22 Setembro 2023
"No momento histórico em que vivemos – no qual a sexualidade serve como arma política, ideológica e religiosa de controle e manipulação das pessoas – esta Obra se caracteriza por ser corajosa, ousada e profética. Indicada aos párocos e agentes de pastoral – que também experienciam, junto com suas comunidades, as transformações que ocorrem no campo das relações afetivas e amorosas –, ela constitui uma contribuição importante sobre temas que, apesar de serem de fronteira, estão praticamente ausentes na vida das comunidades eclesiais", escreve Eliseu Wisniewski.
Eliseu Wisniewski é mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e professor na Faculdade Vicentina, em Curitiba/PR.
“Sexualidade e Pastoral: aos párocos e agentes de pastoral” (Paulus, 2022, 400p.), obra organizada pelos doutores em Teologia Moral, José Antonio Trasferetti e Ronaldo Zacharias, parte do pressuposto de que a sexualidade é uma dimensão constitutiva da condição humana, a ser integrada na personalidade e no projeto de vida de cada pessoa. Por isso, pensaram “oferecer um instrumento de trabalho ágil e prático a todos os párocos, administradores e vigários paroquiais, e a todos os leigos de boa vontade, comprometidos com as várias pastorais no âmbito da evangelização” (p. 5), a fim de contribuir para a “formação de pessoas que buscam a alegria de viver bem, de se relacionar profundamente, de se apaixonar verdadeiramente por tudo que é bom, belo, honesto, puro” (p.6).
Para os organizadores da obra, não podemos ter “receio de abordar tanto os aspectos positivos quanto conflitivos da sexualidade, partindo da convicção de que nada que se refere ao humano pode ser indiferente a quem deseja colaborar para que as pessoas assumam a vontade de Deus na própria vida” (p. 6).
Imagem: Divulgação
A partir de uma compreensão holística da sexualidade, buscando compreendê- la em sua íntima conexão com a vida de todos os fiéis e com todas as atividades pastorais realizadas na comunidade de fé, o conteúdo da Obra é dividido em três partes.
Na primeira parte – “Sexualidade, Igreja, Pastoral” (p. 9-133) –, são apresentados alguns fundamentos para a compreensão da sexualidade tanto no ensino quanto na pastoral da Igreja. As cinco reflexões abordam os seguintes temas:
1) “A sexualidade no mundo atual” (p. 11-30) é o capítulo escrito pela doutora em Teologia Moral, Marcela Lapalma. A autora ressalta o que significa considerar a pessoa a partir da sua condição sexuada (pessoa sexual) e, consequentemente, abordar a sexualidade na perspectiva da cidadania sexual e dos direitos sexuais. Ao salientar a importância da educação sexual, sobretudo na esfera religiosa, especialmente na catequese, ela deixa claro que “faz-se urgente e necessário formar os agentes de pastoral, os catequistas, as lideranças, para que assumam, de uma vez por todas, uma visão integral da pessoa, inclusive no que se refere à sua identidade de gênero e sexual” (p. 26). Por fim, propõe alguns desafios para que a missão, a celebração e o serviço da comunidade eclesial sejam repensados à luz da inclusão de todas as pessoas;
2) “A sexualidade no magistério da Igreja” (p. 31-49) é o capítulo escrito por André Luiz Boccato de Almeida, doutor em Teologia Moral. O autor ressalta que “abordar a sexualidade à luz do magistério da Igreja é um desafio que se faz necessário no atual contexto. Mas isso não pode ser feito à luz de referenciais antropológicos ultrapassados e, muito menos, sem as devidas chaves hermenêuticas” (p. 47). Num primeiro momento, ele aborda o sentido do magistério da Igreja e sua interlocução com a sexualidade humana (p. 33-36). Em seguida, analisa a relação entre ciência, magistério e renovação antropológica na esfera da sexualidade (p. 37-41). Por fim, conclui refletindo sobre o sentido da hermenêutica e da criatividade da consciência no âmbito do senso comum dos fiéis (p. 42-47);
3) “A sexualidade na Sagrada Escritura” (p. 51-79), é o capítulo escrito por Ronaldo Zacharias, doutor em Teologia Moral. O objetivo do autor não é o de fazer uma exegese crítica dos textos bíblicos sobre sexualidade, mas mostrar o quanto se faz importante e urgente mudar as lentes dos óculos com os quais nos aproximamos dos textos sagrados: não procurar neles verdades absolutas sobre a sexualidade nem suspeitar sistematicamente do que dizem. Para ele, o mais importante “é realizar o difícil esforço de traduzir para a prática o novo e fundamental ethos do Evangelho”, isto é, “descobrir quais são as maneiras de viver que melhor encarnam nossa opção pelo amor, pelo ministério e pelo dom de nós mesmos” (p. 70).
