04 Mai 2023
A Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores se reúne em Roma pela primeira vez desde a renúncia em março de um de seus membros mais proeminentes, Hans Zollner, SJ.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 03-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É possível facilmente passar pela igrejinha de San Giovanni della Pigna, no centro histórico de Roma, e nem notá-la. Escondida em uma pequena praça na esquina do Panteão, ela é surpreendentemente discreta.
Mas em breve será o local de uma missa mensal pelas vítimas de abuso sexual. E isso a tornará um símbolo de um conflito que está ocorrendo atualmente no Vaticano. Isso porque, em frente à igreja, está o ornamentado Palazzo Mattei, do século XVI, onde a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores acaba de instalar sua nova sede.
Os membros da comissão chegaram lá nessa quarta-feira, 3, para uma sessão plenária há muito tempo esperada e devem ter uma audiência com o Papa Francisco no sábado, após a conclusão de suas reuniões. A comissão, que também atende pelo nome latino Tutela Minorum, vem enfrentando fortes críticas recentemente. Ela foi jogada em uma crise aberta no dia 29 de março, quando um de seus membros originais e mais respeitados, o padre jesuíta Hans Zollner, renunciou.
O teólogo e psicólogo alemão de 56 anos é reconhecido como um pioneiro na resposta da Igreja aos abusos sexuais. Especialista reconhecido internacionalmente na área, ele lidera há anos uma equipe que tem sido convocada por bispos e vítimas em todo o mundo. Zollner desempenhou um papel importante na organização da cúpula sobre abusos que o papa realizou em Roma no início de 2019 com presidentes de todas as conferências episcopais do mundo.
As críticas de Zollner à comissão Tutela Minorum são sérias. Elas dizem respeito aos poderes, à transparência financeira e à governança da comissão, assim como à sua incapacidade de supervisionar a seção do Dicastério para a Doutrina da Fé responsável por lidar com os casos mais graves de abuso sexual clericais. Zollner chegou a criticar a falta de transparência nos procedimentos operacionais gerais. “Muitas vezes, havia informações insuficientes e uma comunicação vaga com os membros sobre como as decisões específicas eram tomadas”, disse ele na nota explicando sua renúncia.
Essas acusações levaram o cardeal Sean O’Malley, de Boston, presidente da comissão Tutela Minorum, a emitir uma declaração pública contundente. “O padre Zollner, que goza da boa vontade de todos os membros da comissão, não participou muito, por uma razão ou outra, da vida da comissão no ano passado”, disse o cardeal em uma entrevista publicada pelo Vatican Media.
As operações diárias da comissão são dirigidas pelo secretário-geral, Andrew Small, um padre nascido em Liverpool, membro dos Oblatos de Maria Imaculada, que é considerado próximo do cardeal O’Malley. Small, naturalizado estadunidense, é o responsável por ter assegurado o espaço no Palazzo Mattei para a nova sede da Tutela Minorum e tem uma política de portas abertas a todos que queiram visitá-lo.
Nas próximas semanas, assim que o trabalho final estiver concluído, cerca de uma dezena de pessoas estará trabalhando lá. O orçamento anual da comissão de 500 mil euros é financiado em grande parte pela Fundação GHR nos Estados Unidos.
“Expor um conflito publicamente é algo raro no Vaticano”, disse uma fonte interna.
No fundo, essa crise revela o choque entre duas concepções sobre o papel de Roma na luta contra a pedofilia.
O Vaticano já tomou medidas suficientes em nível universal e agora pode deixar que os bispos do mundo tomem suas próprias decisões, apenas dando-lhes conselhos? Ou deveria agir mais diretamente e punir os bispos recalcitrantes? Existem duas linhas conflitantes.
“Não temos nem jurisdição nem competência para supervisionar um processo canônico”, disse Small, ressaltando que a investigação dos casos é responsabilidade dos dicastérios romanos.
Então, o que resta para a comissão fazer? A essa pergunta, ele normalmente responde que o trabalho da comissão consiste em assegurar a correta transposição das regras vaticanas por parte dos bispos locais. Ele pretende fazer isso por meio da publicação de um relatório anual.
Será que ele tem a capacidade de punir os líderes católicos que não cumprem suas responsabilidades?
“Não. O relatório é um meio para mudar as práticas ao dizer publicamente o que está funcionando ou não”, disse Small.
É um sistema que pode ser resumido nestas palavras: Nome e Vergonha. O primeiro relatório sairá em outubro de 2024. Ele conterá tanto os elementos enviados a Roma pelos bispos do mundo inteiro quanto uma avaliação da ação dos dicastérios da Cúria Romana nessa matéria.
O Vaticano está observando com preocupação a batalha entre esses dois pontos de vista.
“A Comissão para a Tutela dos Menores sempre foi vista como muito fraca em comparação com as expectativas que ela criou”, disse alguém bem versado nos caminhos da Cúria Romana. Mas a mesma fonte acrescentou: “Basicamente, isso revela que a questão continua muito difícil e ainda não amadureceu o suficiente.”
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Por que a comissão papal de proteção aos menores está em crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU