02 Junho 2022
Em novo livro sobre antropologia teológica, o teólogo Fabrizio Rinaldi refaz as tramas para um humanismo hospitaleiro e messianicamente inspirado.
O comentário é de Marco Casadei, teólogo e padre italiano e diretor do Instituto Superior de Ciências Religiosas “Alberto Marvelli”, por nomeação de Dom Matteo Zuppi. O artigo foi publicado em Settimana News, 22-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na tentativa de recosturar as tramas para um humanismo hospitaleiro e messianicamente inspirado, o ponto de vista do Prof. Fabrizio Rinaldi, condensado em “Antropologia teologica” (Bolonha: EDB, 2022, 304 páginas), é realmente bem-vindo.
O autor, presbítero da Diocese de Modena, é atualmente professor de Teologia Sistemática na Pontifícia Universidade Gregoriana, assim como no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Modena, onde também ocupa o cargo de diretor.
A calibragem da sua proposta – ágil, densa e bem articulada – mostra-se capaz de responder à altura tanto dos desafios mais autênticos da alma humana, quanto daqueles que se configuraram no enfrentamento da dramática histórica, atravessando por inteiro e sem perplexidade os fenômenos de fragmentação e liquidação no seio das sociedades atuais.
O estilo linear e o corte nítido da sua escrita não só não prejudicam a complexidade argumentativa dessa disciplina teológica fundamental, mas se oferecem como uma valiosa mediação para as suas temáticas e em vista de um acesso mais fácil por parte de muitos potenciais leitores e leitoras.
Capa do livro Antropologia teologica de Fabrizio Rinaldi (Fonte: Divulgação)
Tudo isso, junto com inúmeras referências ao cotidiano e a exemplificações retiradas dos processos gnoseológicos ativos em outras ciências, torna o texto apetecível acima de tudo, mas não unicamente, para quem quer iniciar uma reflexão teológica séria sobre o mistério da existência humana.
Ao mesmo tempo, revela-se operante em Rinaldi uma tripla convergência muito adequada: precisão na determinação do target (ou, mais oportunamente, dos destinatários e destinatárias); clareza em relação às finalidades teológico-formativas e à urgência de perseguir os seus objetivos; consequente implementação de uma notável e dinâmica capacidade de síntese.
O estudo parece ter interceptado com sucesso algumas falhas problemáticas em torno do fenômeno humano presentes na cultura ocidental. Diante de tais evidências, o autor reage de modo construtivo, tecendo com elas proficuamente um diálogo promissor e relançando-se com confiança na direção daquelas reivindicações mais afins a elas, que circulam no seio da plurimilenar reflexão bíblica, magisterial e teológico-cristã. Mas não só isso.
Com sábia habilidade, o entrelaçamento hermenêutico proposto por Rinaldi se consubstancia também com constantes e pertinentes referências às investigações realizadas nos diversificados campos das ciências humanas – Filosofia, Psicologia, Sociologia, Pedagogia, Ecologia... só para nomear algumas das mais consideradas.
O autor declara imediatamente que quer se referir ao método teológico da “correlação”. O que ele quer dizer com isso? A referência é, sem dúvida, ao procedimento metódico idealizado por Tillich, com um eco também da matriz hegeliana (Aufhebung).
Significa que, para presidir todo o processo reflexivo, deve-se colocar um dispositivo metódico que seja capaz não só de tornar inoperante a ruptura, que paralisa e contrapõe o nível da experiência do discurso racional, mas também apto ao mesmo tempo a conservá-la, elevando-a ao nível de uma possível nova significação.
E é assim que se move o autor, sabendo pôr “em diálogo as vivências dos fiéis de hoje com as experiências de quem encontrou Jesus de Nazaré” (p. 9). Deve-se evitar um duplo risco: por um lado, o personalismo do discurso teológico, quando se perde de vista “as fontes históricas da tradição cristã” (ibid.) – Escrituras santas in primis. Por outro lado, se a experiência de quem fala e de quem escuta não for estruturalmente envolvida, tudo se reduz a mera teoria e, em pouco tempo, a mais uma versão ideológica de cunho religioso.
Nesse ponto, tentemos seguir, a título de exemplo, apenas algumas das falhas já mencionadas, levadas em consideração pela análise do autor. A primeira a aparecer conserva – a modo de epílogo no nível epistemológico – os traços característicos daquele caso que, sim, marcou profundamente a modernidade, mas cuja história afunda as suas raízes em origens filosófico-culturais bem outras.
Chamemo-la de dualismo relativo, não se referindo ao nível mais propriamente ontológico/metafísico. Pode-se entrever o seu gatilho teórico em um lapso de tempo bem específico. Corresponde ao exato momento em que o código unitário da visão bíblica, especificamente em torno do mistério do humano, entra cada vez mais estavelmente em contato com o dispositivo cultural e linguístico de cunho helenístico. Ali, historicamente, aquela “tensão não eliminável”, que caracteriza biblicamente a vida humana, é lida e restituída em termos dicotômicos – alma/corpo – pelo novo sistema de referências semânticas, deslizando para “perspectivas dualistas, que inevitavelmente acabam tornando secundário um dos dois elementos (geralmente o corpo)” (p. 15).
Dualismo que, no regime de modernidade, vê uma das suas reviravoltas mais paradigmáticas – que ainda não ficou inteiramente para trás – na justaposição irreconciliável entre os níveis natural e sobrenatural. Nesse rastro, seria possível citar outras formas de separação, examinadas transversalmente no ensaio. A partir daquelas que separam identitariamente o sujeito: por um lado, o seu incontornável ser finito e, por outro, o anseio incondicionado pelo infinito que, inextirpável, o habita. Para continuar com a versão que o divide entre ideal e real – ou seja, a dimensão individualista, em íntimo e insone contraste com a de caráter social-plural. Até tocar toda a natureza relacional da existência humana, percebida pela divisão que opõe entre si, e em todos os níveis, as instâncias da interdependência e da busca de um absoluto – por referência tanto ao transcendente quanto ao ambiente; tanto ao lado da interioridade quanto ao da alteridade...
A esse propósito, o Pe. Fabrizio relata uma recordação pessoal dele, ligada ao encontro com “uma jovem que havia lutado ativamente para conquistar a própria autonomia” (p. 237) e que havia se imposto a decisão de não querer ter dívidas com ninguém. Quando os seus amigos, ao lhe organizarem uma festa surpresa pelos seus 40 anos, expressaram toda a sua admiração “reconhecendo que ela havia conseguido se tornar uma mulher adulta e independente como sempre havia desejado”, ela sussurrou em voz baixa como realmente se sentia: “Uma mulher muito sozinha” (p. 238).
O texto do Prof. Rinaldi, enquanto observa que com “Agostinho começa a se desenvolver a ideia de dois níveis distintos na relação entre Deus e o ser humano”, não é reticente ao indicar que justamente a radicalização dessa abordagem “é o prenúncio de muitos problemas”, acabando por “reduzir a graça de Deus a algo externo à vida humana” (p. 25).
“Olhar o ser humano a partir de uma perspectiva teológica” (pp. 7-24) significa antes reconhecer com exatidão a imprescindibilidade e, portanto, a necessidade de um retorno à visão unitária original, assumindo, ao mesmo tempo, a historicidade efetiva – isto é, a história dos efeitos – daquela exegese cultural e teológica que foi aplicada sobre ela ao longo dos séculos. Por isso, junto com as mais válidas contribuições das ciências no campo da antropologia, a referência às Escrituras santas judaico-cristãs não pode deixar de ser constante e abundante. E sem mais os contornos pretextuosos do início ocasional, para um sistema teológico teorizado autonomamente alhures – mas sim aqueles epistemicamente preconizados por DV 24: “O estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia”. Na perspectiva enquadrada pelo lado epistemológico, deve-se afirmar, sem dúvida, que a tentativa elaborada pelo autor neste manual sintético é perfeitamente bem sucedida.
Uma segunda falha, insistindo mais no nível temático-conteudístico, poderia ser identificada como trama de uma ou de todas as biografias, com o seguinte título: “Uma história de liberdade – entre graça e pecado”. Indiscutivelmente, o autor segue firmemente, com atenção e convicção, o vetor da livre disposição de si que, entre o ingovernável e o mensurável, caracteriza a unicidade da existência humana.
Nesse sentido, não só do ponto de vista redacional e editorial, são centrais os capítulos reservados ao adequado posicionamento bíblico da questão, cujo traçado faz emergir sem ambiguidade que, se no projeto divino original “algo deu errado”, nem por isso “devem-se atribuir a Deus intenções malvadas”.
O mal, portanto, não vem de Deus, no máximo “deriva do mau uso da liberdade humana” (p. 53). Daí decorre, no plano existencial, um vínculo indisponível também com as regiões morais e físicas do sofrimento, cujo mistério não deixa de interrogar tanto o indivíduo quanto as ciências e as religiões. Assim, imediatamente e nos séculos vindouros (cf. capítulos III, IV – e V, VI, com um olhar atento ao decisivo eixo histórico-teológico entre Lutero e Trento), o dado escriturístico se confia a diferentes linhas interpretativas, na história da pregação e da espiritualidade cristã – nem sempre congeniais, é preciso admitir, ao resultado revelado.
Rinaldi faz menção explícita disso quando sente que é necessário fazer um esclarecimento sobre o valor redentor do sofrimento. De fato, se Deus age sempre pelo bem de cada ser humano, por meio de múltiplas mediações, o encontro com a dor, o mal e o sofrimento permanece inevitavelmente um enigma. A solução, no entanto, não reside na simplificação cínica, que pode ser resumida no ditado “Deus te deu uma cruz para carregar”, mas sim no centramento revelador que aponta na direção de um chamado livre ao incondicional do amor confiante: “Pedir a uma pessoa que ame, tanto quando é fácil como quando é difícil, é bem diferente de fazer uma pessoa sofrer deliberadamente” (pp. 62-68).
Talvez, o coração pulsante de todo o reconhecimento antropológico-teológico oferecido por Fabrizio Rinaldi resida no capítulo VII, onde não apenas convergem as diretrizes dos desdobramentos anteriores, mas, por sua vez, parecem iniciar aqueles posteriores, marcados pela conjugação cada vez mais decisiva também da dimensão escatológica, à qual o humano está existencialmente orientado (cf. capítulos VIII-XII).
Não nos é dada aqui a possibilidade de uma análise detalhada a esse respeito, mas apenas uma consideração, a modo de figura simbólica, sobre a possível “correlação” dos dois verbos escolhidos para o título: “Abandonar e encontrar o cêntuplo em Cristo” (pág. 143). No rastro, em segundo plano, de um paradigmático dito de Jesus – “quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder a própria vida por minha causa e pelo Evangelho a salvará” (Mc 8,35) – o texto propõe, acima de tudo e de modo apropriado, um exame sobre como a dimensão fundamental da liberdade pode ser entendida hoje.
Rinaldi opta oportunamente por ir na direção desse “ser-com”, apenas tocado por Heidegger, mas bem reconstruído pelos reconhecimentos ontológicos sobre o sujeito singular-plural de J.-L. Nancy (há alguns meses já no indisponível de Deus). Isto é, a liberdade passa a assumir traços inevitavelmente intersubjetivos e, no conjunto, uma figura radicalmente “comunicativa”, que evoca estruturalmente o estar-em-relação “marcado pela partilha, corresponsabilidade e reconhecimento recíproco” (p. 150).
Uma forma-de-vida assim concebida que, por um lado, se mostra como abertura espontânea “ao conceito de bem comum e ao desenvolvimento do senso de pertença” (ibid.). Por outro, a exposição incessante da sua vulnerabilidade, se não for corroborada por autênticos vínculos fraternos (e filiais, começando pelos âmbitos eclesiais), corre o risco de gerar fechamentos e sofrimentos, tanto no sentido de isolamentos e marginalizações bastante profundas, quanto no de individualismos culpados cada vez mais exasperados – também na sua versão coletiva.
Ao longo do trajeto da reflexão proposta por Rinaldi, são constantes as referências ao magistério do atual bispo de Roma, às vezes adequando oportunamente a própria forma linguística àquela decisiva de Francisco e da sua forte denúncia, pois “o pecado pode nos tornar surdos ao grito do pobre, incapazes de nos deixar tocar e provocar pelo encontro com o irmão e a irmã, acostumados a um estilo de indiferença” (p. 168).
Nesse ponto, o teólogo não pode deixar de remeter à missão e à identidade vocacionais mais próprias da Igreja, já várias vezes mencionada, sendo “uma comunidade em contínua formação, em que aqueles que acolhem esse chamado tecem entre si relações de partilha (koinonia) e serviço aos mais fracos (diaconia), expressando assim com as suas obras e palavras um louvor vivo a Deus (liturgia)” (p. 171).
Esgotados abundantemente o espaço disponível e a paciência do leitor, seja-me permitido concluir com a aposta de um slogan, a modo de síntese em torno do belo ensaio de Fabrizio Rinaldi: “Livremente juntos – chamados à vida em plenitude”.
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Imaginar o humano. Artigo de Marco Casadei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU