07 Novembro 2023
Padre Antonio Spadaro: “Hoje a Igreja é um lugar de grandes diferenças e falamos de uma comunidade que atravessa barreiras espaciais e culturais”
Há poucos dias concluiu-se uma sessão do Sínodo (que terminará no próximo ano), etapa que foi importante para a Igreja Universal. Fazemos um balanço com o padre Antonio Spadaro, jesuíta e eleito subsecretário do Dicastério para a Cultura e a Educação do Vaticano, ex-diretor da revista "Civiltà Cattolica".
A entrevista é de Pierluigi Mele, publicada por RAI, 02-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O documento final fala sobre alterações no Código de Direito Canônico. Significa que a sinodalidade se torna uma práxis regular da Igreja?
É exatamente assim. A sinodalidade não é o tema de um encontro, mas representa a própria forma da Igreja. Uma Igreja cada vez mais complexa internamente: se antes tinha referências nos Pastores formados e com uma mentalidade comum, e muitas vezes também uma língua comum - latim ou italiano - porque muitos haviam estudado em Roma, agora a Igreja é um lugar de grandes diferenças, e estamos falando de uma comunidade que atravessa barreiras espaciais e culturais.
A Igreja vive nas cordas bambas do Norte e do Sul do mundo, nas tensões entre conservadores e progressistas, em contextos de riqueza e pobreza. É necessário, portanto, que a Igreja caminhe junta. Em última análise, essa é a imagem que mais ficou presente para mim desde o final do Sínodo, a imagem de um grande navio, um transatlântico diria, capaz de singrar os oceanos, onde todos trabalham para que possa ir em frente com todos as diferenças a bordo.
Porém, quanto maior as diversidades, maior a necessidade de partilhar o caminho, de refletir juntos, de tomar decisões comuns, de escutar. Uma das coisas que, por exemplo, caracterizaram esse Sínodo não foi só a expressão de cada um, mas também a escuta que cada um dedicou aos outros e também dentro das mesas dos grupos.
Então agora entendo o que o Papa Francisco me disse na primeira vez na minha entrevista para “La Civiltà Cattolica” em 2013: na ocasião ele me falou sobre uma Igreja mais sinodal. Portanto, estamos falando de uma ideia que Francisco tinha clara desde o início do seu pontificado, em agosto de 2013. Eu entendo plenamente suas palavras só agora. Portanto a resposta é sim, a sinodalidade deve tornar-se práxis da Igreja, contando também com estruturas adequadas, momentos adequados, necessários para poder seguir em frente.
A opção pelos pobres é confirmada. O que isso significa para uma Igreja sinodal?
No documento final afirma-se claramente que a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé. Jesus pobre fez amizade com os pobres, caminhou com os pobres, partilhou a sua vida, a mesa com os pobres, denunciou as causas da pobreza. Portanto, para a Igreja a opção pelos pobres não é uma opção sociológico-política, ou melhor, não é só isso, mas é sobretudo uma opção teológica, ou seja, tem um valor fundamental. E é evidente que os pobres têm muitas faces: são aqueles que precisam do necessário para viver, mas também há os migrantes, os refugiados, como os povos indígenas aos quais o Papa deu muita atenção, os que sofrem violências e abusos, os idosos abandonados.
Portanto, a beleza do Sínodo é que conseguiu descrever as faces da pobreza que são múltiplas, incluindo a pobreza espiritual. O empenho da Igreja deve ser o de chegar às causas da pobreza e da exclusão. Portanto, não basta tamponar ou trabalhar em alguns pontos para identificar pequenas situações a melhorar, mas é necessário compreender quais são as causas profundas que levam à pobreza. É evidente que há muitos desafios a enfrentar, mas hoje há necessidade de compreender melhor a doutrina social da Igreja, que talvez seja um recurso muito pouco conhecido sobre o qual voltar a investir.
O rosto traçado pelo Sínodo é o de uma Igreja “de toda tribo, língua, povo e nação”. Ninguém é estrangeiro na Igreja, é isso?
Ressoam em mim as palavras que Francisco disse na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa e que depois repetiu em Marselha, ou seja, "todos, todos, todos", ou seja, a Igreja é a casa de todos, o acolhimento é como a base fundamental, ninguém - por nenhuma razão - deve sentir-se estrangeiro.
É claro que é interessante justamente ver dentro do Sínodo a presença muito visível de pessoas vindas de todos os continentes e de todas as situações, especialmente as mais difíceis e de crise. Então, realmente, pessoas de todas as tribos, línguas, povos e nações.
E é interessante como a perspectiva vivida por essas pessoas seja uma perspectiva de paz, de solidariedade na dor, num momento em que as fraturas no mundo são fortes.
O fato de estar sentado à mesma mesa com o Arcebispo Católico de Moscou e o Arcebispo Maior de Kiev causou-me uma grande impressão, assim como o fato de ter tomado conhecimento dos atentados do Hamas em Israel por uma participante no Sínodo que é israelense, mas de família árabe. Portanto, não havia apenas tribos, povos e nações, mas também todos os conflitos e as tensões que esse mundo vive.
O processo já começou em relação às mulheres dentro da Igreja... se chegará em breve ao diaconato?
Não podemos saber isso, dado que o processo deverá efetivamente desenrolar-se numa segunda consulta no próximo ano. Certamente teremos um ano muito desafiador pela frente. Uma coisa certa é que o tema da mulher surgiu com grande força no Sínodo, levado adiante pelas mulheres presentes no próprio Sínodo, mas não só por elas. Portanto, certamente, o tema da presença da mulher na Igreja, do seu papel específico, também nos mais altos níveis de decisão, é uma questão que se coloca com grande urgência e com grande clareza.
A comunidade LGBTQ esperava mais coragem...
Sim, é verdade: alguns ficaram um pouco decepcionados com a conclusão do Sínodo sobre a questão relativa aos homossexuais. Analisando bem, o objetivo do documento de síntese era mostrar e fazer com que as pessoas entendessem qual é a situação atual, reunindo também o confronto e a diversidade de opiniões e sensibilidades que existem dentro da Igreja, e por isso temos experimentado essa diferença de posições.
No entanto, é importante ressaltar que o documento de síntese declarou claramente, e portanto aprovado com a grande maioria dos votos, que o Sínodo entendeu que alguns aspectos, como, precisamente, aqueles relativos às questões de gênero e orientação sexual, são controversos não só na sociedade, mas também na Igreja e apresentam novas questões, e por isso admite também que as categorias antropológicas que a Igreja elaborou até agora não são suficientes para apreender a complexidade dos elementos que emergem precisamente da experiência ou mesmo da reflexão sobre a experiência humana, e por isso pede o tempo necessário para essa reflexão.
O documento exigiu também uma discussão franca, dando voz às pessoas diretamente envolvidas, aquelas que vivem essa experiência. Esse percurso deverá ser iniciado tendo em vista o próximo ano, a próxima sessão sinodal.
Por isso, diria que o Sínodo forneceu, com o documento de síntese final, uma base sólida e partilhada pela grande maioria dos padres sinodais, para iniciar essa reflexão.
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A sinodalidade se torna práxis da Igreja. Entrevista com Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU