15 Setembro 2023
Em última análise, uma Igreja sinodal é uma igreja de discernimento onde “ouvimos atentamente as experiências vividas uns dos outros, crescemos no respeito mútuo e começamos a discernir os movimentos do Espírito de Deus na vida dos outros e na nossa”.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Edusc, 1998), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 14-09-2023.
Em outubro, a Igreja Católica realizará um encontro internacional em Roma sobre o tema da sinodalidade. Este é um termo desconhecido para a maioria dos católicos, exceto aqueles de tradições orientais, cujos bispos se reúnem regularmente em sínodos para governar a Igreja. Na Igreja ocidental, chamamos tais reuniões de “concílios”, e não de sínodos.
A minha compreensão pouco sofisticada é que se trata de outra palavra para “colegialidade”, um termo que se tornou popular após o Concílio Vaticano II, no início da década de 1960. No concílio, os bispos tomaram consciência da sua responsabilidade colegial com o papa pelo governo da Igreja. Era errado, perceberam eles, ver a Igreja como uma monarquia absoluta com os bispos como vassalos do papa. O colégio dos bispos, como sucessores dos apóstolos, tem um papel importante a desempenhar.
Após o concílio, o termo "colegial" tornou-se um adjetivo que descreve um novo estilo de liderança da Igreja que previa consultar os leigos sobre questões importantes que a instituição enfrentava. Foi aplicado não apenas aos bispos e às suas conferências, mas também às dioceses e paróquias.
Este uso generalizado da colegialidade logo foi atacado pelo Vaticano, com o então Cardeal Joseph Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) liderando o ataque. Ele insistiu que a colegialidade em sentido estrito se aplicava apenas ao colégio de bispos sob o papa. Ele fez distinções entre colegialidade “afetiva” e “eficaz” – a primeira via as reuniões dos bispos como pouco mais do que apoio mútuo; este último os considerou autoritários.
Quando o Vaticano terminou, a colegialidade tornou-se um palavrão amarrado a tantas distinções que acabou por cair em desuso. A sinodalidade, então, pode ser pensada como uma colegialidade ressuscitada, mas sem toda a bagagem que onera a colegialidade. A diferença é literalmente semântica: sínodo tem raiz grega, colégio tem raiz latina.
Se o Papa Francisco tivesse anunciado um sínodo sobre a colegialidade, este teria imediatamente atolado em todas as antigas controvérsias sobre a colegialidade e rapidamente se transformaria num debate sobre as opiniões de Bento versus as de Francisco. Ao escolher outra palavra, sinodalidade, ele evitou este debate estéril para que pudéssemos lidar novamente com a questão de como queremos ser Igreja.
Mas a sinodalidade vai além da colegialidade como uma visão prática para a Igreja. O Instrumentum laboris (documento de trabalho) preparado aos delegados sinodais descreve a sinodalidade não como uma teoria, mas como "uma disponibilidade para entrar numa dinâmica de falar, ouvir e dialogar construtivos, respeitosos e orantes". Explica o documento: “na raiz deste processo está a aceitação, tanto pessoal como comunitária, de algo que é ao mesmo tempo um dom e um desafio: ser uma Igreja de irmãs e irmãos em Cristo que se ouvem e se que, ao fazê-lo, são gradualmente transformados pelo Espírito”.
E continua: “Uma Igreja sinodal se funda no reconhecimento de uma dignidade comum que deriva do Batismo, que faz com que todos os que o recebem sejam filhos e filhas de Deus, membros da família de Deus e, portanto, irmãos e irmãs em Cristo, habitados pelo único Espírito e enviado para cumprir uma missão comum”. Uma Igreja sinodal proporciona “espaço no qual a dignidade batismal comum e a corresponsabilidade pela missão não são apenas afirmadas, mas exercidas e praticadas”. Neste espaço, o exercício da autoridade na Igreja é visto como serviço, “seguindo o modelo de Jesus, que se abaixou para lavar os pés dos seus discípulos”.
Uma Igreja sinodal é, portanto, uma Igreja que escuta num caminho sinodal que envolve “ouvir o Espírito através da escuta da Palavra e da escuta mútua como indivíduos e entre comunidades eclesiais, desde o nível local até os níveis continental e universal”. O Instrumentum laboris prossegue dizendo que uma Igreja sinodal “deseja ser humilde e sabe que deve pedir perdão e tem muito a aprender”. Uma Igreja sinodal é uma Igreja de encontro e diálogo. Não tem medo da variedade de ideias e de pessoas católicas, mas valoriza-a, sem forçá-las à uniformidade. Uma Igreja sinodal é aberta, acolhedora e abraça a todos. Pode gerir tensões sem ser esmagado por elas. Tem uma sensação de incompletude e uma inquietação saudável. Em última análise, uma Igreja sinodal é uma igreja de discernimento onde “ouvimos atentamente as experiências vividas uns dos outros, crescemos no respeito mútuo e começamos a discernir os movimentos do Espírito de Deus na vida dos outros e na nossa”.
O objetivo é prestar mais atenção “ao que o Espírito diz às Igrejas”, afirma o documento, citando o livro do Apocalipse, no compromisso e na esperança de se tornar "uma Igreja cada vez mais capaz de tomar decisões proféticas que sejam fruto de orientação do Espírito".
A mudança da colegialidade para a sinodalidade não é uma resposta segura aos críticos de Francisco que querem que a Igreja fique atolada num debate sobre a sinodalidade, tal como aconteceu sobre a colegialidade. Francisco recusa-se a envolver-se neste debate. Ele quer fazer sinodalidade, não debater eclesiologia. Ele quer que sejamos Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo à escuta do Espírito e continuando a missão de Cristo no mundo.
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A sinodalidade é apenas mais uma palavra para colegialidade? Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU