10 Julho 2023
"Após o recente posicionamento da Suprema Corte Federal, a tendência claramente discriminatória irá, portanto, retomar força, impedindo a muitos não-brancos o acesso aos estudos superiores e às profissões", escreve Luigi Benevelli, médico italiano, em artigo publicado por Settimana News, 08-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final de junho passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pela anulação da chamada discriminação positiva, ou seja, a norma que facilitava o acesso ao ensino superior para alunos pertencentes a grupos étnicos não brancos, em especial afro-americanos, nativos indígenas e latinos.
A revogação - que não se aplica ao acesso às academias militares - significa que a pertença a tais grupos não constitui, a partir de agora, um critério de favorecimento para a admissão às universidades estadunidenses.
O presidente da Suprema Corte, John Roberts, comentou que por demasiado tempo as universidades "concluíram, erroneamente, que o ponto de referência da identidade de um indivíduo não é constituído pelos desafios vencidos, pelas habilidades adquiridas ou as lições aprendidas, mas pela cor de sua pele".
A decisão criou uma barreira aos caminhos abertos pela resolução anterior Brown vs. Conselho de Educação de 1954, que aboliu a segregação escolar, bem como pelo Civil Right Act com o qual em 1964 - presidente Lyndon Johnson – afirmava-se o dever de garantir a igualdade entre todos os cidadãos da União.
Para entender o significado de um confronto tão duro dentro da sociedade estadunidense, é importante considerar a recente pesquisa histórica realizada pela APA (Associação Americana de Psicologia), que reconstruiu a sucessão, desde sua fundação em 1892 até os dias atuais, de suas próprias pesquisas e posicionamentos, quase todos destinados a privilegiar a cultura dos brancos assumida como padrão de referência da normalidade.
Essas culturas científicas e profissionais inserem-se no contexto dos eventos políticos, históricos e sociais dos EUA, partindo, em particular, da questão da escravatura e do status dos povos nativos despojados de terras e da criação dos filhos. Nesse sentido, pode-se falar de uma psicologia racista que tem legitimado políticas eugênicas, pensando demonstrar a inferioridade mental de negros e a falta de confiabilidade dos nativos, apoiando a existência de hierarquias entre os humanos com base em dados biológicos.
Aqui estão alguns exemplos históricos.
Em 1904, Stanley Hall, primeiro presidente da APA, publicou Adolescence, um texto em que define os adultos nativos, mentalmente, semelhante a crianças e adolescentes brancos. Ele defendeu a necessidade de "programas de civilização" adaptados às necessidades dos nativos para erradicar suas culturas, línguas e espiritualidades.
Em 1910, foi criado o Cartório de Registro Eugenético (Eugenic Record Office) na Estação de Washington para a Evolução Experimental do Instituto Carnegie: tornou-se referência para pesquisas em eugenia, promoveu programas de esterilização de indivíduos de raças consideradas inferiores e apoiou políticas e legislações anti-imigração baseadas na discriminação racial.
Em 1914, William McDougall, professor titular de psicologia da Universidade de Harvard, desenvolveu um projeto de estudo sobre as bases hereditárias das qualidades mentais: ele se pronunciou a favor das restrições aos casamentos entre indivíduos de raças diferentes, argumentando que a descendência é pouco dotada intelectualmente; propôs a criação de territórios separados de vida para os negros estadunidenses e incentivou a psicologia científica a estabelecer padrões e definir testes para identificar os sujeitos mentalmente degenerados, pouco ou nada dotados, a serem destinados à esterilização. Em 1930, cerca de 35.000 pessoas diagnosticadas como débeis mentais ou deficientes mentais foram submetidas à esterilização. A maioria delas eram imigrantes, negros, nativos, brancos pobres e pessoas portadoras de deficiência.
Em 1916, Lewis Terman criou a Escala Stanford-Binet. Usando as diferenças que reuniu nos resultados de desempenho, defendeu escolas e sistemas educacionais separados para crianças negras, mexicanas e nativas a serem destinadas a tornar-se simplesmente "bons trabalhadores".
No mesmo ano, G. O. Ferguson publicou The psychology of the Negro, um clássico do racismo científico, em que as características de capacidade de raciocínio, memória e inteligência foram associadas à cor da pele, para concluir que os negros são mais instáveis emocionalmente e menos capazes de pensamento abstrato. Ele também formulou a mulatto hypothesis, segundo a qual as capacidades mentais dos mestiços seriam proporcionais à porcentagem de sangue branco que possuem.
Em 1924 foi aprovada a lei Johnson-Reed que limitou a imigração do sul e do leste da Europa, enquanto favoreceu aquela do norte e do oeste: o objetivo da lei era preservar a homogeneidade da raça estadunidense. Italianos, gregos, europeus orientais, judeus, foram fortemente afetados. A exclusão foi então estendida também aos asiáticos.
Os jovens negros tiveram dificuldades para ter acesso a profissões e carreiras. Só foi em 1951 que Efrain Sanchez-Hidalgo, primeiro porto-riquenho, obteve seu doutorado em psicologia na Universidade de Columbia; em 1952, Carolyn Lewis Attneave foi a primeira índia estadunidense a se formar em Stanford com o título de Doutora em Psicologia. Mas naquele mesmo ano, o presidente da APA, Henry E. Garrett, testemunhou em juízo em apoio à segregação racial; Garrett colaborará até sua morte em 1973 com os movimentos racistas e neonazistas.
Somente em 1963 o Comitê da APA para a Igualdade de Acesso a Estudos Psicológicos documentou a escassez de oportunidades de estudo e trabalho oferecidas a estudantes e psicólogos de pele negra.
Em 1966, Kenneth Clark se tornou o primeiro presidente negro, 74 anos após a criação da APA, enquanto o uso discriminatório de testes continuava. Arthur McDonald foi o primeiro índio estadunidense a obter um doutorado em psicologia pela Universidade de Dakota do Sul. No mesmo ano, Martin Luther King foi convidado à convenção anual da APA.
Em 1973, uma pesquisa revelou que, de 1.335 matriculados, os estudantes de psicologia chicanos na Universidade de Chicago eram apenas 15, os latinos graduandos e inscritos em mestrados 51 e 37 em cursos de doutorado.
Em 1978, o primeiro relatório da Comissão do Presidente sobre Saúde Mental documentou a presença anormal de negros nas estatísticas de patologias mentais. Em 1979, nas audiências do Congresso para verificar a confiabilidade dos dados das pesquisas em psicologia, os psicólogos brancos atestaram a utilidade e o valor de atribuir pontuação a desempenhos ligados às habilidades, enquanto os psicólogos negros reiteraram que os testes padronizados eram pouco confiáveis e discriminatórios. No mesmo ano, a Corte Distrital Federal do Norte da Califórnia decidiu a favor de 5 estudantes negros matriculados em escolas especiais com base nos resultados de testes psicológicos.
Em 1983, Rogler forneceu dados mostrando que porto-riquenhos e negros eram mais diagnosticados com portadores de transtornos mentais e, consequentemente, encaminhados para centros de saúde mental.
Em 2019, a APA divulgou a composição de seus membros por pertença étnica e “racial”: asiáticos 4% (4.887), negros afro-americanos 3% (3.733), hispânicos 7% (8.203), outros (índios, nativos do Alasca, nativos havaianos e das ilhas do Pacífico) 2% (2.145), brancos 83% (91.302). Enquanto a composição da população dos EUA é a seguinte: asiáticos 5,9%, negros afro-americanos 13,4%, hispânicos 18,5%, outros 4,3%, brancos 60%.
Após o recente posicionamento da Suprema Corte Federal, a tendência claramente discriminatória irá, portanto, retomar força, impedindo a muitos não-brancos o acesso aos estudos superiores e às profissões.
Entre as personalidades ilustres que no passado desfrutaram das oportunidades oferecidas pelas disposições recentemente revogadas pela Corte estão Barak Obama e sua esposa Michelle.
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EUA: cancelar as minorias étnicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU