22 Março 2024
Num documento que analisa a situação social, a Comissão de Justiça e Paz, vinculada ao episcopado católico argentino, faz uma dura análise da situação social, econômica e política, critica a falta de sensibilidade das autoridades em fazer o ajuste, denuncia a cultura do ódio e pede diálogo político para buscar consensos.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página/12, 20-03-2024. A tradução é do Cepat.
A Comissão Nacional de Justiça e Paz (CNJP), organização composta principalmente por leigos e leigas, mas vinculada à Conferência Episcopal Argentina, tornou pública uma análise da situação social na qual manifesta a sua preocupação com a perda de empregos, a inflação, a queda do consumo e a perda de poder de compra, entre outras questões, e enfatiza “um enorme grau de insensibilidade social por parte das autoridades nas medidas de ajuste, embora preocupe mais a cultura do ódio e do individualismo extremo gerada”. O bispo de Lomas de Zamora, Jorge Lugones, presidente da Comissão Episcopal de Pastoral Social, é assessor da CNJP.
O texto, elaborado a partir do diálogo com diversos atores e setores de todo o país “que relatam a multiplicação de situações que afetam a subsistência de milhares de pessoas de todas as idades e condições”, torna-se público apenas alguns dias depois de a Comissão Permanente do Episcopado, presidida por seu presidente, o bispo de San Isidro, Oscar Ojea, ter se reunido com Javier Milei. Naquela ocasião, os eclesiásticos manifestaram a sua preocupação pela situação social com base nas informações também recolhidas no âmbito da própria Comissão Permanente do Episcopado que se reuniu em Buenos Aires nos dias anteriores.
No documento agora conhecido, que inclui um panorama geral da situação social, afirma-se que “o quadro de destruição de postos de trabalho e de benefícios congelados e de difícil acesso, gera um clima de tensão com os movimentos populares e com os sindicatos pelas ondas de demissões nos setores público e privado”. Enquanto isso, continua o texto, “os benefícios fiscais a favor das grandes empresas permanecem intactos” e “a diminuição do déficit manifesta-se através do ajuste que recai sobre trabalhadores e aposentados”.
No entanto, reconhece-se que, em relação ao clima social, “vê-se o apoio à gestão atual por parte dos setores de baixa renda, ou mesmo diretamente afetados pela inflação e pela recessão, além do apoio expresso dos setores com maiores recursos, liderados pelas câmaras das grandes empresas”, enquanto, ao mesmo tempo, “existe um clima de altíssima fratura social, de polarização com repetidas expressões de ‘alegria’ nas redes sociais diante das situações dramáticas de demissões, com uma agressividade social que encontra nos telefones celulares e nos computadores um espaço incomparável de expansão”.
“A qualidade institucional é preocupante”, diz o documento da Comissão de Justiça e Paz. Recorda-se que “o DNU 70/2023 (...) está plenamente em vigor, sendo o suporte para uma infinidade de medidas que impactaram diretamente as famílias, especialmente as de baixa renda”. E em resposta a isto, o organismo eclesiástico defende que “a metodologia adequada para a implementação de modificações e reformas – em muitos casos aceitáveis – envolve um tratamento específico na área correspondente através de leis que são enviadas ao parlamento argentino”.
A comissão lembra que “no dia 1º de março o PEN anunciou a convocação dos governadores para um ‘Pacto de Maio’, com uma agenda estabelecida, e sua tramitação fica subordinada à prévia sanção de determinados regulamentos pelo Congresso”, e destaca que “todo caminho de diálogo é construtivo, mas implica sempre consenso e deliberação saudável entre os seus protagonistas, entre os quais devem estar todos os atores políticos, sindicais, econômicos e sociais”.
Em conformidade com o exposto, a CNJP defende que “a ação política deve promover o cuidado da vida, a dignidade humana, o trabalho digno para todas as pessoas e a eliminação da fome e da exclusão”, porque “não há verdadeira liberdade sem fraternidade, justiça social e paz”.
“A inflação persistente e os aumentos de preços e tarifas criaram uma combinação devastadora para o dia a dia dos argentinos” e “o salário real médio registrado perdeu 21,3% de sua capacidade de compra entre novembro de 2023 e janeiro deste ano, continuando seu declínio até o presente ”, reza o documento. Embora se reconheça que “já existia uma situação inflacionária, a desvalorização de 100% de dezembro implicou um aumento significativo dos preços, com uma recessão também extraordinária na sua velocidade e profundidade”.
Por isso, o organismo católico aponta “com preocupação e sensibilidade a queda persistente dos salários nos setores público (25%) e privado (19,3%)”. E acrescenta que “estamos ainda mais preocupados com o fato de que o choque do ajuste tenha recaído sobre a conta “Aposentadorias e Pensões Contributivas” (em valores reais: -38,1% interanual) o que, pela sua magnitude, explica um terço do corte, registrando-se uma diminuição muito grave dos rendimentos provenientes das aposentadorias e dos benefícios da saúde e invalidez”.
A descrição também afirma que “a perda de postos de trabalho é um fato doloroso”, e, na sequência, inclui informações sobre perdas de empregos na construção, comércio, indústria e pequenas e médias empresas.
No mesmo dia em que o governo Milei anunciou a dissolução do Instituto Nacional da Agricultura Familiar, a CNJP denuncia que “a Agricultura Familiar encontra-se neste momento desfinanciada, em estado de alerta e abandono por parte dos organismos públicos, que cortaram os meios de transporte para percorrer as zonas de produção, anunciam a demissão do pessoal que atende centenas de famílias em todo o país na produção agrícola e na pecuária e o fechamento de seus escritórios”.
Por último, a comissão salienta que “os cortes recorrentes nas áreas de gestão das políticas públicas estão criando problemas que colocam em risco os direitos mais elementares no acesso à educação ou à saúde, mas se estendem às necessidades primárias como a própria alimentação. A situação nos restaurantes populares é urgente devido ao aumento do número de frequentadores e à falta de fornecimento de alimentos”.
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Argentina. Comissão de Justiça e Paz: “Insensibilidade social, cultura do ódio e individualismo extremo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU