05 Mai 2023
"No espaço de Jesus revela-se o rosto de Deus (um Deus surpreendente!) e nesse espaço revelam-se também a verdade do homem e o projeto de vida ao qual é chamado. Existe uma profunda unidade entre revelação de Deus e vida humana", escreve Roberto Mela, padre dehoniano, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 27-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O biblista e editor (Forlì, 1974), ex-monge de Bose e atualmente docente nas escolas secundárias de Milão, inaugura com esse livro uma série concebida por Giuliano Zanchi como uma coleção de pequenos volumes que introduzem os temas cristãos fundamentais atualizados às condições do homem contemporâneo. Uma síntese do cristianismo para o nosso tempo numa linguagem acessível a todos.
A brevidade dita o estilo do texto e Monti cumpre-o escrupulosamente. Ele está convencido de que apresentar Jesus de Nazaré como é narrado nos Evangelhos é o melhor instrumento para atrair os homens de hoje a uma proposição que não é imediatamente de natureza moral, mas de revelação.
No rosto de Jesus, nas suas atitudes, escolhas, palavras, milagres, silêncios, morte e ressurreição, revela-se não só a humanidade de Jesus, mas também a sua divindade. Jesus é Deus, mas Deus é Jesus, e nem mesmo seus discípulos estão sempre convencidos disso. Monti pretende despertar essa consciência para que cada um possa desfrutar da revelação de um Deus inédito e paradoxal que Jesus realiza com a sua pessoa.
O autor segue, nas entrelinhas, o Evangelho segundo Marcos, implementando uma escolha de cerca de trinta passagens comentadas brevemente em suas linhas teológicas fundamentais.
A escolha das passagens estende-se ao Evangelho de Lucas e ao de Mateus para uma breve reflexão sobre os Evangelhos da infância (verdadeiros Evangelhos em miniatura relativos ao aprofundamento da figura de Jesus na sua relevância teológica e cristológica) e para a recuperação de algumas parábolas características de Lucas que ilustram maravilhosamente a misericórdia do Pai revelada na atitude e no ensinamento de Jesus. Trata-se da passagem de fé da mulher siro-fenícia, da parábola do samaritano tomado pela compaixão e aquela do pai de dois filhos, ele também tomado por uma compaixão visceral diante do retorno de seu filho mais novo.
Própria de Mateus é a parábola do joio e do trigo, que induz à paciência no caminho eclesial, sem exageros que antecipem o juízo final.
A orientação do Evangelho de Marcos começa a partir do próprio título, que manifesta Jesus como uma boa nova proclamada pela Igreja, sobre sua humanidade e divindade como filho de Deus. Seguem-se o batismo no Jordão, as provações sofridas no deserto onde Jesus é pressionado pelo próprio Espírito.
Jesus anuncia o cumprimento dos tempos e a aproximação do reino de Deus, que o manifestará com sua jornada típica em Cafarnaum, feita de oração, curas e anúncio da Palavra. Na oração solitária, Jesus busca a força para realizar a vontade do Pai, em plena comunhão com Ele.
Jesus se apresenta aos interlocutores cheio de poder, sabedoria e autoridade. Sua missão não é chamar os justos, mas os pecadores. Para isso ele também recorre a parábolas que revelam a beleza e o poder do reino de Deus e de seu Pai.
Chama os Doze a segui-lo, mas não hesita em repreendê-los pela falta de fé, mesmo depois do milagre da multiplicação/divisão dos pães.
As pessoas dizem que ele fez tudo bem, mas Jesus pede aos seus discípulos mais próximos uma declaração de fé pessoal, uma relação íntima com ele. Sua concepção do messias será corrigida com a perspectiva da morte por crucificação, seguida pela ressurreição. Um Messias fraco, que veio para servir e não para ser servido. Quem dará a vida por ele, que é o evangelho, encontrará a vida multiplicada nas mãos.
A Transfiguração será uma antecipação da Páscoa, um transparecer da identidade divina de Jesus também externamente, em pleno diálogo com as Escrituras de Israel e com os profetas rejeitados pelo povo.
O cego Bartimeu recupera a visão em Jericó e logo o segue na estrada, tornando-se um discípulo exemplar para os Doze que devem enfrentar o último trecho de sua jornada terrena com Jesus.
Na área do templo, ele ensina com plena autoridade a vontade original do Pai no momento da doação da Torá e, portanto, reitera o valor da indissolubilidade do casamento.
À multidão que se pendurava em seus lábios e aos escribas, Jesus revela a identidade do Pai como Deus dos vivos e não dos mortos.
Na vida de fé é preciso estar vigilante contra o inimigo que sobrecarrega a vida com realidades penúltimas ou desumanizadoras.
O ápice da vida filial do discípulo de Jesus é o amor aos inimigos.
A doação total da própria vida feita pela viúva pobre no tesouro do templo torna-se a última imagem viva do dom generoso que Jesus fará de si mesmo na morte de cruz. Jogou toda a sua vida!
A paixão revela-se "necessária" no desígnio de Deus, para que a violência humana, o pecado e a morte sejam vencidos a partir de dentro através da solidariedade redentora. Jesus de Nazaré, o crucifixo, ressuscitou e não está aqui – entre os mortos –, é anunciado às mulheres, enviadas para serem apóstolas dos apóstolos.
Os dois últimos capítulos do livro são dedicados a Jo 1,18, que recorda como o Verbo feito carne seja a explicação do Pai (exegehésato). Ele é luz, vida, Filho de Deus que comunica a vida filial a quem o acolhe na fé.
A única paixão de Jesus é o reino de Deus, ou seja, revelar o verdadeiro rosto de Deus. Não uma projeção dos desejos e dos medos dos homens, mas um Pai amoroso e misericordioso justamente para com os homens e as mulheres que mais precisam do seu amor.
Jesus é o rosto do Reino que cresce espontaneamente, com força fermentadora, sem extirpar da sua messe aqueles que, por enquanto, ainda não o acolhem em sua vida.
LUDWIG MONTI. Gesù, volto di Dio. Padova: Messaggero, 2023. 174 páginas
(Foto: Divulgação/Edizioni Messaggero)
No Posfácio (p. 149-166), Monti reproduz na íntegra algumas páginas de três mestres que cita em seu volume: J. Moingt, A. Maggi e, sobretudo, B. Maggioni.
O que tem de excepcional em Jesus não é de ordem religiosa, mas humana. Em sua humanidade, ele revela a imagem eterna do Deus invisível em cuja semelhança fomos criados e nos tornamos homens. Da sua figura humana nos é dado ver a luz de Deus refletida em cada rosto humano e podemos deixar-nos guiar por ela até Deus nos caminhos da humanidade que Jesus traçou.
A novidade do rosto do Deus cristão é, portanto, revelada pela humanidade de Jesus, insiste Maggioni. Três provas citadas: a) o Verbo de Deus se fez carne, b) quem viu Jesus viu o Pai e c) Jesus é a imagem do Deus invisível.
Em Jesus revela-se um Deus invertido e surpreendente. O evento cristológico não diz apenas o que Deus revelou de si ao homem, mas também como ele o revelou.
Todos os mistérios da vida de Jesus centram-se na sua morte e ressurreição, que é o triunfo da manifestação da natureza inesperada da glória de Deus, não o seu ocultamento. A glória do Ressuscitado é o triunfo da dedicação do Crucificado, não a sua substituição por uma glória de outra natureza.
Para revelar-se e comunicar-se, Deus escolheu o caminho da encarnação, uma profunda partilha da experiência. “Jesus não está apenas do lado do mistério de Deus diante do homem, mas também do lado do homem diante do mistério de Deus” (Maggioni, citado à p. 157).
Jesus colocou-se no centro da história, onde Deus e o homem parecem contradizer-se, transformando a contradição em revelação. “Jesus, portanto, se colocou no centro da contradição – lá onde a verdade é rejeitada e o amor derrotado e onde Deus parece ausente – e a resolveu. É por ter-se colocado ali que Cristo pode verdadeiramente ser chamado de Verbo que ilumina e convence” (Maggioni, citado à p. 158).
Jesus usou todas as funções da palavra: anúncio, ensino, denúncia, polêmica, diálogo, paradoxo, escuta, parábola, milagre, silêncio. A comunidade conservou as parábolas de Jesus com indiscutível predileção.
Também os milagres ocupam um lugar privilegiado na atenção da comunidade porque "não querem ser o sinal do que Deus pode fazer, mas de quem é ele” (Maggioni, citado à p. 159). Deus não é poder, mas amor. O silêncio que acompanha os milagres pretende aludir a qual Messias eles se ligam.
No Evangelho revela-se uma inversão: um Filho de Deus deu a vida pelo homem. Jesus compartilhou sofrimentos, morte, consequências do pecado, morte infame para mostrar até que ponto Deus ama o homem. A história de Jesus não permite ao homem construir abstratamente, fora da história, uma figura geométrica de Deus. As contradições da história, da qual a Cruz é a impressão em grande formato, revelam a figura de Deus na história.
O caminho a percorrer – sugere Maggioni citado por Monti – não parte de Deus a Cristo, nem (principalmente) do homem a Cristo, mas de Cristo a Deus e ao homem. Se partirmos da figura de Jesus e da sua história, então existe a possibilidade de que do encontro surjam questões mais amplas e mais adequadas.
A narração da história de Jesus ocorre em três níveis, um dentro do outro. O fio condutor é a figura de Jesus (pessoa e história), que procede numa alternância de sinais de poder e fraqueza (o poder de dizer que Jesus é o filho de Deus, a fraqueza de mostrar qual Filho de Deus).
No espaço de Jesus revela-se o rosto de Deus (um Deus surpreendente!) e nesse espaço revela-se também a verdade do homem e o projeto de vida ao qual é chamado. Existe uma profunda unidade entre revelação de Deus e vida humana.
Na figura de Jesus se origina uma moral muito profunda, radicada na boa nova. O hoje está continuamente presente no discurso, dentro da narração. A atualidade está na história de Jesus, na figura de Deus e do discípulo que ela revela, conclui Maggioni.
O ponto de partida não é Deus, mas Jesus, reitera Maggi nas páginas citadas por Monti. Em Jesus, como Filho do homem, plenitude da humanidade, e como Filho de Deus, manifestação visível daquele Deus que "ninguém jamais viu", em seu ensinamento e em sua prática se mostrou como um Deus inédito e insólito, desconcertante e surpreendente.
Se a antiga aliança era baseada na obediência à lei divina, a nova será baseada no acolhimento e na semelhança com o amor do Pai. “Por isso Jesus nunca pedirá aos seus a obediência, nem mesmo para obedecer a Deus, às suas leis. À obediência a Deus, Jesus opõe a semelhança ao Pai, à observância da Lei a prática do amor” (Maggi, citado à p. 165).
Jesus é a Boa Nova anunciada e vivida, que pode ser reproposta também hoje aos homens e às mulheres que buscam a plenitude da vida.
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Jesus, rosto de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU