23 Abril 2024
O ex-estrategista-chefe da Casa Branca já não está em contato diário com Trump, mas sua influência na direita MAGA [sigla para Make America Great Again] permanece absoluta.
A reportagem é de David Smith, publicada por El Diário, 16-04-2024.
Vestindo uma jaqueta verde-oliva sobre uma camisa preta, Steve Bannon explodiu em um tema que a maioria dos palestrantes havia evitado. “Mídia, quero que engulam isso, quero que a Casa Branca engula isso: em 2020, vocês perderam!”, bradou na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) no National Harbor, em Maryland, no final de fevereiro. “Donald Trump é o legítimo presidente dos Estados Unidos!”
Um frenesi de transgressão percorreu a plateia. “Trump ganhou!”, latiu Bannon levantando um dedo acusador. “Trump ganhou!”, repetiu agitando um punho. “Trump ganhou!”, proclamou novamente. Seu público, como hipnotizado, ecoou em uníssono a descarada mentira.
Foi um lembrete contundente de que Bannon, um arquiteto do trumpismo frequentemente comparado a Thomas Cromwell, Rasputin e Joseph Goebbels, continua sendo uma força poderosa na política americana, à medida que as eleições presidenciais de 2024 se aproximam e a reeleição de Trump parece uma clara possibilidade.
Embora o ex-estrategista-chefe da Casa Branca já não esteja em contato diário com Trump, isso pouco importa: Bannon é uma força vital para o ecossistema da extrema direita que molda e energiza a base eleitoral do “Make America Great Again” (MAGA).
Donald Trump. (Foto: Wikimedia Commons)
Bannon, de 70 anos, está apelando uma condenação criminal e uma sentença de quatro meses de prisão por desafiar uma intimação do comitê do Congresso que investiga o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021. A comissão investigadora ouviu evidências de que Trump havia falado com Bannon pelo menos duas vezes em 5 de janeiro e que, nessa conversa, tinha previsto que “o inferno se desencadeará amanhã”.
Enquanto isso, ele conduz um podcast chamado War Room, que propaga mentiras sobre as eleições de 2020 e as vacinas contra o coronavírus, mas recebe um verniz de respeitabilidade graças a convidados como Elise Stefanik, a republicana número 3 na Câmara dos Representantes, e outros políticos de alto escalão.
O estúdio de gravação do War Room ocupou um lugar de destaque na CPAC e contou com convidados como Liz Truss, ex-primeira-ministra britânica. No palco principal, Bannon comparou Trump ao general romano Cincinnatus e disse: “Seu destino e sorte é ter o maior retorno político da história dos Estados Unidos a partir de 5 de novembro e expulsar as pragas da Casa Branca”.
“Biden, você e sua gangue de criminosos não passam de lixo, certo? E em 20 de janeiro de 2025 vamos tirar o lixo”, acrescentou. A multidão, vestida com parafernália MAGA, enlouqueceu, consolidando o status de Bannon como tribuno do movimento para as eleições presidenciais deste ano.
“Steve Bannon é o atual ídolo da direita americana e, se algo aprendemos nos últimos oito anos, é que não se deve presumir que, porque alguém parece extremista e desequilibrado, não será influente neste partido”, diz Charlie Sykes, comentarista político e autor de Como a Direita Perdeu a Cabeça.
Sykes faz uma analogia com traficantes de drogas que competem entre si vendendo formas mais puras e fortes de metanfetamina, um estimulante altamente viciante: “Steve Bannon ainda está vendendo a metanfetamina mais potente que existe”.
“Donald Trump olha para Steve Bannon e não pensa que esse cara está desequilibrado. Olha para Steve Bannon e diz ‘isso é exatamente o que quero ouvir dos meus seguidores’. Steve Bannon sabe o que está fazendo e atuará como uma força gravitacional sobre o restante da direita porque eles têm que estar à altura dele”, acrescenta Sykes.
O desleixado Bannon é o oposto de um político de carreira. Ele serviu como oficial da marinha, foi banqueiro de investimentos da Goldman Sachs e produtor de cinema. Foi CEO do Breitbart News, que uma vez ele descreveu como "a plataforma da direita alternativa" (alt-right), um movimento que abraçou o racismo e o antissemitismo, e se tornou o estrategista da bem-sucedida campanha eleitoral de Trump em 2016.
Sua passagem pela Casa Branca foi breve e amarga devido à sua relação conflituosa com a filha do presidente, Ivanka, e seu marido, Jared Kushner, que posteriormente o descreveram como uma presença "tóxica" e o acusaram de "sabotar a agenda do presidente". É possível que até mesmo Trump se irritasse com a atenção da mídia que Bannon estava recebendo. Ele acabou apelidando-o de "desleixado Steve".
Mas suas ideias têm sido mais difíceis de matar. Bannon continua defendendo a "desconstrução do Estado administrativo", uma redução radical da burocracia do governo federal e uma política isolacionista do tipo "Estados Unidos primeiro" que, insiste, manteria o país longe de uma Terceira Guerra Mundial. Essas ideias estão penetrando entre os republicanos no Congresso, que se opõem a enviar mais ajuda militar para a Ucrânia.
Bannon também ajuda a construir a narrativa em torno do principal tema de Trump, a segurança nas fronteiras: ele culpa os imigrantes indocumentados pelo crime, apesar de estudos mostrarem que os imigrantes são menos propensos a cometer crimes do que outros residentes dos EUA, e propõe deportações em massa como solução.
Bannon argumenta que os principais afetados pelo aumento recorde de imigrantes são a classe trabalhadora negra e latina. “Para cada pessoa negra, para cada pessoa hispânica em nosso país: vote em Trump”, disse Bannon na CPAC. “Trump os libertará porque agora estão sendo escravizados”.
Em seguida, ele disse à sua audiência predominantemente branca: “Vocês são chamados de racistas, xenófobos, nativistas. Nada poderia estar mais longe da verdade, porque eles não podem vencer o debate intelectual. O que eles têm que fazer é tentar desacreditá-los e vocês não se importam porque sabem que não é verdade”.
Bannon tem um cartaz na lareira de sua casa que diz "não há conspirações, mas não há coincidências", o que o coloca em uma área cinzenta em relação às teorias da conspiração. O podcast War Room é sua principal plataforma. No ano passado, um estudo do think tank chamado Brookings Institution, de Washington, concluiu que quase 20% de seus episódios continham uma afirmação falsa, enganosa ou infundada, tornando-o o maior propagador de desinformação entre os podcasts políticos.
Valerie Wirtschafter, que liderou a pesquisa para o Brookings, diz que o War Room foi uma das plataformas mais proeminentes para o negacionismo eleitoral, mesmo depois que redes como a Fox News abandonaram essa postura. “É sobre como ele aborda questões de natureza mais conspiratória... Bannon é bastante eficaz em lidar com perguntas de uma maneira que a audiência não percebe que ele está realmente afirmando. Existe a ideia de que Bannon ouve ambos os lados da conversa”, enfatiza.
Enquanto os Estados Unidos se preparam para outra eleição divisiva e volátil, os críticos de Trump alertam que Bannon ainda projeta uma longa sombra sobre o ex-presidente. Rick Wilson, co-fundador do Projeto Lincoln, diz: “Steve Bannon é talvez a principal força espiritual e intelectual desse movimento nacionalista que assumiu o controle do partido republicano”.
“Ele é uma figura muito poderosa no atual Partido Republicano e inegavelmente desempenhará um papel central em qualquer governo de Trump se ele vencer. Ele é o arquiteto. Como leninista declarado, ele é um cara que está tentando projetar a revolução à sua imagem”, acrescenta.
Quando questionado sobre o que significaria o retorno de Bannon à Casa Branca, Wilson responde: “Campos de concentração. Esse cara não para de falar sobre inimigos do povo, sobre como nossos oponentes merecem o que têm, essa retórica hiperbólica. Ele acredita no poder e no caos e fará tudo o que puder. Tudo o que puder fazer nessas circunstâncias, ele fará”.
Bannon tem cortejado movimentos nacionalistas de extrema direita ao redor do mundo há anos, e os resultados foram vistos na CPAC. Nigel Farage, ex-líder do partido pró-Brexit do Reino Unido, observou que uma década atrás ele era o único palestrante nascido no exterior na conferência, mas agora se tornou um ponto de encontro para populistas de países como Argentina, Brasil, El Salvador, Hungria e Espanha.
Kurt Bardella, estrategista democrata, diz: “A favor dele, e em detrimento dos Estados Unidos, foi uma das primeiras pessoas a olhar para fora do sistema político americano e encontrar em outros países figuras públicas proeminentes afins, como Nigel Farage, para desempenhar um papel importante como porta-vozes”.
Truss, que foi destituída como primeira-ministra após apenas 50 dias no cargo, encontrou uma causa comum com Bannon ao culpar um “Estado profundo” supostamente dominado pela esquerda. Bardella, ex-porta-voz do Breitbart News e assessor republicano no Congresso, acrescenta: “Pessoas como Farage e Liz Truss, Bannon dá a elas uma segunda chance. Elas atingiram o topo de suas carreiras como funcionários públicos, não têm mais nenhum sucesso real a alcançar”.
“Então vem Bannon, que tem uma linha direta com uma das duas forças mais poderosas da política americana, e diz: vamos te elevar, você terá status, terá percepção de influência, voltará a ser uma pessoa influente. Essas pessoas estão desesperadas para serem relevantes. Bannon oferece a elas essa combinação de relevância, legitimidade e acesso ao poder”, conclui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Steve Bannon continua sendo a ‘eminência parda’ no caminho de Trump rumo à Casa Branca: “Ele acredita no poder e no caos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU