14 Agosto 2023
“Recusa de vistos para a Jornada Mundial da Juventude: ‘Os jovens africanos sentiram-se órfãos’”. O título do artigo de opinião de Maryse Adjo Quashie, professora de Ciências da Educação na Universidade de Lomé, Togo, publicado na quinta-feira no diário católico francês La Croix, sinaliza por si só a ferida que, pelo menos na África francófona, ficou por causa daquilo que é classificado como “a inércia da Igreja face à recusa das autoridades portuguesas em conceder vistos a muitos jovens africanos que queriam participar na Jornada Mundial da Juventude”.
A reportagem é publicada por 7Margens, 11-08-2023.
Como a imprensa internacional foi dando conta, os obstáculos que enfrentaram os jovens africanos que pretendiam participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) foram vários, sendo os mais referidos os que diziam respeito às dificuldades econômicas, particularmente por causa do custo das viagens, e às complicações na concessão de vistos. o 7MARGENS referiu também o caso de um pequeno grupo do Sudão do Sul, que referia os mesmos problemas.
Finda a JMJ, a professora da Universidade de Lomé vem testemunhar o sentimento de orfandade dos jovens africanos que não puderam deslocar-se a Lisboa porque a algumas centenas deles não lhes foi concedido o visto de entrada em Portugal, tendo-lhes, assim, sido negado “o direito de viver com jovens de todo o mundo o fervor deste encontro com o Papa, a experiência única de encontrar Jesus através de seus irmãos vindos de todo o mundo”.
Segundo Maryse Adjo Quashie, os jovens estão mais zangados “com a sua Igreja, que não se preocupou com eles, que nada fez para garantir que obtivessem o direito de viver um evento que ela própria organizou” do que com as autoridades portuguesas. Para ela, a Igreja não terá contrariado as autoridades portuguesas, que, como todas as dos países ocidentais, tiveram idêntica atitude baseada no mesmo receio de alguns jovens africanos aproveitarem para ficar no Ocidente.
A prática de recusa de vistos é o culminar da “humilhação das burocracias intermináveis”, que a Igreja não se esforçou por evitar, considera Maryse Adjo Quashie, sublinhando a mágoa dos jovens africanos com duas interrogações: “Por que falamos de Jornadas ‘Mundiais’ da Juventude se a porta está fechada aos africanos? Dever-se-ia ter caminhado, atravessado o deserto, sofrido humilhações e extorsões na Líbia, na Tunísia, ousado amontoar-se em barcos inseguros, arriscar-se a morrer no mar, desembarcar em terra hostil, antes de chegar a Lisboa?”
Maryse Adjo Quashie reitera que os jovens africanos se sentiram órfãos por outra razão: “Se, por causa de alguns que teriam imensamente beneficiado com a partilha da JMJ para se envolverem nos seus países, na sua Igreja local, para fazer nascer um mundo novo, se tivesse de deixar passar outros que teriam ficado no Ocidente para se tornarem estafetas, lixeiros, empregados domésticos, auxiliares de saúde, trabalhadores agrícolas, o que é que isso teria feito aos ocidentais?”
“Privados de consolo no momento em que a África Ocidental corre o risco de mergulhar numa guerra fratricida”, os jovens africanos não puderam levar para Lisboa as suas angústias e não puderam ouvir diretamente o “Não tenham medo!” do Papa Francisco.
A professora da Universidade de Lomé considera que os jovens africanos se sentiram órfãos porque parece que não fazem parte da irmandade estabelecida por Jesus. Julga ela que, de outro modo, “os seus irmãos” não suportariam ver a juventude africana privada de futuro há décadas por causa das riquezas do seu subsolo, “mas sobretudo por causa de africanos e não africanos movidos pela sedução do lucro e pela defesa de interesses egoístas”.
Os jovens africanos serão verdadeiros órfãos se, e assim termina Maryse Adjo Quashie, “o seu grito de dor, como habitualmente, nem sequer for ouvido: terá sido como uma garrafa atirada ao mar com os seus irmãos nas águas do Mediterrâneo”.
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Os vistos recusados aos jovens africanos. A ferida da Jornada Mundial da Juventude - Instituto Humanitas Unisinos - IHU