21 Março 2024
A Igreja nunca persegue ninguém. Ela é o abraço de Cristo para todos nós.
O comentário é de Yannis Spiteris, arcebispo católico romano emérito da Arquidiocese de Corfu, Zakynthos e Cefalônia, na Grécia.
Dom Yannis Spiteris nasceu em Corfu (Grécia) em 1940. Ingressou nos capuchinhos em 1959 e foi ordenado presbítero em 1968. Obteve o doutorado em Teologia na Universidade de Friburgo, na Suíça. Em maio de 2003, foi consagrado arcebispo de Corfu, Zante e Cefalônia e vigário apostólico de Tessalônica. Nos últimos anos, tem sido um dos protagonistas das relações ecumênicas entre Oriente e Ocidente.
O artigo foi publicado em Settimana News, 18-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há quase seis meses, a Igreja Ortodoxa não fez outra coisa senão atacar o governo grego, que votou a favor da lei sobre os casamentos gays e a possibilidade de adotar filhos. Embora exista uma estreita união entre governo e Igreja (padres e bispos são considerados funcionários públicos e são pagos pelo Estado), esta última está “mostrando os dentes” ao Estado devido a essa lei.
Dentro da Igreja, não existe um debate sobre o problema da homossexualidade entre o clero e os monges, nem sobre a questão da pederastia (este – dizem – é um problema que diz respeito aos padres da Igreja Católica).
Na realidade, existem casos de pederastia e de padres e monges homossexuais. O problema na Igreja Ortodoxa, porém, é considerado diferente do nosso, porque os padres são obrigados a se casar antes de serem ordenados, a menos que sejam monges.
A imprensa grega tem lidado mais com casos de pederastia envolvendo os padres católicos e muito pouco com os escândalos envolvendo o clero ortodoxo grego.
Conheço um caso impressionante. O protosinghelos (vigário-geral), monge de uma metrópole grega, abandonou seu papel, convive com uma mulher casada e com dois filhos, ainda usa a batina e participa de alguns ritos. Os responsáveis, pelo menos oficialmente, não intervêm, e a imprensa, mesmo a local, não cobre o fato.
Um padre não casado de Atenas, que exerce uma grande influência midiática sobre milhares de fiéis, em certo ponto, largou tudo, tirou a batina e se declarou oficialmente gay. A imprensa mencionou o caso, concentrando-se sobretudo no aspecto do escândalo.
O metropolita do Pireu, Serafim, um dos metropolitas mais radicais da Igreja Ortodoxa, crítico feroz da Igreja Católica e dos gays, em resposta a uma pergunta de um jornalista sobre a existência de homossexuais no clero da Igreja Ortodoxa, admitiu: “Infelizmente existem. Quando são oficialmente denunciados e presos, são depostos e removidos, não permanecem na Igreja”.
Essa resposta manifesta a forma como os responsáveis pela Igreja Ortodoxa lidam com os casos de homossexualidade do clero: apenas “quando são presos e condenados”, ou seja, nunca, porque a homossexualidade não é considerada um crime, razão pela qual quem a pratica não pode ser nem preso nem condenado.
Em relação a alguns casos de pederastia entre o clero (tratava-se de padres casados), houve um processo, e os abusadores acabaram na prisão.
Em geral, a Igreja Ortodoxa Grega é muito rigorosa em relação à homossexualidade, mas também existem algumas vozes mais equilibradas que julgam esse problema de uma forma mais cristã.
Traduzo aqui algumas partes de um longo artigo de um “pai espiritual” sobre como os ortodoxos deveriam julgar essas pessoas. Algumas passagens deste artigo se assemelham muito à posição da Igreja Católica.
Este artigo também reconhece a existência da homossexualidade na Igreja Ortodoxa, exceto que – afirma-se – aqueles que criticam a Igreja Ortodoxa sobre essa questão a confundem com “os escândalos presentes no clero católico”.
“Usar o termo ‘homossexual’ ou ‘gay’ é errado. A essência da nossa identidade não é dada pelas nossas ações. Desonramos a nós mesmos, especialmente aos cristãos, se atribuímos a nós mesmos ou aos outros uma identidade com base nas ações, nos comportamentos ou na vida sexual (por exemplo, definindo alguém como ‘cristão gay’!). Nós somos algo muito mais elevado. A nossa identidade é ‘cristãos’, ‘filhos de Deus’. Por isso, usamos abusivamente o termo ‘gay’ para definir um cristão. Que tristeza, portanto, quando uma pessoa ‘criada à imagem de Deus’, destinada à theosis (divinização), é julgada pela sua sexualidade, definindo sua identidade desse modo!
“O amor de Deus é para todos. Cristo ama cada um de nós, tal como somos. Ninguém nunca perde seu amor. Isso é o que cada pessoa deveria crer e sentir, independentemente de sua identidade sexual.
“Além disso, ninguém jamais perde seu próprio valor aos olhos de Deus. Como pessoa, tem um valor infinito, seja qual for sua identidade sexual, porque Cristo derramou seu sangue por ela!
“Não à culpabilização. O ódio, a ironia, o deboche, a condenação, o insulto contra uma pessoa homossexual são pecados. É dever do cristão respeitar, falar com gentileza e de modo moralmente correto, amar cada irmão ou irmã e honrá-los como imagem de Deus, mesmo que suas opiniões teológicas divirjam.
“As atitudes e as palavras pesadas, a retórica e as práticas de ódio de alguns membros do clero e dos leigos e leigas da Igreja em relação à homossexualidade não representam a posição da Igreja sobre essa questão, mas são opiniões pessoais expressadas por e com a própria sensibilidade e é uma grande injustiça atribuí-las à Igreja.
“A Igreja é a casa de todos nós! Não é um clube de santos, mas um hospital para os enfermos. Um homossexual na Igreja tem exatamente os mesmos direitos que todas as outras pessoas. Não é inferior a ninguém. É um membro da Igreja igual a todos os outros. Diminuir alguém, portanto, é um pecado grave que atinge o próprio Deus.
“Como em todos os pecados, não é o pecador que é rejeitado, mas sim o pecado. Acolhemos o pecador, mas não o pecado.
“O argumento segundo o qual ‘a Igreja fala de homossexualidade quando tem tantos (?) escândalos – infelizmente, muitos confundem a Igreja Ortodoxa com os escândalos dos católicos – acolhendo até mesmo homossexuais em suas fileiras’ é absurdo, é populismo e leva a uma discussão estéril.
“Então, os Apóstolos não deveriam ter falado de avareza, porque um deles, Judas, era um avarento! É um argumento sério? A Igreja e os seus cânones pregam a mesma coisa também a seus próprios membros! O problema não é aquilo que alguns cristãos fazem – sejam eles clérigos ou leigos –, mas sim o que o cristianismo ensina.
“A atitude de uma família cristã. Uma família cristã nunca rejeita nem expulsa o próprio filho devido à sua identidade sexual. O amor da família é irreversível e não muda, mesmo que não esteja de acordo teologicamente com uma certa atitude de vida. De fato, essa rejeição poderia criar um trauma psicológico. O nosso coração e a nossa casa estão sempre abertos aos nossos filhos.”
Além dessas palavras do diretor espiritual, são muito úteis os grupos de amizade de irmãos e irmãs cristãos na Igreja, em que se abrem os corações uns aos outros e se pratica a partilha. Amigos autênticos, irmãos e irmãs, companheiros de vida próximos de Deus, que amam de verdade. Nenhum homossexual abandonou a Igreja quando encontrou a seu redor irmãos e irmãs desse tipo.
Todos os cristãos e cristãs deveriam rezar com todo o coração por todos, por cada irmão e irmã, independentemente de sua identidade sexual.
“Assim como quem estava fora da arca se salvou do dilúvio, quem está fora da Igreja também pode se salvar” (São Cipriano). A Igreja nunca persegue ninguém. Ela é o abraço de Cristo para todos nós.
A questão da homossexualidade, para alguns, não pode ser resolvida nesta vida marcada pelo mal e pelo pecado, assim como tantas outras questões não são esclarecidas com certeza. Mas, mesmo que se chegasse a uma solução, esse resultado não será fruto de palavras, de sermões, de excomunhões, de debates acalorados, mas apenas da fé genuína e do amor em Cristo, do amor sincero pelos outros, da oração fervorosa por todos e da verdadeira vida espiritual ortodoxa.
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A homossexualidade na visão da Igreja Ortodoxa Grega. Artigo de Yannis Spiteris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU