principalmente doutrinário, teológico... não é verdade que as massas hoje desertam apenas porque estão escandalizadas pelos comportamentos dos que se autodenominam crentes. Elas param de crer quando - mesmo que minimamente - leem, refletem, discutem entre si, com estudiosos competentes e como consequência não vão mais à missa... É o abandono das profissões de fé que provoca o eclipse da oração comunitária”.
A esse respeito, o Papa Francisco também nos dirigiu recentemente a seguinte exortação: “Mais do que o medo de errar, espero que sejamos movidos pelo medo de nos fecharmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas fórmulas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos com que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus nos repete sem parar: lhes deem algo para comer".
O que fazer? No meu possível, há meses me prometi reescrever “o credo”. Estou bem ciente que se trata de uma tentativa ambiciosa, para não dizer irrealista e até temerária, que considero como um primeiro rascunho para continuar todos os dias a aprofundar, a meditar, a rezar... Mas estou feliz em compartilhá-lo com vocês, tanto para receber sugestões valiosas e talvez também para encorajar alguns de vocês a fazerem o mesmo. Além de tal tentativa, estou experimentando pessoalmente isso, pode nos ajudar a focar naquilo em que cremos, quem sabe pode constituir um pequeno encorajamento veemente, vindo de uma sinodalidade espontânea de baixo, para que um dia tenhamos a possibilidade de professar um credo que, sem afetar o coração de nossa fé cristã, possa na sua formulação continuar a ser compreensível e sobretudo credível para nós, homens e mulheres de hoje. Gostaria também de acrescentar que provavelmente não seria justo, como afirma Carlo Molari, chegar a uma única reformulação do “Credo” para toda a Igreja universal. Poderia ser deixada às diversas Conferências Episcopais a liberdade de uma formulação que leve em conta a própria cultura e na qual se possa perceber "o cheiro das próprias ovelhas". O pluralismo vivido no diálogo e na comunhão é uma autêntica riqueza.
Creio em Deus que é nosso Pai e Mãe, Mistério de Amor e de Comunhão, em que todo o universo existe. Em virtude da Sua ação criativa perene e amorosa que se realiza continuamente pela força do Seu Espírito, todos nós, seres humanos, animais, vegetais e minerais, vivemos, nos relacionamos e nos realizamos.
Creio em Jesus de Nazaré que, nutrido pelo afeto e apoiado pelo exemplo de Maria e de José, soube desenvolver plenamente a sua humanidade, permitindo que reflorescesse nele aquele mesmo Espírito que dia após dia fez dele Filho e irmão universal. De acordo com o testemunho dos seus discípulos, tendo se mostrado acolhedor para com todos e especialmente para com os mais pobres e marginalizado, morreu crucificado invocando perdão, revelando-nos assim o rosto comunional e misericordioso de Deus.
Creio no Espírito Santo, sopro de vida dado a Jesus como dom. Ele também alimenta continuamente em nós, crentes e não crentes, aquele desejo e aquele impulso profundo que nos move dia após dia a crescer em nossa humanidade como filhos e filhas de Deus e, portanto, como irmãos e irmãs entre todos nós, no pleno respeito pela casa comum que nos acolhe.
Creio na Igreja Católica, isto é, universal, comunidade de comunidades, dialogante, ecumênica, testemunha inter-religiosa, humilde e alegre prova da presença de Jesus que mediante seu próprio Espírito continua a estar vivo entre nós e tem como único poder aquele de anunciar a Sua Boa Nova pelas obras de justiça, de libertação, de reconciliação e de paz.
Creio na Comunhão universal e cósmica que constitui a nossa meta e na qual já a partir de agora todos nós, incluindo nossos falecidos, habitamos. Sustentados pela esperança de que pela nossa colaboração e apesar das nossas fragilidades e infidelidades, ela alcance aquela plenitude em que “Deus será Tudo em todos”.