23 Março 2023
Aqueles que querem ignorar os fundamentos morais do ensino social católico devem pelo menos reconhecer que boas regulamentações governamentais são de seu próprio interesse econômico.
O artigo é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), publicado por Religion News Service, 22-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As recentes ameaças ao sistema bancário mostram que os capitalistas libertários são hipócritas. Eles odeiam as regulações do governo – até terem problemas, para então esperar que o governo os salve.
As sementes da atual crise foram plantadas anos atrás, quando o Silicon Valley Bank (SVB) investiu os ganhos tecnológicos de seus clientes em títulos do Tesouro dos Estados Unidos, guardando os depósitos em instrumentos de longo prazo para maximizar seus ganhos.
Essa estratégia parece inteligente, desde que nada dê errado. Mas, é claro, algo deu errado: a inflação subiu, o Fed aumentou as taxas de juros, reduzindo o valor dos títulos bancários e, quando os clientes repentinamente quiseram seu dinheiro de volta, o SVB teve que vender seus títulos com prejuízo para cobrir os saques.
Bancos de médio porte, como o SVB, são os mesmos que pressionaram o Congresso para liberá-los das regulações estabelecidas após a quebra de 2008 para proteger os clientes. As regras bancárias seguras os impediam de correr riscos maiores, o que poderia levar a perdas e corridas aos bancos. As contribuições de campanha desses banqueiros lubrificavam as rodas legislativas para que eles conseguissem o que queriam.
Em outras palavras, o governo agora está garantindo os depósitos daqueles financiadores que mais reclamaram e fizeram lobby para reverter as regulamentações do governo.
É a mesma lição que os proprietários de imóveis turcos aprenderam depois que os recentes terremotos expuseram o desconhecimento generalizado dos códigos de construção por parte de desenvolvedores e funcionários do governo. Os códigos de construção também têm um impacto nos Estados Unidos sobre o fato de uma casa sobreviver a um furacão, a uma inundação ou a um incêndio florestal. Mas os desenvolvedores querem construir o mais barato possível para obter maiores lucros.
Os libertários odeiam as regulações do governo porque afirmam que querem deixar o mercado livre para determinar o que as empresas devem ou não fazer. Na verdade, o mercado não pode funcionar sem regulamentações governamentais. As leis e os tribunais do governo protegem e fazem com que sejam cumpridos os contratos, as patentes e os direitos autorais, sem os quais o mercado seria uma selva.
O ensino social católico sempre reconheceu o papel da regulação governamental da economia. A economia deve promover o bem comum, e não beneficiar apenas os proprietários e os investidores.
O ensino social católico se fundamenta no respeito e na preocupação com a dignidade humana, especialmente a dignidade dos trabalhadores. Uma das principais preocupações tem sido proteger os trabalhadores em empregos perigosos. A Igreja apoiou a proibição do trabalho infantil e a garantia de um salário digno e de assistência médica para os trabalhadores e suas famílias.
Mais recentemente, o magistério papal exigiu que o meio ambiente fosse protegido da destruição pela exploração descontrolada. O mundo pertence a todos e deve ser desenvolvido não apenas para o lucro individual, mas também para o bem comum da humanidade. Destruir o meio ambiente ameaça os humanos hoje e no futuro.
Aqueles que querem ignorar os fundamentos morais do ensino social católico devem pelo menos reconhecer que boas regulamentações governamentais são de seu próprio interesse econômico.
Neste caso, os banqueiros põem os bons bancos em risco ao se recusarem a aceitar retornos mais baixos. Mas também vimos muitas vezes as indústrias agrícolas e pecuárias serem postas em risco por produtores que cortam custos e oferecem produtos contaminados para o mercado. Uma e outra vez, os maus atores põem em risco os bons homens de negócios. Boas regulações protegem não apenas os consumidores, mas também os bons empresários.
Ninguém deveria pensar que isso significa que todas as regulamentações governamentais são boas. As regulações devem ser o mais simples possível, especialmente para as pequenas empresas. Se há uma maneira mais simples e fácil de alcançar o mesmo objetivo, os governos devem se adaptar.
As regulações também podem sofrer abusos. As leis de zoneamento têm sido usadas por ativistas do NIMBY (“Not in my backyard”, termo que se refere a alguns movimentos de bairro que se posicionam contra certas mudanças em sua vizinhança) para impedir a construção de residências de várias famílias nos subúrbios da Califórnia. As leis ambientais e de zoneamento estão sendo usadas para impedir a construção de parques solares e eólicos, assim como de linhas de transmissão, necessárias para responder ao aquecimento global.
As regulamentações governamentais devem ser razoáveis e apoiar o bem comum. O debate sobre seu uso adequado é essencial para o processo democrático, mas se opor às regulações e depois recorrer ao governo para pedir um resgate é algo hipócrita e imoral.
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A lição do Silicon Valley Bank: regulamentações protegem negócios e consumidores. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU