06 Abril 2023
Motivado também pela experiência do contato educativo dos últimos anos com pessoas de orientação homossexual, sinto pessoalmente a exigência de continuar levando em frente uma reflexão pessoal cada vez mais aberta – por um lado – ao aprofundamento científico e disponível a rever certas posições, em um espírito – no nível eclesial – verdadeiramente sinodal e, portanto, concretamente, com um estilo dialógico, tendendo a compor sensibilidades diferentes’.
A opinião é de Amedeo Cencini, padre canossiano, psicólogo e psicoterapeuta italiano, em artigo publicado por Settimana News, 31-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Neste tempo sinodal, não só de preparação, mas também já de celebração efetiva de um Sínodo sobre a Sinodalidade, multiplicam-se as iniciativas de encontros, partilhas, debate, também com uma certa provável dialética, sobre os mais diversos temas: é bom que seja assim em uma Igreja em que cada um deve fazer a sua própria contribuição, sem nenhuma exclusão.
Um deles foi a série de encontros de cerca de 50 padres diocesanos e religiosos de orientação homossexual ou bissexual, que assim “aceitaram pôr-se em jogo para contar suas vivências, suas dificuldades e suas esperanças”, como afirma o “olho” do artigo em que G. Piva relata essa iniciativa [1].
Tal reflexão ofereceu ao autor a oportunidade de evidenciar uma certa linha de tendência assumida pela Igreja nas últimas décadas, no que diz respeito à questão da homossexualidade e – ainda mais particularmente – à questão daqueles que, com orientação homossexual, pedem para ter acesso ao sacerdócio. Em suma, teríamos passado ou estaríamos passando de uma posição de rigidez para uma de abertura.
Nesse processo evolutivo – segundo o autor – eu pertenceria à primeira categoria, a dos que substancialmente fecham toda possibilidade de acesso ao ministério para quem tem esse tipo de orientação. Em defesa dessa sua avaliação, ele cita algumas de minhas considerações contidas em um artigo de 2009, comentando uma instrução vaticana de 2005 [2].
Mas ele não cita meus textos posteriores, que, progressivamente, expressaram uma abordagem diferente sobre o assunto. Sobretudo o texto de 2021, publicado como subsídio do Serviço Nacional para a Proteção dos Menores e das Pessoas Vulneráveis (SNTM), da Conferência Episcopal Italiana (CEI), intitulado “La formazione iniziale in tempo di abusi” [A formação inicial em tempos de abuso] (em colaboração com o psiquiatra S. Lassi).
A esse respeito, é preciso dizer e indicar como pressuposto que, dentro da Igreja, mas também da comunidade científica, a interpretação dada à questão homossexual tem se caracterizado por um grande número de mudanças e de reposicionamentos ocorridos em um tempo muito breve.
A adesão generalizada a algumas interpretações tem mostrado o quanto algumas abordagens do passado (até mesmo recente) eram no mínimo redutoras e incitaram a elaboração de novos modelos que levem em conta a extrema complexidade da questão homossexual. Afinal, nenhuma teoria, hoje como então, deveria se erguer ingenuamente como um ponto de chegada indiscutível.
Considero que – no âmbito da compreensão do fenômeno em nível psicológico – houve um progresso que certamente obriga a rever algumas conclusões da época. O que foi adquirido, porém, não nos autoriza a parar, como se aquelas aquisições correspondessem à meta final, como se não houvesse nada mais a compreender.
Por isso, motivado também pela experiência do contato educativo dos últimos anos com pessoas de orientação homossexual, sinto pessoalmente a exigência de continuar levando em frente uma reflexão pessoal cada vez mais aberta – por um lado – ao aprofundamento científico e disponível a rever certas posições, em um espírito – no nível eclesial – verdadeiramente sinodal e, portanto, concretamente, com um estilo dialógico, tendendo a compor sensibilidades diferentes’.
Neste momento, é preciso tentar conduzir juntos tal análise, compartilhando também o máximo possível dúvidas e pontos em aberto com atitude construtiva [3].
A partir de duas premissas mais específicas. Da admissão, acima de tudo, de que ainda temos muito a entender sobre esse assunto, visto que até hoje não existe uma teoria compartilhada sobre a homossexualidade em âmbito científico [4].
Ao mesmo tempo – e este é o segundo pressuposto – estamos cada vez mais convencidos de que a reflexão sobre a homossexualidade é de fato e sobretudo uma reflexão sobre a sexualidade tout court ou uma oportunidade preciosa para entrar cada vez mais em seu mistério.
De todo esse trabalho (como um work in progress) gostaria agora de apresentar sinteticamente apenas alguns aspectos, mostrando também como – direta ou indiretamente – inspiramos o texto já citado, editado no SNTM, pelo menos em algumas partes que mais se referem ao nosso tema, como pontos de contato com aquela cultura ou como questões ainda em aberto e sobre as quais parece oportuna uma análise ulterior.
Até algumas décadas atrás, a abordagem, no mundo eclesial, era de tipo moral, ligada a uma antropologia sexual substancialmente naturalista e que colocava em estreita correlação o ato sexual (e sua moralidade) com a fecundidade.
Tal abordagem, também no rastro da viva reflexão pós-conciliar, assumiu progressivamente ênfases personalistas, ligadas a uma antropologia sexual muito atenta também a outros aspectos, para além da fecundidade, como a união das vidas e dos afetos entre homem e mulher, do seu dom total e recíproco, na dupla dimensão de unidade e generatividade [5].
Isso levou e está levando progressivamente a captar também na relação homossexual a possibilidade de uma experiência autenticamente afetiva, com seus componentes de estabilidade e de transparência, profundidade e fidelidade, ou, em todo o caso, a ver sua moralidade também e em particular a partir desse ponto de vista mais integral.
No fundo, se a sexualidade está naturalmente conectada com a vida afetiva do indivíduo, como uma de suas formas de expressão mais altas, é justo que esta – a possibilidade de amar e de se deixar amar – seja o critério de avaliação também de uma eventual relação entre pessoas do mesmo sexo ou talvez a interrogação central e, no fim, decisiva de toda a questão.
A antropologia naturalista tendia a definir a tendência homossexual como algo “necessariamente incompleto e imaturo” ou “intrinsecamente desviante”.
No nosso texto do SNTM, esse tipo de avaliação não aparece de forma alguma. Mas se fala da chamada “gramática da sexualidade”, definindo-a como energia, e energia específica: relacional “que se abre à alteridade e à diversidade, contra toda tendência de homologação do outro, e (que) justamente por isso torna complementares as relações” [6] e fecundo o intercâmbio.
Nesse sentido, a diversidade dos corpos sempre foi lida como condição para uma correta relação sexual, quase como um símbolo dela, em uma complementaridade recíproca garantida – justamente – pela conformação somática diferente. E dentro de uma antropologia que se apresenta muito realista e aderente ao fato irrefutável da própria diversidade corporal [7]. Que faltaria no intercâmbio homossexual.
Mas não existe apenas esse tipo de diversidade, a física. De fato, pode-se observar que existem outras diferenças que essa relação respeita e promove (diversidade de sensibilidades, de talentos, de valores, de vida interior, de genialidade única e original, de visão da existência...), respeitando igualmente, portanto, a gramática da sexualidade.
São duas leituras não totalmente convergentes. Se a alteridade, em uma perspectiva personalista, é a condição da relação autêntica, como algo irredutível, por um lado, ela não pode ser assumida como evidente apenas a partir do simples dado fisiológico (como ocorre na heterossexualidade); por outro, também não pode permanecer vaga e indefinida ou apenas subjetivamente percebida, expondo-se ao risco de leituras auto-homologantes e manipuladoras.
Portanto, certamente é necessário prosseguir na reflexão, para definir melhor o sentido da alteridade relacional, suas condições e componentes, raízes e expressões, sua relação com o (sentido do) mistério do outro, o que nela educa para o respeito pela diversidade e também o quanto ela forma ao sentido do eu e do tu e das respectivas fronteiras, a relação entre identidade e pertencimento. E não só em referência à vida sexual, mas também à espiritual (Deus talvez não é o Radicaliter Aliter?).
Outro ponto a que o texto que estamos comentando prestou atenção neste tempo de abusos foi o alto número de vítimas do sexo masculino, especialmente no caso dos escândalos da Igreja estadunidense na segunda metade do século passado.
