"Deixando as crianças de lado, é cada vez mais difícil para o próprio pontífice manter-se sereno, quando olha para o mundo devastado pelas guerras; certamente servirá de consolo constatar as muitas coisas boas que acontecem, e a vontade sincera, o espírito de solidariedade, o anseio pela justiça que o caracteriza muitas pessoas. Contudo, o pontífice sabe bem que os seus insistentes apelos à paz, ou pelo menos a um armistício entre a Rússia e a Ucrânia, e Israel e o Hamas, não são acolhidos", escreve Luigi Sandri, jornalista italiano, em artigo publicado por L'Adige, 27-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O contraste entre a alegria da Praça de São Pedro, com mais de cinquenta mil crianças aplaudindo Francisco, e as notícias de guerra vindas da Rússia e da Ucrânia, e de Israel e da Palestina, retratam bem a tensão que paira sobre o papado, pressionado entre encontros que aquecem o coração e a extrema consciência dos males do mundo.
Vinham de mais de cem países ao redor do mundo as crianças, homens e mulheres, que chegaram a Roma para participar do primeiro “Dia Mundial das Crianças”, idealizado por Bergoglio, e que no último fim de semana se realizou no Vaticano pela primeira vez; a próxima edição será em 2026. O clima alegre que reinava na praça era quase velado, justamente pela forte consciência dos tempos tristes que pairam sobre o mundo, marcados por vários conflitos e duas guerras, uma na Europa Oriental e outra Oriente Médio.
Caso alguém tivesse esquecido, o pontífice tratou de refrescar a memória, implorando às crianças para rezar pelas suas famílias, mas, sobretudo, pela paz: “Orem por nós – disse o Papa durante a homilia na Praça de São Pedro, intercalada por perguntas às crianças – orem pelos pais, orem pelos avós, orem pelas crianças doentes. Orem sempre e acima de tudo orem pela paz, para que não haja guerras."
Deixando as crianças de lado, é cada vez mais difícil para o próprio pontífice manter-se sereno, quando olha para o mundo devastado pelas guerras; certamente servirá de consolo constatar as muitas coisas boas que acontecem, e a vontade sincera, o espírito de solidariedade, o anseio pela justiça que o caracteriza muitas pessoas. Contudo, o pontífice sabe bem que os seus insistentes apelos à paz, ou pelo menos a um armistício entre a Rússia e a Ucrânia, e Israel e o Hamas, não são acolhidos.
Mesmo quando olha para a sua Igreja, a católica, o papa certamente tem muitos motivos para se alegrar; mas, também, muitos motivos de preocupação. De fato, há muitas questões não resolvidas, que para alguns (pastores e fiéis) seriam curadas essencialmente mantendo algumas estruturas inalteradas enquanto, para outras, só fortes reformas estruturais poderiam dar novo vigor à Igreja. Um tema, em especial, está emergindo, mais gerador de divisões do que nunca: aquele do papel das mulheres na esfera eclesial. Uma parte - talvez uma minoria – do episcopado e do colégio cardinalício – aceita que sejam confiadas às mulheres tarefas de responsabilidade na condução das estruturas eclesiásticas, mas é fortemente contrária a ordenação de mulheres para os ministérios do diaconado e do sacerdócio. Mas outra parte, talvez majoritária, de bispos e fiéis, parece a favor da admissão de mulheres também a esses ministérios.
Na semana passada, Francisco estabeleceu que o tema do diaconato feminino seja retirado da agenda da segunda sessão do Sínodo dos Bispos, marcada para outubro, onde antes constava.
Decisão bem recebida por algumas (poucas) teólogas, mas considerada um golpe antissinodal por (muitas) outras.