27 Abril 2023
"Graças à autoridade e à profundidade dos especialistas chamados a intervir, tentar-se-á, finalmente, oferecer um levantamento geral, que se espera adequado, do sistema especulativo próprio do pe. Teilhard de Chardin, sem descurar importantes aprofundamentos de natureza epistemológica, antropológica (com foco na 'ecologia integral') e teológica, sobretudo no lado do diálogo inter-religioso, do qual foi um autêntico pioneiro", escreve Marco Casadei, teólogo e padre italiano e diretor do Instituto Superior de Ciências Religiosas “Alberto Marvelli”, por nomeação de Dom Matteo Zuppi, em artigo publicado por Settimana News, 17-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Teilhard de Chardin. (Foto: Reprodução Settimana News)
Se Walter Benjamin, imaginando-o como nosso contemporâneo, tivesse podido ler a Laudato si', com particular atenção ao parágrafo 83, não hesitaria em proclamar aberto o tempo de legibilidade também para as obras de P. Teilhard de Chardin [1]. Passado o inegável ostracismo eclesiástico, sofrido por causa de posições filosófico-teológicas julgadas na época não homólogas à ortodoxia magisterial, parece finalmente poder-se inaugurar uma nova temporada para o paleontólogo jesuíta.
Precedida, de fato, por algumas décadas de desarmamento entre o encastelamento doutrinário da dogmática e os preconceitos positivistas das ciências, a referida encíclica – assim como, de forma mais implícita, mas com abundância, pode ser encontrada na Evangelii gaudium e na Fratelli tutti − reúne o mérito, entre muitos outros, de se referir de forma explícita e altamente abalizada ao admirável legado teilhardiano.
Para dizer a verdade, uma divulgação mais discreta de seus vestígios já foi encontrada na linha dos pronunciamentos papais pós-conciliares, certamente em algumas reflexões de Paulo VI e Bento XVI. Até nas dobras dos grandes documentos conciliares, Gaudium et spes em primeiro lugar, não faltam referências a algumas posições inéditas do jesuíta francês, certamente por força dos seus primeiros grandes admiradores, o dominicano M.-D. Chenu e o seu coirmão H. de Lubac, que não só foi um fiel amigo e um dos mais perspicazes intérpretes do seu pensamento, mas também um ferrenho defensor dentro da própria Companhia.
A Conferência Nacional “Rumar para − Teilhard de Chardin: entre teologia, mística e ciência”, promovida pelo Instituto superior de ciências religiosas “A. Marvelli”, de Rimini e San Marino-Montefeltro, graças à colaboração da Faculdade Teológica da Emilia-Romagna (promotora do evento junto com o município de Rimini) e com o precioso apoio de algumas associações culturais, entre as quais os Centros de Estudos e Associação homônimos – meritórios na divulgação de sua obra –, deseja acolher o provocativo convite lançado por Francisco.
Graças à sua nem sequer tão velada “reabilitação” teológica, pareceu assim extremamente oportuno iniciar uma verdadeira “retratação” de todo o percurso intelectual de Teilhard, publicado na sua maioria a título póstumo e ainda pouco conhecido, sobretudo nos âmbitos de formação eclesiais/eclesiásticos.
Os elementos advindos de seu gênio como cientista jesuíta parecem ser numerosos e bastante interessantes - não o único exemplo famoso da história, para dizer a verdade. Onde um aspecto (lado científico) parece enraizar-se misteriosamente em unidade com o outro (lado crente) e "sem confusão nem separação" (Concílio de Calcedônia), no "abismo da multiplicidade potencial" (I. Calvino) que é o incomum da imaginação humana.
Vocação na/da vocação [2], a de Teilhard, que cheira a sagaz "anacronismo" ou profética "inatualidade", certamente pela época em que se desdobrou sua biografia; e de cujos traços, aparentemente antitéticos, se desenvolvem convergências inter/transdisciplinares de grande apelo e conjugações espirituais, ainda hoje surpreendentemente inexploradas.
"Rumar para" não se presta, portanto, apenas a ser um título suficientemente eficaz para a conferência a ele dedicada, mas conta de forma vivamente representativa a convergência incessante de três componentes, científica, teológica e mística, tanto na sua formação quanto no exercício de sua compreensão da realidade. Numa trama única, tecida pela instância mística - definida como "ciência das ciências" pelo conhecido e estimado paleontólogo -, a abordagem rigorosamente científica entra em fecunda aliança com a vertente filosófico-teológica mais robusta, para uma relação genuinamente exitosa entre os mais atuais legados teilhardianos, numa visão cosmo-teândrica genialmente sintetizada nas duas grandes obras O meio divino e O fenômeno humano [3].
Autodefinindo-se como um "ortodoxo que pensa como os heterodoxos" – basta pensar, como exemplo, na interpretação bastante complexa oferecida a respeito da concepção teológica do chamado "pecado das origens" – Teilhard concebe toda a sua acríbia intelectual como uma "educação do olhar", sentindo, sim, todo o peso do seu estar “no meio”, mas, no entanto, vivendo-o como singular conotação vocacional para ser ponte entre uns e outros, rumando para a verdade inteira, mas nunca sem o outro.
Graças à autoridade e à profundidade dos especialistas chamados a intervir, tentar-se-á, finalmente, oferecer um levantamento geral, que se espera adequado, do sistema especulativo próprio do pe. Teilhard de Chardin, sem descurar importantes aprofundamentos de natureza epistemológica, antropológica (com foco na “ecologia integral”) e teológica, sobretudo no lado do diálogo inter-religioso, do qual foi um autêntico pioneiro.
[1] A abertura do parágrafo tem o sabor e as características de uma síntese admirável da visão da realidade de Teilhard: "A meta do caminho do universo está na plenitude de Deus, que já foi alcançada pelo Cristo ressuscitado, fulcro da maturação universal".
[2] Poderia perfeitamente ser aplicada a Teilhard de Chardin A reflexão de Agamben sobre a tensão geradora e, como tal, constitutiva do mistério (milagroso) significado pela vocação messiânica, na perspectiva da teologia paulina. Em virtude dela, de fato, "a nulificação messiânica operada pelo hōs mē [“como não” – cf.1Cor 7,29-31] insere-se perfeitamente na klēsis [chamado/vocação], não ocorre num segundo tempo [...] nem lhe acrescenta algo. A vocação messiânica é, neste sentido, um movimento imanente – ou, se quiserem, uma zona de absoluta indiscernibilidade entre imanência e transcendência, entre este mundo e aquele” (G. Agamben, O tempo restante. Um comentário sobre a “Carta aos Romanos”, Autêntica, 2016, no original italiano p.30).
Assim, o que é revogada/desativada não é absolutamente a contingência do viver, nem, neste caso, uma ou outra das dimensões fundamentais da vocação teilhardiana mas, precisamente, o seu mútuo fechamento/impermeabilidade/justaposição: “Em virtude de ser "[re]-chamada" [...] a vocação messiânica não tem, no entanto, nenhum conteúdo específico: não é senão uma retomada das mesmas condições fáticas ou jurídicas em que ou com as quais a pessoa é chamada [...] descreve[ndo] esta imóvel dialética [...] pode aderir a qualquer condição; mas, pelo mesmo motivo, ela a revoga e questiona radicalmente no próprio ato em que a ela adere [...]. A vocação messiânica é a revogação de toda vocação [...] como uma urgência que a trabalha e a escava por dentro, a nulifica no próprio gesto em que se mantém nela, habita nela” (ibid., p. 28).
[3] Além dos dois textos indicados, respectivamente traduzidos e publicados pela editora Queriniana em 2003 e 1995, há pelo menos duas outras obras fundamentais de sua autoria: Il cuore della materia; La mia fede: scritti teologici, sempre pela Queriniana, e ambos lançados em 1993.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Teilhard de Chardin: entre teologia, mística e ciência. Artigo de Marco Casadei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU