26 Junho 2024
"Não estamos no período pós-conciliar, um tempo de intensas polêmicas nos campos doutrinário e litúrgico. Hoje, já existe um cisma em curso: aquele que Pietro Prini, o filósofo católico, chamou de 'o cisma submerso', que de forma silenciosa e nada chamativa, se consuma todos os dias".
O comentário é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 24-06-2024. A Tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Mesmo na Igreja Católica não há paz e sucedem-se fatos e eventos que ora escandalizam, ora parecem situações anacrônicas pertencentes a um mundo passado, aquele em que, segundo Jesus de Nazaré, “os mortos enterram os seus mortos”. É inacreditável que um homem, um arcebispo que depois de ter servido a Igreja durante muitos anos com competência, como fiel executor da vontade do Papa, não tendo recebido as honras esperadas, tenha se tornado um bispo em revolta justamente contra a Santa Sé.
Porque em 2018 Dom Carlo Maria Viganò começou não só a criticar a ação do Papa - e isso pode ser legítimo - mas a deslegitimá-lo, primeiro pedindo-lhe que renunciasse e depois declarando várias vezes a sua indignidade para presidir a comunhão católica. E desde então houve uma sucessão de ataques ao Concílio Vaticano II, definido como “um câncer para a Igreja”, acompanhados por uma rejeição radical da ação pastoral do Papa Francisco.
Na verdade, Viganò não foi o primeiro nem o único bispo a trilhar este caminho de revolta: alguns cardeais, como Gerhard Muller e Raymond Burke e alguns bispos como Schneider, tinham inaugurado essa crítica sem precedentes ao Papa, fazendo com que alguns temessem a possibilidade de um cisma.
Eventualidade enfatizada sobretudo pelos tradicionalistas para incutir medo na Santa Sé e para culpar algumas igrejas, como a alemã, ou o próprio Papa por criar divisões na Igreja. E é preciso reconhecer que dão o seu apoio a esse burburinho que desperta medo e causa freadas também alguns membros da cúria romana.
Mas não estamos no período pós-conciliar, um tempo de intensas polêmicas nos campos doutrinário e litúrgico. Hoje, já existe um cisma em curso: aquele que Pietro Prini, o filósofo católico, chamou de "o cisma submerso”, que de forma silenciosa e nada chamativa, se consuma todos os dias. De fato, há trinta anos são os jovens que abandonam a Igreja e nos últimos vinte sobretudo as mulheres, como assinalam teólogos sérios como Armando Matteo. Esse é o cisma que deveria preocupar toda a Igreja, não aquele impossível de um bispo rebelde que se colocou sozinho fora da igreja deslegitimando o Papa, a sua autoridade, a sua ação pastoral.
Na Igreja de hoje não há possibilidade de diatribes e divisões sobre a doutrina, mas pode haver e sempre há contraposições cada vez mais evidentes em questões de moral e ética, talvez por causa da diversidade das culturas em que as Igrejas estão presentes, talvez pela novidade de algumas atitudes pastorais ditadas por uma releitura do Evangelho hoje. Presidir a unidade da Igreja continua a ser uma tarefa muito difícil. O Papa Francisco realiza essa tentativa em nome do Evangelho e quanto mais parecer obediente ao Evangelho, mais encontrará oposição e o desencadeamento das forças adversas. Mas não precisa temer: “o resto” da Igreja está com ele!
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