4) “A sexualidade à luz do mistério pascal” (p. 81-103) é o capítulo escrito por Edson Donizete Toneti, doutor em Teologia. A proposta do autor é refletir sobre a sexualidade “à luz de uma ética do Espírito” (p. 82-90), pois, segundo ele, somente tal ética favorece a liberdade e a responsabilidade da pessoa e, consequentemente, o autêntico discernimento da vontade de Deus. Em seguida, ele volta olhar para a vivência da sexualidade à luz do mistério pascal (p. 90-95) e aborda a relação entre graça e pecado como realidades relacionais (p. 95-99) e seus efeitos na autocompreensão do ser humano e de seu agir moral como participação do amor divino e como resposta a esse amor (p. 99-101).
5) “A sexualidade na pastoral da Igreja” (p. 105-133), é o capítulo escrito por Eliseu Wisniewski, mestre em Teologia. Acenando para alguns elementos indispensáveis para a relação entre sexualidade e pastoral, o autor reflete sobre a complexidade da vivência da sexualidade a “partir do Evangelho” (p. 110-117); a relação entre real e ideal na vivência da sexualidade; a unidade entre as dimensões objetiva e subjetiva da moralidade (p. 117-123); o significado e a importância da formação da consciência (p. 123-125); a relação entre lei da gradualidade e solicitude pastoral (p. 126-129).
Na segunda parte da Obra – “Sexualidade, Catequese e Formação” (p. 135-263) –, as reflexões abordam a relação entre sexualidade e sacramentos e a importância da de se considerar a sexualidade nas várias etapas catequéticas e nas diversas atividades pastorais:
6) “A sexualidade na preparação para a iniciação cristã” (p. 137-155) é o capitulo escrito por João da Silva Mendonça Filho, mestre em Ciências da Educação. O autor faz o gancho entre “anúncio, educação da fé e educação em sexualidade como ações entrelaçadas que podem formar pessoas abertas à vida, ao amor oblativo e a compreender que Deus, de fato, só pode inserir nossa humanidade na comunhão de vida e amor da Trindade pelo fato de o Verbo ter assumido nossa natureza” (p. 138-139). Em seguida, explicita a relação entre catequese e sexualidade, o significado da sexualidade da criança, do adolescente, do jovem e do adulto (p. 141-149) e a importância da integração do corpo/corporeidade na catequese, nas suas dimensões biológica, psicoafetiva, social e cósmica (p. 149-153).
7) “A sexualidade na preparação para o matrimônio” (p. 157-176), é o capítulo escrito por Thiago Calçado, doutor em Filosofia. O autor parte do princípio de que a sexualidade é resposta humana ao amor divino (p. 158-160). Para ele, essa resposta se apresenta de vários modos e, por isso, é preciso distinguir as variações do amor e o modo como elas se identificam na vida dos que se preparam para o sacramento do matrimônio se se quiser apontar um percurso de progresso e amadurecimento para a vida a dois (p. 160). Entendendo o noivado como uma “aproximação ao mistério inesgotável do outro” (p. 157) e, seguindo um percurso litúrgico-propedêutico para vida dos noivos, o autor demonstra como a sexualidade contribui para a compreensão das perguntas feitas na celebração do sacramento do matrimônio (p. 167-174) e para o entendimento de que a cruz faz parte desse projeto de vida (p. 175-176).
8) “A sexualidade no sacramento da penitência e da reconciliação” (p. 177-202) é o capítulo de autoria de Amarildo José de Melo, doutor em Teologia Moral. O autor reconhece a tendência atual de retorno à práxis penitencial tridentina, com grande foco nos pecados no campo da sexualidade e, por isso, chama a atenção para a virada personalista na compreensão do sacramento da penitência e da reconciliação (p. 178-188). Em seguida, discorre sobre questões sexuais que habitualmente se apresentam no confessionário – maus pensamentos (p. 190), relações sexuais entre solteiros (p. 191-192), prostituição (p. 192-193), pornografia (p. 194), uniões de fato (p. 195-196), masturbação (p. 196-198), relacionamentos homoafetivos (p. 198-201) – e deixa claro que o confessionário deveria ser uma epifania a mais do amor incondicional de Deus.
9) “A sexualidade na formação dos jovens” (p. 203-222) é o capítulo escrito por Mário Marcelo Coelho, doutor em Teologia Moral. O autor entende ser “essencial apresentar aos jovens uma ética sexual mais propositiva que proibitiva, que considere a pessoa na sua totalidade, que tenha presente que a maturidade nesse campo é resultado de um processo, que leva em conta que a pessoa chamada a amar e a ser virtuosa é também frágil e vulnerável” (p. 220). Nesse horizonte, aborda o significado e o desenvolvimento da sexualidade juvenil (p. 205-206), a integração entre sexualidade e projeto de vida (p. 207- 208), a castidade como a integração da sexualidade (p. 209-211), o significado do autoerotismo (p. 211-212) e das relações sexuais na vida dos jovens (p. 212-219).
10) “A sexualidade na formação dos casais” (p. 223-244) é o assunto abordado por Maria Inês de Castro Millen, doutora em Teologia Moral. Para a autora, a “experiência de uma sexualidade adulta supõe um longo caminho em direção à integração e à maturidade” (p. 223). Considerando as luzes e as sombras da vida conjugal (p. 226-227), a partir de sua experiência pessoal, ela elenca algumas fragilidades e fracassos na vida a dois: o individualismo (p. 227-228), a desconexão entre sexo e amor (p. 228-229), a infertilidade e a recusa em ter filhos/as (p. 229-231), a ausência da liberdade, fidelidade, responsabilidade e criatividade (p. 232-235), a excessiva idealização do outro e da relação (p. 235-236), a cultura do provisório (p. 237-238), a indiferença e a insensibilidade (p. 238-239), as dificuldades econômicas (p. 239-240), o aparecimento da doença e dos vícios (p. 241-242) e o machismo que subjuga e violenta as mulheres (p. 242). Para a autora, é imprescindível encontrar no seguimento a Jesus a novidade que torna a relação mais sedutora e saudável (p. 243).
11) “A sexualidade na formação dos idosos” (p. 245-263) é o capítulo de José Antônio Trasferetti, doutor em Teologia Moral. O autor apresenta considerações sobre o significado da sexualidade na terceira idade, pontuando que “pelo fato de ser dimensão constitutiva da sua personalidade, ela não deixa de existir; apenas vai adquirindo novos contornos e sendo ressignificada com o passar dos anos” (p. 245-246). A partir desta consideração, ele apresenta elementos teóricos e práticos para que as comunidades paroquiais possam cuidar dos idosos em sua integridade vital.
Na terceira parte da Obra – “Sexualidade e desafios pastorais” (p. 265-396) –, são abordadas algumas questões polêmicas, que desafiam a comunidade eclesial no âmbito da sexualidade:
12) “Pedofilia e abuso sexual: cuidados pastorais" (p. 267-290) é o tema abordado por Cesar Kuzma, doutor em Teologia. O autor propõe uma reflexão sobre possíveis caminhos pastorais para o enfrentamento da pedofilia e dos abusos sexuais. Entende que, em primeiro lugar, é fundamental diferenciar e caracterizar pedofilia e abuso sexual (p. 267-274) para, em seguida, abordar a necessidade de uma nova cultura relacional entre as pessoas e entre os ministros (ordenados e não ordenados) e a comunidade (p. 274-282). Conclui chamando a atenção para o fato de que todos, na comunidade, são responsáveis para que possa ser proposto um ambiente seguro às crianças-adolescentes-jovens, a fim de que sejam evitados, a todo custo, qualquer expressão ou comportamento abusivo (p. 282-287).
13) “Comunidade LGBTQIA+: da acolhida à integração” (p. 291-314) é o capítulo de autoria de Moésio Pereira de Souza, doutor em teologia moral. Num primeiro momento, o autor aponta a necessidade de se considerar a orientação afetivo-sexual como dimensão intrínseca à identidade pessoal (p. 295-298). Em seguida, recorda que a vida cristã deve ser uma vida de santidade também para as pessoas LGBTQIA+ (p. 298-300). Por fim, propõe um caminho pastoral que acolha, acompanhe, ajude a discernir e integre os fiéis LGBTQIA+ na comunidade de fé, sonhando com uma atuação pastoral que não se deixe paralisar pelo medo ou pelo comodismo, mas que seja profética ao adotar a compaixão como princípio de ação (p. 310).
14) “Violência de gênero e pornografia virtual: abordagem pastoral” (p. 315-327) é a temática trabalhada por Jutta Maria Patrícia Battenberg Galindo, doutora em Teologia. Abordando a violência de gênero (p. 316-319) e a pornografia virtual (p. 319-323), a autora destaca que tais realidades “são dois eixos que se condicionam, afetam a existência humana e requerem compreensão profunda dos agentes de pastoral, para que possam se posicionar e propor contribuições pertinentes e condizentes com os tempos atuais” (p. 315). Para a autora, é claro que a violência de gênero não é gerada pelas novas tecnologias, embora seja favorecida por elas. Cabe à comunidade eclesial vislumbrar que tipo de sociedades e de seres humanos deseja formar e ser para que sejam favorecidos o respeito, a equidade, a justiça, a fraternidade e a sororidade, a fim de que as relações sejam cada vez mais de significativa qualidade.
15) “Mídias católicas e sexualidade: um 'magistério’ preocupante” (p. 329-355) é o capítulo de autoria de Moisés Sbardelotto, doutor em Ciências da Educação. O autor propõe, primeiramente, uma reflexão sobre o ambiente midiático contemporâneo como lugar de (in)formação religiosa e moral e o papel específico que têm as chamadas “mídias católicas” (p. 331-336). Em seguida, refere-se a “autoridades católicas” midiaticamente emergentes e o risco do surgimento de “magistérios” paralelos, muitas vezes preconceituosos, discriminatórios, excludentes e distantes dos valores evangélicos (p. 336-347). Por fim, defende a necessidade de competência e testemunho no âmbito da comunicação midiática católica, particularmente no que diz respeito às questões ético-morais (p. 347-350) e conclui reafirmando como necessária a prática do discernimento, tanto para quem produz quanto para quem recebe (in)formações religiosas, a fim de que as mídias católicas não se percam no acidental e não caiam na degeneração comunicacional do Evangelho (p. 350-353).
16) “A sexualidade na espiritualidade e disciplina das novas comunidades e movimentos: em vista da integração” (p. 357-369) é o capítulo escrito por Felipe Sardinha Bueno, mestre em Teologia Moral. Os elementos abordados pelo autor versam sobre a tendência rigorista, observada comumente em discursos e orientações disciplinares de novas comunidades e movimentos católicos contemporâneos. Para ele, “não se trata de menosprezar o bem que tais realidades eclesiais fazem e podem favorecer à evangelização no século XXI, mas indicar possíveis pontos que poderiam ser revistos para se evitar possíveis catástrofes existenciais aos seus membros simpatizantes, algo que, infelizmente vem sendo cada vez mais denunciado” (p. 359-360). Os tópicos trabalhados pelo autor alertam para o rigor que caracterizam as novas comunidades e movimentos no campo da sexualidade com os consequentes riscos de reduzir a reflexão moral ao ensinamento do Magistério e negar/reprimir a sexualidade. Por isso, insiste na importância de integrar a sexualidade como dom na própria vida. (p. 360-367).
17) “Relações e ministério: uma ética sexual para padres e agentes de pastoral” (p. 371-396) é o capítulo escrito por Otávio Juliano de Almeida, doutor em Bioética. O autor aborda a centralidade do corpo no entendimento da sexualidade como dialogia (p. 376-382); advoga a favor da ressignificação da castidade, do pudor, do respeito e da prudência na esfera da sexualidade (p. 382-387) e (re)propõe a coragem de nos “apaixonarmos” para que possamos viver com paixão a autêntica liberdade própria das filhas e dos filhos de Deus, que consiste em sair de si e projetar-se na direção da afirmação do bem do outro.
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No momento histórico em que vivemos – no qual a sexualidade serve como arma política, ideológica e religiosa de controle e manipulação das pessoas – esta Obra se caracteriza por ser corajosa, ousada e profética. Indicada aos párocos e agentes de pastoral – que também experienciam, junto com suas comunidades, as transformações que ocorrem no campo das relações afetivas e amorosas –, ela constitui uma contribuição importante sobre temas que, apesar de serem de fronteira, estão praticamente ausentes na vida das comunidades eclesiais.
Cuidadosos para não resvalar em moralismos repressivos e castradores que só estimulam transgressões e produzem diversas patologias, todos os autores desta obra não medem esforços para ajudar os ministros e agentes de pastoral a compreender mais profundamente o significado de as pessoas serem pessoas sexuais e quais as implicações que derivam de a sexualidade ser integrada no ministério evangelizador, catequético e pastoral da Igreja.
Trata-se de uma preciosa contribuição para a formação das comunidades de fé, a fim de possam promover a qualidade das relações, a prática das virtudes, o discernimento ético-moral e a defesa dos direitos de todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero e orientação afetivo-sexual, visto que, segundo a lógica do Evangelho, todos têm o direito de ser acolhidos, acompanhados, ajudados no processo de discernimento e integrados na vida da comunidade de fé.
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Sexualidade e Pastoral: aos párocos e agentes de pastoral. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU