04 Agosto 2023
O arcebispo de Santa Fé, dom John Wester, está convocando os católicos dos EUA a um "diálogo urgente" sobre os riscos representados pelo armazenamento e desenvolvimento de armas nucleares.
Wester, que está realizando uma Peregrinação pela Paz em cinco cidades no Japão nesta semana junto com o arcebispo de Seattle, dom Paul Etienne, para promover o desarmamento nuclear, disse em entrevista recente ao National Catholic Reporter, que os americanos foram "seduzidos por um falso senso de complacência" sobre os possíveis perigos de um conflito nuclear.
"Embora estejamos em um estado de complacência, não deveríamos estar", disse Wester. "É uma daquelas coisas em que é tudo ou nada. Ou evitamos completamente a guerra nuclear, ou somos completamente destruídos por ela. Não há meio-termo."
Wester concedeu a entrevista ao National Catholic Reporter no fim de julho, enquanto se preparava para a viagem de 2 a 9 de agosto. Como parte da viagem, ele e Etienne também irão recordar os aniversários dos bombardeios atômicos dos EUA em Hiroshima e Nagasaki em 6 de agosto e 9 de agosto de 1945, respectivamente.
Durante a entrevista, o arcebispo falou sobre suas razões para fazer a viagem, a mudança do ensinamento católico do Papa Francisco afastando-se da aceitação do sistema global de dissuasão nuclear e o chamado pessoal que ele sente como arcebispo de Santa Fé para se posicionar contra as armas nucleares. Ele também refletiu sobre sua carta pastoral de janeiro de 2022 sobre o assunto, "Vivendo na Luz da Paz de Cristo: uma conversa em direção ao desarmamento nuclear".
A entrevista é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 02-08-2023.
Por que é tão importante para você e o D. Paul Etienne fazerem essa peregrinação? Por que vocês quiseram fazer isso agora?
O que motivou a viagem foi basicamente minha carta pastoral. Minha comissão de redação e eu nos reunimos regularmente sobre essa questão - sobre o desarmamento nuclear multilateral e verificável. Eu percebi que nossa conexão com Hiroshima e Nagasaki é basicamente a bomba. Mas deveria ser a paz de Cristo, a luz de Cristo.
A luz é um tema muito importante no Japão. É um país de luz. E isso se mistura com a luz de Cristo. Ele foi a luz que atravessa as trevas, a vela pascal. Mas infelizmente, também se mistura com a luz produzida pela bomba atômica, que não foi uma luz de paz, mas uma luz de destruição.
Queremos confirmar que a luz de Cristo é a luz que compartilhamos com o Japão, não a bomba. Procuramos o arcebispo de Nagasaki e o bispo de Hiroshima, e estamos muito gratos pela resposta deles. Eles estão muito ansiosos para nos receber, e nós estamos ansiosos para ir. Acho que será uma viagem muito significativa.
Existe uma mensagem que você espera que a peregrinação ou sua carta pastoral possa enviar aos católicos dos EUA sobre a urgência contínua ou a seriedade da questão das armas nucleares?
Esse é um dos principais objetivos: aumentar a consciência entre todas as pessoas sobre a urgência e a importância crítica dessa questão. Infelizmente, fomos seduzidos por um falso senso de complacência, principalmente por causa da narrativa da dissuasão.
Queremos um diálogo urgente sobre a posição crítica e perigosa em que nos encontramos. E, embora estejamos em um estado de complacência, não deveríamos estar. Porque é uma daquelas coisas em que é tudo ou nada. Ou evitamos completamente a guerra nuclear, ou somos completamente destruídos por ela. Não há meio-termo.
Uma conflagração nuclear, um evento tipo Armagedom, destruiria a civilização em todo o planeta. Isso desencadearia um inverno nuclear de 10 anos. Projeções computacionais indicam que 5 bilhões de pessoas morreriam de fome, porque não haveria luz solar, nenhum crescimento - o planeta estaria congelado.
Se lermos o livro de Cormac McCarthy, "A Estrada", ele dá uma noção muito visceral da situação. É um relato ficcional, mas é um relato muito bem fundamentado do que provavelmente aconteceria em um caso como esse. O ditado antigo é: "onde os vivos invejariam os mortos".
O Papa Francisco tem falado frequentemente dos perigos das armas nucleares. Ele já visitou o Japão. Em seus próprios ensinamentos, houve uma mudança da aceitação do sistema de dissuasão para chamar até mesmo a posse de armas nucleares de "imoral". Como o senhor vê essa mudança? Acha que os católicos estão cientes do desenvolvimento do papa sobre esse assunto?
Isto é de extrema importância, porque o que o papa fez foi realmente mover o compasso moral. Como sabemos, a carta pastoral de paz de 1983 da conferência episcopal dos EUA permitia a dissuasão. Mas acho importante não ser enganado por essa narrativa. Desde o início, os Estados Unidos nunca tiveram apenas a dissuasão como sua estratégia. Eles sempre tiveram a estratégia de capacidade de primeiro ataque também.
As pessoas pensam que, desde que tenhamos a dissuasão, estamos em uma posição neutra, tudo está bem. Mas não está. O perigo de guerra nuclear está sempre presente. A guerra na Ucrânia aumentou a consciência desse fato. A dissuasão não é uma estratégia. É um jogo muito perigoso e não é uma estratégia sólida e segura.
Como disse o ex-secretário de Defesa Robert McNamara, a única razão pela qual não fomos à guerra nuclear em 1962 durante a Crise dos Mísseis de Cuba foi a sorte. E acho que todos concordamos que a sorte não é uma estratégia muito boa. Acho que precisamos reconhecer que fomos sortudos, que fomos providencialmente abençoados pelo fato de que a graça de Deus de alguma forma nos livrou de qualquer tipo de tragédia enorme, seja por guerra intencional, seja por acidente.
Ninguém quer falar sobre o Armagedom nuclear ou um inverno nuclear. Mas todos sabemos, por prudência e maturidade, que temos que falar sobre isso. Nós nos metemos nessa confusão, e nós seres humanos temos que nos livrar dela. E a maneira de sair disso é nos livrar das armas.
O senhor sente um chamado especial aqui em termos de ser o arcebispo de Santa Fe, que abriga o Laboratório Nacional de Los Alamos?
Sim, eu sinto. E isso não é novidade. Destaco que me sinto muito impressionado e fico satisfeito de saber que meus antecessores também sentiam um chamado especial. A arquidiocese já até se manifestou sobre isso. Particularmente, nos anos 1980, tivemos protestos e tentamos aumentar a sensibilidade.
Com a carta pastoral, esperávamos resgatar essa questão novamente. Parte disso também foi iniciado pelo fato de que os Estados Unidos estão dando bilhões de dólares a Los Alamos para modernizar sua produção de núcleos de plutônio.
É como ter armas nucleares para sempre, é isso o que temos. Estamos seguindo o caminho errado. Não apenas não detemos o progresso feito, estamos tentando modernizar também. É como alguém que está dirigindo fora de controle e, até agora, está dentro das barreiras de proteção, mas é sabido que, se continuar, a pessoa cairá do penhasco algum dia. Precisamos parar.
Eu sei que uma das grandes questões é a questão econômica. Há muito dinheiro a ser ganho. Reconheço que isso é uma força poderosa em nossas sociedades. O complexo militar-industrial é uma máquina poderosa. É difícil fazê-la mudar de direção. Mas precisamos fazer isso. E acredito firmemente que esses laboratórios podem ser usados para fins pacíficos.
Sobre esse assunto, na carta o senhor menciona um desejo de conversar com católicos que trabalham nos laboratórios nucleares do país ou que servem no exército. Qual sua mensagem aos que trabalham em armas nucleares?
Entendo que é complicado. Não é uma questão moral simples. Não é algo como: "devo ou não roubar um banco?" Não, você não deve. Isso é imoral. Mas é uma questão um pouco mais complexa. Porque, obviamente, não podemos ter um desarmamento unilateral. Isso não seria sensato ou prudente.
Tem que ser multilateral. Isso é o que eu continuo enfatizando. Porque acho que algumas pessoas acham que estamos apenas sendo ingênuos. Mas nossa resposta é: "quem é realmente ingênuo?" Acho que as pessoas ingênuas são aquelas que pensam que podemos conviver com armas nucleares. Essa é a verdadeira ingenuidade, porque com ela estamos fadados a falhar. Graças a Deus ainda não falhamos. Mas estamos fadados a falhar.
Do meu ponto de vista, eu diria aos católicos que, se eles estão trabalhando em Los Alamos ou nos Laboratórios Nacionais de Sandia ou Lawrence Livermore, que agora a chave é trabalhar pelo desarmamento nuclear. Assim, posso entender que haveria algumas pessoas, e eu sei que algumas já o fizeram, que optariam por não trabalhar nesses laboratórios por causa da destrutividade deles.
Mas também posso ver alguém, do ponto de vista moral, que diria: "Não, acho que, como isso será um projeto de longo prazo, obviamente, acho que, por enquanto, precisamos ter o que temos". Contanto que eles estivessem dizendo que isso faz parte de uma trajetória maior para se livrar das armas, então eu poderia ver isso como moralmente aceitável. Não preferível, mas aceitável.
Há um frenesi em torno do filme "Oppenheimer". O senhor tem algo a dizer sobre o que isto quer dizer sobre a cultura ou o interesse renovado em pensar a respeito dessas armas novamente?
Acho que é algo bom. Estou lendo o livro "O Prometeu americano: o triunfo e a tragédia de J. Robert Oppenheimer". É um excelente livro. Ele era definitivamente uma pessoa muito interessante, que, evidentemente, era contra a continuação do desenvolvimento de armas nucleares.
Acho que isso vai elevar a consciência das pessoas. Haverá algumas pessoas que dirão: "Meu Deus, o que fizemos?" E acho que alguns cientistas na época pensaram isso.
Isso traz à tona a questão: porque podemos fazer algo, devemos fazê-lo? Acho que é como se estivéssemos brincando de ser Deus. Acho que a humanidade precisa ter mais humildade. Acho que Deus nos deu a capacidade de inventar para o bem. Mas acho que precisamos ter um pouco de humildade e não arrogância quando lidamos com essas realidades e esse potencial de poder e força. É poder demais para os seres humanos. E nosso histórico não é tão bom quando se trata disso.
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Arcebispo americano convida a um "diálogo urgente" sobre os riscos das armas nucleares. Entrevista com John Wester - Instituto Humanitas Unisinos - IHU