Muitas pessoas acreditaram que, então, era preciso estabelecer ligações improváveis entre homossexualidade e pedofilia. O nosso texto, a esse respeito, é muito claro: “Não existe uma correlação ou conexão direta entre pedofilia e orientação sexual por si só, em nível teórico-científico” [8]. Existem análises científicas precisas (algumas relatadas no próprio texto) que explicam a diferença, que não admite confusão, entre os dois conceitos.
Quanto ao número tão alto de vítimas masculinas pelo clero, alguns o explicam pela maior possibilidade de acesso, antigamente, para os sujeitos masculinos ao altar e a um certo tipo de relação e familiaridade com o padre [9].
Nem todos – para ser honesto – acham essa explicação suficiente, sinalizando assim a necessidade de mais investigações a esse respeito. Mas, em todo o caso, permanece a distinção precisa em nível de identidade entre as duas realidades.
Um ponto, porém, em que parece haver um acordo substancial é que o problema, mais do que a tendência em si mesma, é representado pelo modo de vivê-la (como, aliás, também no caso da tendência heterossexual). A tendência, de fato, é sentida pelo sujeito dentro de si mesmo sem tê-la escolhido, como algo que sente desde sempre e que tende a persistir; enquanto há uma certa margem de possibilidade de interpretação e ação sobre o modo de pensá-la e de realizá-la concretamente.
E aqui tocamos em um ponto nevrálgico de todo o discurso, ou seja, o papel e a incidência da formação.
Vejamos, então, pelo menos alguns aspectos desse “modo de vivê-la”.
5.1 Reconhecê-la como parte de si mesmo
Acima de tudo, trata-se de reconhecê-la em si mesmo, como uma parte de si mesmo que deve ser conscientizada e acolhida ou como um componente do mistério do próprio eu que não pode ser negado ou removido, nem carregado de sentimentos de culpa ou de indignidade.
Mas também deve ser retomada no cotejo formativo com o educador, em um diálogo franco e aberto, que caberá também ao educador favorecer, em espírito construtivo e respeitoso. O “não dito” na área sexual, seja qual for a orientação da pessoa, especialmente se por medo ou por cálculo, apenas suspende ou adia aquilo que mais tarde pode se tornar um problema e pode se tornar gravemente prejudicial ao longo do tempo [10].
5.2 Compreender sua evolução
Reconhecer a própria orientação sexual no caminho formativo inicial significa, acima de tudo, identificar sua origem e seu desenvolvimento: é diferente, de fato, sentir-se homossexual desde sempre ou a partir de uma experiência na (pré-)adolescência (mas às vezes até mesmo posterior a essas fases etárias), embora não diretamente procurada (mas sim realizada por brincadeira, por curiosidade, por imitação, por... espírito de grupo), mas depois repetida: no início sofrendo-a (às vezes até de forma grave e violenta) e depois tornando-se cada vez mais frequente e habitual.
É claro que, em alguns casos, a experiência posterior apenas mostrou e trouxe à tona algo que já estava (inconscientemente) presente, mas nem sempre é assim ou só assim, e, em todo o caso, parece possível uma tendência homossexual induzida de algum modo por eventos experienciais não determinados pela pessoa.
E isso impõe uma diferença de abordagem e de avaliação: entre algo que sempre foi percebido em si mesmo e algo que interveio apenas em certo ponto do caminho evolutivo e que pode até nem corresponder àquilo que o indivíduo queria profundamente. Não é uma consideração indiferente e pode exigir um certo aprofundamento e debate em âmbito formativo. O respeito pelo jovem e pela sua dignidade, pelo seu mistério e pela sua verdade exigem essa atenção e distinção.
É banal e potencialmente enganoso interpretar de imediato como um sinal inequívoco de homossexualidade uma simples atração nesse sentido, especialmente se ela se manifestou em uma fase evolutiva e, portanto, ainda instável da personalidade.
5.3 Da origem ao significado
Quando se fala de sexualidade, independentemente de sua orientação, é preciso sempre ir... além da própria sexualidade. Porque ela, como já ensinava a primeira psicanálise, tem duas características: a plasticidade e a ubiquidade.
Em termos concretos: uma atitude, tendência, problema... de tipo sexual ou que aparece nessa área pode nascer ou ter nascido em áreas não sexuais da personalidade; enquanto – ao contrário – qualquer problemática mais ou menos conflituosa de origem sexual pode se manifestar depois em outras áreas. No primeiro caso, a sexualidade é uma caixa de ressonância (de problemas nascidos em outro lugar), no segundo, ela se esconde atrás de falsidades.
É um pouco o aspecto enigmático (não só misterioso) da sexualidade, que impõe sempre uma grande discrição em sua análise e uma atenção que saiba ir o máximo possível além do dado imediato, além da sensação subjetiva. No interesse da própria pessoa e de sua verdade mais profunda.
De fato, as informações que chegam até nós sobre o indivíduo e sua história por meio de uma investigação correta, desde o início, sobre sua sexualidade são sempre relevantes e vão muito além da eventual definição de sua orientação, oferecendo ao mesmo tempo elementos úteis para compreendê-lo [11].
Outro ponto relevante de análise e de debate sobre o tema da homossexualidade é o relativo à admissão às ordens ou aos votos. Menciono aqui apenas alguns critérios de discernimento sobre os quais é mais perceptível uma certa mudança de atitude e é necessário continuar refletindo.
6.1 Critério fundamental: escolha livre e responsável
O objetivo visado pela formação do celibatário para o reino dos céus no âmbito afetivo-sexual, seja qual for sua orientação sexual, é – positivamente – a capacidade de escolher o celibato livre e responsavelmente, algo nada simples e automático, uma vez que se verificou a genuinidade da opção sacerdotal.
Ora, a escolha é livre quando – novamente – não é motivada por medo ou cálculo, mas pela atração por um valor/ideal que o chamado descobriu e sente importante e precioso, algo verdadeiro-belo-bom em si mesmo e que torna sua vida verdadeira-bela-boa, e não só para si, mas também para os outros na Igreja [12].
A escolha é responsável quando o sujeito está em condições de viver essa opção com a renúncia e as consequências que ela implica. Ou seja, no caso do celibatário, quando a atração dá força para renunciar a outra coisa, que o sujeito também sente coo desejável e não má em si mesma, mas não a ponto de considerá-la indispensável – irrenunciável para ser ele mesmo e se realizar em sua verdade, como pode ser o exercício do instinto genital, em sentido tanto heterossexual quanto homossexual.
De fato, o mesmo tipo de renúncia, embora com uma referência diferente, é exigido tanto da pessoa heterossexual quanto da homossexual. O que obviamente não significa renunciar à amizade, à relação de uma certa intensidade, ao envolvimento emocional, ao gosto de querer bem e de se deixar querer bem.
6.2 Tensão de renúncia, não de frustração
Há um critério que revela essa feliz combinação entre escolha e renúncia (com a atração que funciona como motor), a saber, o de uma substancial paz interior, que torna a pessoa serena, embora com a necessária vigilância e uma tensão inevitável. Tensão que será vivida como suportável, de tal forma que pode ser enfrentada pelo indivíduo, justamente em virtude do tesouro que o atrai ou do motivo positivo que o impulsiona; como um “não” a algo que, na realidade, esconde ou é consequência de um “sim” a outra coisa.
Será a clássica tensão de renúncia, ligada àquela renúncia que é parte normal e insuprimível de toda escolha e que é um critério positivo de discernimento. Esse tipo de tensão, de fato, indica substancialmente a liberdade do sujeito em relação às suas próprias atrações instintivas, como capacidade de geri-las.
É diferente a tensão negativa, a de frustração [13], determinada pela sensação de não conseguir realizar um aspecto que o indivíduo sente ser (demasiadamente) importante sobre si mesmo. Essa sensação torna a renúncia excessivamente pesada, menos livre e ainda menos gerível pelo sujeito, criando nele uma tensão com a qual será complexo conviver e que poderá levar, em longo prazo, à busca de compensações, senão de uma vida dupla. Com provável infelicidade futura.
Não se trata – como se vê – de uma questão moral ou de pura capacidade de controle comportamental (com os resultados moralistas ou voluntaristas que conhecemos), mas de verificar se alguém é livre e será feliz na escolha que está fazendo. Independentemente da orientação sexual.
Com efeito, é óbvio que essa mesma tensão de renúncia, com a paz interior que envolve e a liberdade que exprime, é um critério de discernimento para quem faz a escolha do celibato pelo reino. A pessoa deve viver com alegria a própria escolha, não com sentimento de frustração!
6.3 Integração da tendência no projeto vocacional
Esse terceiro critério expressa uma atitude diferente em relação ao passado. De fato, é um critério positivo, porque provoca explicitamente o chamado a ver como viver o que sente em si mesmo, no nível da própria afetividade e não só, a serviço de seu chamado ao sacerdócio, e não, portanto, como um obstáculo, mas como uma potencialidade.
Isso significa – por um lado – a objetividade de um ponto de referência final, de um objetivo que regule o estilo de vida, especialmente o estilo relacional, e as escolhas da pessoa; e – por outro – a coragem de viver a própria realidade pessoal em sua totalidade, também no que diz respeito à própria orientação, em função do ministério escolhido, com criatividade e originalidade.
Como dizíamos no início desta reflexão, ainda que a orientação homossexual indique e expresse a energia afetiva e, portanto, a capacidade de amizade, de vínculos intensos, de empatia e de participação emocional na vida do outro, de amor dado e recebido… pois bem, tudo isso deve ser vivido e certamente purificado de toda regurgitação autorreferencial ou de toda seletividade relacional que acabaria por excluir e fazer preferências, mas não pode ser posto entre parênteses ou negado; pelo contrário, deve ser integrado ao próprio projeto sacerdotal, porque ele mesmo é totalmente construído sobre o amor, para com todos e todas, sem exclusões.
A discussão aqui é muito delicada e certamente ainda precisa de esclarecimentos e aprofundamentos. Mas acho que é significativa essa mudança de perspectiva. Por isso, o subsídio diz, a esse respeito, para “discernir com muito rigor” essa possibilidade de integração, acrescentando: “sem assumi-la como evidente” [14], porque não é nada evidente (ou seja, nem pacífico nem espontâneo) viver autenticamente a sexualidade em um projeto celibatário. E é claro que o discernimento com o heterossexual deve ser feito com o mesmo rigor.
6.4 Não isolar a orientação em si, mas lê-la no quadro global da personalidade
Finalmente, uma indicação relevante para quem deve realizar o discernimento vem novamente do texto que estou apresentando, a de “não isolar a tendência em si mesma, desvinculando-a do conjunto da personalidade, nem discernir a autenticidade vocacional a partir unicamente da própria tendência (como se fosse o elemento decisivo), mas – ao contrário – captar seu significado no quadro global da personalidade do jovem” [15].
Porque, como dissemos, mais importante e decisivo do que a própria tendência é o modo de vivê-la e, portanto, o equilíbrio geral da pessoa em tomar consciência dela, em aceitá-la como parte de si mesmo, em geri-la com suficiente liberdade e serenidade, e, em particular, como acabamos de sublinhar, em integrá-la com a natureza e os objetivos da vocação presbiteral [16].
Por isso, é necessário e inteligente ver outras vozes correlacionadas direta ou indiretamente com a própria tendência e que permitiriam vivê-la de forma autêntica, como vários âmbitos de maturidade e sensibilidade: do relacional ao espiritual, da liberdade de autodescentralização horizontal (= colocar o outro no centro da minha vida) à vertical (= colocar Deus no centro da relação com o outro), do sentido do mistério e da sacralidade do tu ao respeito pela fraqueza e minoridade alheias...
Só então é que o discernimento é possível e pode esperar ser verdadeiro. Obviamente, será tanto mais objetivo quanto mais todo o caminho formativo for subjetivo, sobre a pessoa, e trabalhar sobre esses pontos, que – como indicamos reiteradamente – dizem respeito em boa parte ao caminho normal do chamado à liberdade e à maturidade afetivo-sexual.
1. G. Piva, Cammino sinodale – LGBT+: con tutto il cuore. Da dove nasce il documento dei 50 sacerdoti omo-bisessuali, in “Il Regno – Attualità”, 4 (2023), 78-80.
2. Trata-se do texto da Congregação para a Educação Católica de 2005, “Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao seminário e às ordens sacras”; depois confirmada e reiterada nas várias Ratios sobre a formação nos seminários até 2016.
3. No artigo em questão, o autor – considerando apenas a minha posição em 2009 – me contrapõe a S. Guarinelli e C. D’Urbano, que são meus caríssimos amigos e também colegas de trabalho, e com os quais frequentemente compartilhamos este caminho de reflexão.
4. Hipóteses teóricas, sim, existem algumas, mas ainda discretamente distantes de uma teoria compartilhada.
5. M. Faggioni evidenciou isso muito bem no recente congresso sobre “Jovens, afetividade, identidade”, organizado pela Universidade Salesiana em 11 de março de 2023, em sua conferência: “Identidade de gênero e orientação sexual: questões éticas discutidas”.
6. Ibid., 36.
7. Veja-se nesse sentido as esclarecedoras catequeses sobre a teologia do corpo e do amor humano de São João Paulo II de novembro de 1979 a novembro de 1984.
8. Serviço Nacional para a Proteção dos Menores (CEI), La formazione iniziale in tempo di abusi, Roma 2021, p. 46.
9. A clara distinção entre abusos sexuais de menores e pedofilia também permite compreender que esta última responde apenas por uma parte dos próprios abusos, enquanto uma parte relevante pode ser remetida a outras problemáticas, incluindo a imaturidade psicoafetiva. Esta última se alimenta de fatores contextuais, como os descritos acima e, portanto, pode resultar em comportamentos abusivos.
10. Cf. Ibid., 47.
11. Por isso, o documento que estamos considerando recomenda uma atenção à “origem” da tendência homossexual e a “seu significado no quadro global da personalidade do chamado” (cf. La formazione iniziale..., 47), assim como ser bom fazer, em geral, para a história ou a evolução psicogenética da sexualidade de qualquer pessoa.
12. É a lógica evangélica do tesouro encontrado no campo, cf. Mt 13,44-46.
13. De fato, é assim que se chama: tensão de frustração, para contrastá-la com a tensão de renúncia.
14. La formazione iniziale..., 47.
15. Ibid., 116, nota 134.
16. Faz sempre parte da concepção personalista pensar uma realidade tão significativa como a sexualidade para além das generalizações definitivas e de sua própria orientação como algo que cada pessoa vive dentro de seu desenvolvimento geral e dentro de sua própria identidade, com aspectos únicos e irrepetíveis.
Eis, finalmente, o artigo que queríamos ler de Cencini!!!! Estou realmente muito contente e satisfeito, caro Amedeo! Você me diz que, além de seus artigos de 2009, não cito textos seus sobre o assunto que mostrem a evolução de seu pensamento... Sinceramente, eu os procurei, mas não encontrei. Por outro lado, não queria mesmo citar o subsídio do Serviço Nacional para a Proteção dos Menores e das Pessoas Vulneráveis (SNTM), da CEI: é possível tratar da homossexualidade apenas em referência à pedofilia? Por outro lado, é apenas esse o seu “novo” texto que você cita. Mas não importa! O importante é que você reconhece neste novo artigo sua mudança de posição: de uma antropologia naturalista que tendia a definir a tendência homossexual como algo “necessariamente incompleto e imaturo” ou “intrinsecamente desviante” (sua posição de 2009) para uma antropologia personalista da relação. Essa sua passagem é muito importante! Quantos padres e seminaristas devastados eu acompanhei, que sofreram de seus formadores o seu ideal de uma atitude “egodistônica” em relação à sua orientação. Muito obrigado, caro Amedeo! Os meus e os seus amigos e colaboradores, Chiara D’Urbano e Stefano Guarinelli certamente lhe agradecem por esse seu artigo que, sinceramente, eu também assinaria! Só uma observação: no artigo, você ainda se refere – de forma mais nuançada – àquela que antigamente você chamava de “homossexualidade não estrutural”. Também compartilho de sua perspectiva, na medida em que, porém, se possa e se deva falar também de “heterossexualidade não estrutural”: uma “tendência heterossexual” (aqui o termo é apropriado), de caráter defensivo, de alguma forma induzida por eventos experienciais não determinados pela pessoa, como por exemplo um forte estigma social contra a orientação homossexual. Seria interessante falar sobre isso... Neste ponto, realmente não vejo a hora de lhe convidar para os nossos cursos de formação para agentes de pastoral com pessoas LGBT+, nos quais Chiara e o Pe. Stefano colaboraram, talvez para falar sobre a próxima Ratio Nationalis para os seminários que a CEI está prestes a aprovar!
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Formação presbiteral e homossexualidade. Artigo de Amedeo Cencini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU