26 Setembro 2023
"O caso Rupnik está começando a pesar como uma pedra no fim desse pontificado, colocando em discussão também aqueles passos à frente realizados por Francisco no combate às violências cometidas por clérigos", escreve Francesco Peloso, jornalista, em artigo publicado por Domani, 23-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Enquanto o Papa viaja para Marselha para um compromisso de dois dias de forte caráter inter-religioso, as sombras levantadas pelo caso do ex-jesuíta Marko Rupnik, acusado de ter abusado de diversas maneiras de várias mulheres, religiosas e leigas, ao longo de cerca de trinta anos, não mostram sinais de diminuir. Por último, causou muito clamor o comunicado do Vicariato de Roma anunciando que a “visita canônica” realizada ao Centro Aletti, de Roma, instituto-ateliê por muito tempo dirigido pelo próprio Rupnik, havia acabado sem encontrar nenhum problema crítico e se voltando, nem é preciso dizer, contra "a veemência da imprensa".
Uma conclusão que contradizia flagrantemente tanto o que a Companhia de Jesus havia encontrado – que, após longa resistência, decidiu expulsar da ordem o artista-teólogo de renome mundial, dando assim crédito aos muitos testemunhos coletados – quanto às decisões tomadas pela ex-Congregação para a Doutrina da Fé que até recorreu à excomunhão latae sententiae, ou seja, automática, para o religioso de origem eslovena, posteriormente revogada de forma um tanto misteriosa (oficialmente porque o ex-jesuíta teria se arrependido).
O caso Rupnik, portanto, pelo impacto que teve na vida da Igreja pode ser considerado o equivalente para o Papa Francisco do que foi a história do Padre Marcial Maciel, o tenebroso fundador dos Legionários de Cristo, para João Paulo II? O paralelo é pesado, mas bem menos mais arriscado do que se possa pensar.
Vários elementos traçam uma semelhança entre os dois casos: os abusos sexuais repetidos ao longo dos anos em várias vítimas, segundo os numerosos testemunhos recolhidos, aliados ao prestígio que Rupnik desfrutava como artista-teólogo ouvido e respeitado (assim como Maciel também desfrutava de forte prestígio em ambientes sociais de alto nível), tanto dentro das comunidades que ele fundou quanto dentro da igreja em vários níveis.
A capacidade de arrecadar fundos e construir riqueza para si mesmos e suas organizações, de modo a garantir-lhe uma certa autonomia operacional; as proteções que ambos desfrutaram por muitos anos no âmbito das altas hierarquias eclesiásticas, os graves atrasos com que se investigaram os dois casos comprovar isso (no caso Maciel, além de Wojtyla, foram chamados em causa os cardeais Angelo Sodano e Stanislaw Dziwisz, entre outros).
Vale a pena lembrar que o Padre Maciel atuou sem ser incomodado durante várias décadas, passando por várias épocas e pontificados, e que a única providência contra ele foi tomada – depois da morte de Wojtyla – por Bento XVI que em 2006 lhe impôs “uma vida reservada de oração e penitência".
De qualquer forma, o fundador dos Legionários foi poupado de um processo canônico, devido à idade avançada e às condições da saúde.
Em 2019, o atual prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada, o cardeal brasileiro João Braz de Aviz, em entrevista ao periódico espanhol Vida Nueva, afirmou que o Vaticano estava de posse de provas dos abusos perpetrados por Maciel contra menores, desde 1943 (Maciel também se revelou pai de vários filhos com mulheres diferentes, abusador em série e viciado em drogas). “Quem o encobriu foi uma máfia, não representava a Igreja”, comentou mais tarde o cardeal em uma declaração certamente muito exigente, a julgar pelo menos pelo quanto os encobrimentos do escândalo pedofilia-abusos abalaram a Igreja universal.
E, de fato, os fundadores de comunidades de novos movimentos, bem como Rupnik e a sua Comunidade Loyola, na Eslovênia, revelaram-se ao longo do tempo figuras particularmente em risco.
“O abuso de autoridade pressupõe um carisma. O que cegou foi, certamente – para aqueles que eram padres – o seu papel, sacralizado, nesses ambientes católicos onde sequer era possível conceber que ‘um homem de Deus’ pudesse cometer abusos”. É o que observa Céline Hoyeu, jornalista francesa do jornal La Croix e autora do recente livro A traição dos pais. Manipulação e abuso nos fundadores de novas comunidades, livro com curadoria na versão italiana da diretora da Adista Ludovica Eugenio.
“As críticas que hoje pesam sobre a igreja institucional – informa o texto – são graves. Os bispos são acusados de ter deixado as rédeas soltas a aprendizes de feiticeiro, sem nenhum controle externo, sem contrapoderes, abandonando-os à sua onipotência."
No caso Rupnik, alguns aspectos chamam a atenção: em primeiro lugar, as reticências e os substanciais silêncios do próprio pontífice, quase como se não quisesse acreditar que um jesuíta, amigo pessoal e artista renomado mundialmente, pudesse ser acusado de abuso por parte de várias religiosas.
Há um vestígio dessa incredulidade no que Bregoglio disse à agência Associated Press sobre o caso em questão: “Para mim foi uma surpresa, realmente. Ele, uma pessoa, um artista deste nível, para mim foi uma grande surpresa e uma ferida."
Por outro lado, não é a primeira vez que o Papa demonstra uma certa desconfiança diante de eventos semelhante; basta lembrar o que aconteceu no Chile com o caso do bispo Juan Barros, acusado de ter encoberto os abusos de outro obscuro padre e manipulador, ligado no passado até à ditadura de Pinochet, Fernando Karadima. Francisco primeiro falou em calúnia e depois, diante das evidências das provas, fez com que Barros renunciasse e reduziu ao estado laical Karadima (2018). Mas a primeira reação foi aquela da evocação da conspiração contra a igreja.
No caso Rupnik, foram evidentemente insuficientes os testemunhos de numerosas vítimas primeiro abusadas e depois ameaçadas, que, no entanto, levaram a Companhia de Jesus a expulsar o religioso da Ordem.
Além disso, no comunicado divulgado pelo Vicariato na segunda-feira passada afirmava-se que mesmo a excomunhão imposta na época pelo Vaticano contra o artista religioso, era o resultado de “procedimentos gravemente anômalos", sem naturalmente especificar quais.
E certamente não passou despercebida a notícia da renúncia, anunciada ontem pelo Vaticano, do cardeal Luis Ladaria, também jesuíta, de participar no Sínodo dos Bispos em outubro (pediu dispensa ao Papa), que há pouco deixou de ser prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e, portanto, foi o responsável pelo procedimento contra Rupnik.
Não há certeza sobre o assunto, mas certamente o momento da renúncia sugere pelo menos uma possível relação entre os dois fatos. O fato é que a transparência nos casos de abuso sexual geridos pela autoridade eclesiástica continua a ser um opcional, uma torneira que pode ser aberta e fechada conforme a conveniência.
O caso Rupnik está, portanto, começando a pesar como uma pedra no final desse pontificado, colocando em discussão também aqueles passos à frente realizados por Francisco no combate às violências cometidas por clérigos.
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O caso Rupnik está se tornando uma pedra no pontificado de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU