12 Março 2024
Por meio da formação de alianças com os chamados líderes políticos da “direita alternativa” e promovendo uma mistura sem remorso entre a doutrina católica e o nacionalismo, uma pequena organização sem fins lucrativos constituída há menos de dois anos no Arizona causou um impacto rápido e descomunal na arena do engajamento político católico.
A reportagem é de Brian Fraga, publicada em National Catholic Reporter, 11-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante o ano passado, sob a liderança de John Yep, um ex-funcionário diocesano de Phoenix de 39 anos que disse ter passado 14 anos discernindo o sacerdócio com os Legionários de Cristo, o grupo “Catholics for Catholics” [Católicos para Católicos] lançou uma agressiva operação multimídia que consiste em blogs, podcasts e newsletters, ajudando simultaneamente a organizar comícios em todo o país, que atraíram milhares de pessoas.
Agora, no meio de um ano de eleições presidenciais, o Catholics for Catholics está prestes a causar seu maior impacto ao sediar um evento de “Oração Católica por Trump”, em Mar-a-Lago, o resort em Palm Beach, Flórida, de propriedade do ex-presidente Donald Trump e que se tornou sua residência oficial desde que deixou a Casa Branca em 2021.
Anunciado como um evento de gala, com ingressos custando 1.000 dólares, o programa do jantar no dia 19 de março apresenta uma lista de palestrantes de pesos-pesados da extrema direita política, como Roger Stone, o ativista conservador e autodenominado “dirty trickster” [trapaceador sujo], e o tenente-general aposentado do Exército dos Estados Unidos Michael Flynn, que atuou por um breve período como conselheiro de segurança nacional de Trump.
Outros convidados conhecidos são o ativista de extrema direita e teórico da conspiração Jack Posobiec; Tim Ballard, ex-CEO da Operation Underground Railroad; e Jim Caviezel, o ator que interpretou Jesus em “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, e, mais recentemente, Ballard, no filme “Som da Liberdade”, de 2023.
Yep também espera que Trump e a ex-primeira-dama Melania Trump participem do evento.
Em um vídeo do dia 29 de fevereiro promovendo o encontro de Mar-a-Lago, Yep apresentou uma carta convidando os Trump a se dirigirem ao “grupo de líderes católicos” e a outros que se reunirão para o evento no dia 19 de março, solenidade de São José. Os organizadores do evento invocam o patrocínio de São José à “vasta campanha da Igreja contra o comunismo mundial”, que foi concedido ao santo pelo Papa Pio XI em sua encíclica Divini Redemptoris (“Sobre o comunismo ateu”), de 1937.
Ao ler a carta, Yep disse que Trump era “o legítimo vencedor” das eleições presidenciais de 2020, ecoando as falsidades ditas pelo ex-presidente de que a eleição foi “roubada” dele.
Destacando também a importância do “voto católico” nas eleições nacionais, Yep disse que o evento fará uma “proclamação ousada e necessária” de que Trump é “a única opção católica para 2024”.
Em uma breve troca de e-mails, o Catholics for Catholics solicitou e recebeu uma lista de perguntas escritas do NCR, mas não as respondeu antes da publicação desta reportagem.
Steve Millies, professor de Teologia Pública e diretor do Bernardin Center da União Teológica Católica de Chicago, disse ao NCR que o evento em Mar-a-Lago parece ter como objetivo aumentar o perfil do Catholics for Catholics e estimular sua arrecadação de fundos “a fim de continuar pressionando uma mensagem sobre o que significa ser católico nos espaços públicos”.
“Isso não tem muito a ver com o catolicismo, exceto pela marca, no sentido de que tenta redefinir a palavra de forma a estimular a indignação partidária”, disse Millies, que, em 2018, publicou o livro “Good Intentions: A History of Catholic Voters’ Road from Roe to Trump”.
Liderado por Yep, que atuou como diretor estadual do Arizona para a organização política sem fins lucrativos pró-Trump CatholicVote durante as eleições de 2020, o Catholics for Catholics alcançou um relevante nível de notoriedade e influência nos círculos políticos católicos desde sua incorporação em setembro de 2022.
Em entrevista a um podcast em novembro de 2022, Yep disse que a organização sem fins lucrativos tinha o audacioso objetivo de “recuperar” a palavra católico, no que se refere à política e à vida pública. “Para tomá-la de volta, para possuí-la”, disse ele.
O Catholics for Catholics foi um dos principais organizadores do comício de junho de 2023 do lado de fora do Dodger Stadium, em Los Angeles, que atraiu milhares de católicos que protestaram contra a decisão da equipe de homenagear as Irmãs da Indulgência Perpétua, um grupo drag LGBTQ que usa símbolos católicos naquilo que alguns definem como moda de zombaria.
Várias figuras políticas conservadoras notáveis falaram no evento oficial de lançamento do Catholics for Catholics em outubro de 2022, incluindo Flynn e Steve Bannon, o ex-assessor de Trump e atual apresentador do podcast de direita “War Room”.
Quem também falou nesse evento foi o Pe. James Altman, o padre renegado da Diocese de La Crosse, Wisconsin, cujo bispo o removeu do ministério ativo em 2021. De acordo com declarações de impostos federais, Yep atuou como tesoureiro e secretário em 2022 para a Blood of Martyrs, uma organização sem fins lucrativos com sede em Phoenix que promove a pregação de Altman.
Blake Masters, um republicano do Arizona, também falou no evento inicial do grupo enquanto concorria ao Senado dos EUA em 2022. Masters, que é católico, virou manchete naquele ano por promover teorias da conspiração e acusar os democratas de tentarem inundar o país com milhões de imigrantes “para mudar a demografia do nosso país”.
Enquanto isso, Flynn e Caviezel defenderam posições ligadas ao QAnon, movimento político de extrema direita e promotor de teorias da conspiração que acredita que uma conspiração internacional de molestadores de crianças satânicos e canibais está operando uma rede global de tráfico sexual de crianças.
Em 2016, Posobiec, que é católico, amplificou a conspiração “Pizzagate” ligada ao QAnon, referente a uma masmorra sexual democrata supostamente existente e operante no subsolo de um restaurante em Washington.
Além de falar em conferências ligadas ao QAnon e de promover sua ideologia, alguns dos convidados listados em Mar-a-Lago estiveram envolvidos em recentes escândalos políticos e éticos. Em 2023, Ballard deixou a Operação Underground Rescue em meio a acusações de má conduta sexual, que ele nega. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias também denunciou Ballard, acusando-o de “conduta moralmente inaceitável” por supostamente ter usado o nome de um líder da Igreja para ganhos pessoais.
Também se dirigirão ao público no evento de Mar-a-Lago os ativistas pró-vida Terry Beatley e Patricia Sandoval; o palestrante católico sobre castidade Jason Evert, que liderará sessões de debate no Congresso Eucarístico Nacional em Indianápolis em meados deste ano; e Artur Pawlowski, um pregador de rua evangélico polonês-canadense e ativista político que entrou em confronto com as autoridades canadenses devido a seus protestos contra os protocolos de saúde pública durante a pandemia da Covid-19.
Quem contribuirá com o tom político do evento como palestrante será Thomas Homan, ex-diretor interino do Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos durante o governo Trump. Homan foi um dos primeiros defensores da controversa política do governo para separar as crianças migrantes de seus pais, mães e responsáveis.
Também deverá falar Steve Friend, um ex-agente especial do FBI que se autodenomina denunciante na investigação da agência sobre o ataque do dia 6 de janeiro de 2021 contra o Capitólio dos Estados Unidos. Friend e outro agente foram privados de suas autorizações de segurança, porque sua conduta no caso levantou preocupações sobre sua lealdade aos Estados Unidos, conforme o que foi escrito por um funcionário do escritório em uma carta de maio de 2023 ao Congresso do país.
Millies disse que grupos “extraeclesiais”, como o Catholics for Catholics, vêm distorcendo há anos os ensinamentos da Igreja sobre a participação política.
“Tudo aqui é um esforço extremamente partidário e francamente suspeito para reunir pessoas que não dão uma boa impressão da fé católica, a fim de promover um candidato político sob o nome de catolicismo”, disse ele.
“Como tudo isso é muito bem financiado e muito visível, isso ajuda a criar uma grande impressão nos fiéis comuns sobre o que devem fazer, e é muito difícil que os bispos e os pastores consigam esse mesmo tipo de amplificação para corrigir isso”, disse Millies.
A declaração fiscal mais recente disponível publicamente mostra que o Catholics for Catholics geraram quase 200.000 dólares em contribuições totais nos últimos meses de 2022. A declaração não mostra quem fez as doações. Incorporada como uma “organização de bem-estar social” que pode apoiar candidatos políticos, desde que a política não seja a atividade principal da organização, o Catholics for Catholics não é obrigado a divulgar as identidades dos seus doadores.
Essa aparente lacuna no código fiscal federal levou a um aumento nos últimos anos de organizações sem fins lucrativos semelhantes que estão sendo utilizadas como veículos de “dinheiro obscuro” para promover candidatos e iniciativas políticas sem contribuir diretamente para a campanha de um candidato.
“O que estamos vendo aqui é muito perturbador”, disse Millies. “Trata-se de vender uma versão do catolicismo como uma teoria da conspiração da direita alternativa que antes estava restrita às margens e podia ser ignorada. Mas o dinheiro agora está dinamizando essa ideologia nos bancos das igrejas, e isso não deixará de ter um efeito na política ou na própria Igreja.”
Em 2023, o Catholics for Catholics publicou um livro de cartas pastorais de autoria do bispo Joseph Strickland, removido pelo Vaticano em novembro de 2023 da liderança da Diocese de Tyler, Texas, após uma investigação sobre a liderança e o estilo de gestão do bispo. O grupo diz que os lucros das vendas do livro apoiarão tanto suas atividades quanto o ministério de Strickland que oferece “orientação e sabedoria para todos os que procuram aprofundar sua fé”.
“Tudo isso está sendo feito apesar da Igreja”, disse Millies. “Não tenho a menor ideia se existe algum outro bispo no mundo, além de Strickland e de alguns outros, que endosse essa versão do catolicismo”.
Em uma entrevista de novembro de 2022 ao Lifesite, um site católico de direita, Yep disse que ele e outros fiéis com ideias semelhantes estavam cansados de ver os bispos aconselharem os católicos a “votarem com sua consciência” em vez de apresentarem a “escolha católica correta” nas urnas. Yep equiparou a abordagem apartidária dos bispos a uma inaceitável “praga do silêncio”.
“Se eles não o fizerem, então nós mesmos teremos que fazê-lo”, disse Yep, acrescentando que seu grupo não cederá em sua defesa aberta de dizer aos católicos em quem devem votar no dia das eleições.
“Não vamos a lugar nenhum”, disse Yep. “Nós viemos para ficar.”
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Novo grupo religioso combativo sediará “oração católica” para Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU