Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose e da Casa della Madia, sobre o Evangelho deste 12º Domingo do Tempo Comum, 25 de junho de 2023 (Mt 10,26-33).
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com este domingo, retomamos a leitura cursiva do Evangelho segundo Mateus, exatamente a partir do capítulo décimo, que contém o discurso de Jesus sobre a missão dos discípulos no mundo. É um discurso que se dirige, para além do tempo em que foi proferido e posto por escrito, a todos aqueles que são chamados ao serviço de Jesus Cristo e do seu reino; um discurso que reflete a experiência dos 12 apóstolos em missão entre os filhos de Israel e dos missionários da igreja de Mateus nas décadas anteriores ao ano 80 d.C.
Jesus envia os discípulos “entre as ovelhas perdidas da casa de Israel” e lhes dá a mensagem a anunciar, a ação a realizar e o estilo de comportamento (cf. Mt 10,5-15). Depois, anuncia as perseguições que os enviados terão de suportar na missão (cf. Mt 10,16-23) e, com autoridade e clarividência profética, diz-lhes: “Um discípulo não é maior do que o seu mestre, nem um servo é maior do que o seu senhor; basta ao discípulo tornar-se como seu mestre e ao servo como seu senhor. Se chamavam Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos da sua família!” (Mt 10,24-25).
Ou seja, o que Jesus viveu também será vivido também por seus enviados, que serão chamados de diabos, a serviço do líder dos demônios, Belzebu, e serão perseguidos até serem mortos por aqueles que creem dar glória a Deus desse modo (cf. Jo 16,2).
E então? É preciso ter coragem, lutar contra o medo, não temer nunca. Essa é a mensagem da perícope de hoje, que Jesus entrega como mandamento nada menos do que três vezes: “Não tenhais medo!” (vv. 26.28.31). Nas Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento, esse convite-mandamento é a palavra dirigida por Deus quando se manifesta e fala aos que ele chama: a Abraão, a Moisés, aos profetas, a Maria, a mãe de Jesus...
“Não temer!”, isto é, “não ter medo da presença do Deus três vezes santo, mas apenas temor, ou seja, a capacidade de discernir a sua presença e, portanto, nunca ter medo dos homens, mesmo quando são inimigos. Nunca ter medo, mas vencer o medo com a confiança no Senhor fiel, sempre próximo, ao lado do fiel e sempre fiel, mesmo quando parece ausente ou inerte”.
O medo é um sentimento humano graças ao qual aprendemos a viver no mundo, prestando atenção onde há perigo ou ameaça; mas, para quem tem uma fé firme no Senhor, o medo deve ser vencido, não deve se tornar determinante na relação com o Senhor e com a sua vontade.
Ao viver o Evangelho e ao anunciá-lo aos povos, os discípulos de Jesus encontram desconfiança, fechamento, hostilidade e rejeição. Nessas situações, a tentação é calar a esperança que habita o coração, permanecer silenciosos e esconder a própria identidade, talvez até fugir. Mas Jesus adverte: o tempo da missão é um tempo de apocalipse, não no sentido catastrófico que se costuma atribuir a esse termo, mas no sentido etimológico de re-velação, de levantar o véu. Com efeito, o anúncio do Evangelho exige que aquilo que Jesus disse na intimidade seja proclamado em plena luz do dia, aquilo que foi dito ao pé do ouvido seja gritado de cima dos telhados.
Houve um escondimento da “verdade”, que ocorreu não para esquecer ou enterrar, mas para revelar no tempo oportuno aquilo que estava escondido: “Não há nada de escondido (verbo kalýpto) que não venha a ser revelado (verbo apokalýpto) nem de secreto (kryptós) que não será conhecido (verbo ginósko)” (v. 26). As coisas escondidas desde a fundação do mundo (cf. Mt 13,35; Sl 78,2) são reveladas por Jesus e depois pelos discípulos na história.
Por outro lado, os verdadeiros inimigos dos discípulos não são os de fora, mas os de dentro, aquelas tentações que nascem do coração, aquelas atitudes idolátricas nas quais a comunidade cristã cede. Na realidade, os inimigos de fora são oportunidades para pôr em prática o Evangelho, para mostrar a própria fé e a própria fidelidade ao reino de Deus.
Anunciar a palavra de Deus é uma tarefa que transcende o discípulo e a discípula: quem assume tal tarefa sabe que sua vida está posta sob uma força que vem de Deus, sabe que não pode fugir da vocação que lhe foi confiada, mas deve lutar para fazê-la resplandecer, lutando contra a idolatria que o seduz. E a palavra que proclama é dýnamis (cf. Rm 1,16), é uma força que atravessa a história humana sem impedimentos, em uma espécie de corrida (cf. 2Ts 3,1)…
Trata-se, portanto, de não temer aqueles que matam o corpo, que interrompem a vida terrestre, mas na verdade não podem tirar a verdadeira vida. O único “temor” – no sentido que se dizia – a se ter é o do Senhor, porque só ele pode decidir sobre a vida terrestre e a vida verdadeira. Com efeito, a vida pode ser vivida como humanização, em conformidade com a vontade do Criador, ou pode ser marcada por escolhas mortíferas, que só podem levar à ruína: para exprimir esse segundo resultado, Jesus se refere metaforicamente à Geena, ao vale que recolhia o lixo de Jerusalém.
Em seguida, Jesus eleve o olhar para seu Deus, o seu Abbá, Pai, e testemunha todo o poder com que ele cuida de suas criaturas, as salva, nunca abandonando quem tem fé nele. O que são dois pardais? Essas pequenas criaturas, que habitam às centenas sobre os telhados, parecem-nos criaturas insignificantes, que não merecem atenção nem cuidado, mas não é assim para Deus!
E aqui é preciso prestar atenção. Na Bíblia italiana [e brasileira], a tradução das palavras de Jesus diz: “Não se vendem dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai". Mas, em vez disso, é preciso traduzir literalmente: “... sem o vosso Pai". Ou seja, nem mesmo um pardal, ao cair no chão, é abandonado por Deus: não cai no chão porque Deus quis (fatalismo tipicamente pagão), mas mesmo quando cai no chão não é abandonado pelo Pai!
Da mesma forma, também os cabelos da nossa cabeça, que perdemos todos os dias sem perceber, são todos contados, todos sob o olhar de Deus. A partir de tal contemplação, nasce a confiança que expulsa o temor: Deus vê como nos vê um pai, que sempre nos olha com amor e nunca nos abandona, nem mesmo quando caímos.
Os discípulos de Jesus, muito mais preciosos aos olhos de Deus do que os pardais e os cabelos da cabeça, podem ser perseguidos e condenados à morte, mas também na sua morte o Pai está lá; em suas tentações, o Senhor está lá; em seus sofrimentos, é Cristo quem sofre. A comunhão com o Senhor só pode ser rompida por nós mesmos, nunca pelos outros. Para isso, é necessário estar preparado para reconhecer Jesus Cristo, o Senhor, diante dos homens: isso deve ser feito com mansidão, sem arrogância e sem vanglória, mas também a um alto preço.
Hoje, no mundo ocidental, não corremos o risco da perseguição, de ter que escolher o testemunho de Cristo que provoca uma morte violenta, mas não nos iludamos de estar isentos da prova. Todas as vezes que simplesmente coramos ao dizer que somos discípulos e discípulas de Jesus, todas as vezes que nos falta coragem para testemunhar a verdade cristã, que está sempre a serviço da humanização, da justiça, da paz e da caridade, então optamos por não sermos reconhecidos por Jesus no dia do juízo, diante do Pai que está nos céus.
Para ser um renegador de Jesus, basta ceder ao “todo mundo faz assim”, ao “todo mundo fala assim”, à preguiça ignava de quem não quer ser incomodado, de quem teme o simples fato de não gozar mais do favor de alguns poderosos ou de quem tem importância... Pedro renegou diante de uma pobre serva, e não perante um tribunal (cf. Mt 26,69-75 e par.)!
Em todo o caso, servem-nos hoje de exemplo aqueles cristãos que no Egito e no Oriente Médio optam por participar da liturgia sabendo que estão arriscando suas vidas e se tornando vítimas, em grande número, de uma cega violência anticristã. O martírio reapareceu, e hoje há mais mártires cristãos do que nos séculos do Império Romano. É, portanto, a hora da coragem, de não temer, sabendo que Jesus está ao nosso lado no poder do Espírito Santo e será, como “outro Paráclito” (cf. Jo 14,26), advogado por nós perante o Pai.
Coragem! O medo é a maior ameaça à fé cristã: ela leva à dúvida, e a dúvida à renegação do Senhor e do Evangelho. Se, ao contrário, há uma humilde confiança no cristão, então há uma força invencível!