13 Março 2023
Começou a contagem regressiva para a primeira das duas assembleias do Sínodo dos Bispos de olho no futuro da Igreja Católica.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University. O artigo foi publicado em La Croix International, 09-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os próximos seis meses provavelmente serão uma estrada esburacada no caminho para Roma, onde a primeira das duas assembleias sinodais sobre a sinodalidade ocorrerá em outubro próximo. Esse encontro e um segundo em outubro de 2024 são o ponto culminante do caminho sinodal no qual o Papa Francisco lançou a Igreja Católica no fim de 2021.
As várias Igrejas de todo o mundo experimentaram o processo sinodal de maneiras muito diferentes devido às suas distintas características nacionais e continentais. Mas também houve dessemelhanças, até mesmo dentro da mesma nação. Questões importantes que os católicos desejam abordar há muito tempo surgirão de uma forma ou de outra na assembleia do Sínodo em Roma. Isso será feito com expectativas diferentes, senão divergentes.
Em alguns lugares, os católicos são menos pacientes do que em outros. Curiosamente, muitos bispos parecem até mais temerosos e preocupados em relação àquilo que os católicos de outros países (especialmente a Alemanha) poderão fazer em resposta ao Sínodo do que com aquilo que pode vir de Roma durante ou após as duas assembleias. Esse é um notável sinal dos nossos tempos eclesiais.
A sinodalidade se baseia em regras e procedimentos que estão agora em um estágio de transição, em processo de serem estabelecidos e experimentados. A tradição teológica e magisterial sobre a sinodalidade está sendo remodelada debaixo dos nossos olhos. A sinodalidade hoje não pode ser uma cópia idêntica da sinodalidade como era na Igreja primitiva.
Este momento está nos mostrando a plasticidade que existe nas formas eclesiais e eclesiásticas do único sujeito da Igreja. É por isso que a abordagem a este momento requer uma sabedoria não escrita para uma conversão sinodal que deve enfrentar vários obstáculos.
Aqui, pretendo propor cinco deles, no esforço de desenvolver uma sabedoria sinodal. Mas, primeiro uma palavra de cautela: estamos em uma longa jornada; a sinodalidade não será um acordo selado depois de outubro de 2024.
Há um verdadeiro desafio em ser uma Igreja sinodal no nosso atual clima de hiperpolarização. A mentalidade bipartidária tornou-se parte do DNA cultural, em que tudo é uma competição ou uma escolha entre duas – e apenas duas – opções mutuamente excludentes e em que cada lado é tentado a excomungar o outro e a derrotá-lo.
Nos Estados Unidos, por exemplo, isso levou à formação de dois partidos eclesiais que espelham o sistema político bipartidário do país – não apenas na formação de orientações sobre questões sociais e culturais, mas também em termos de estilo de comunicação, de ética em relação ao pertencimento e à relação com o outro lado. Isso criou um instinto quase automático de falar com o outro lado como um grupo diferente, em vez de falar com aqueles que – embora não concordem com você – fazem parte da mesma família mesmo assim.
Desmantelar essa forma partidária de entender a sinodalidade é importante em um momento em que ouvir a voz do povo trará consequências para os representantes do Sínodo. Como nunca antes, os membros da assembleia sinodal terão uma espécie de mandato eclesial precisamente porque o período de escuta agora é muito central para o processo.
Infelizmente, os céticos costumam ver a sinodalidade apenas como outro exemplo de uma “Igreja da papelada”. Ou seja, como um exercício que acaba produzindo documentos que irão alimentar um aparato eclesiástico burocrático, mas que não têm nenhum impacto (ou talvez apenas negativo) na vida espiritual dos católicos.
Por isso, é extremamente importante ver a sinodalidade no contexto da Igreja como “hospital de campanha”, para usar a comovente imagem do Papa Francisco (fui lembrado disso recentemente no 40º aniversário do episódio final da série de TV estadunidense “Mash”, sobre cirurgiões do Exército que tentam salvar vidas, enquanto se agarram à sua própria sanidade, em um hospital militar móvel durante a Guerra da Coreia).
A sinodalidade é redescobrir a experiência interpessoal e relacional da fé cristã, em que a cura nunca é apenas a aplicação de procedimentos e de protocolos, mas sempre tem um rosto humano. A sinodalidade na Igreja como hospital de campanha é um antídoto contra a tentação do cristianismo sem vida e sem contato.
A sinodalidade é um lento processo comunitário e espiritual que requer paciência. Ela desafia os hábitos e as expectativas no nosso horizonte, assim como nossas expectativas eclesiais. Vivemos em uma “sociedade do espetáculo”, que enfatiza o “evento inovador” ou a “mudança de paradigma” a cada momento, e em que cada eleição é “a eleição mais importante da nossa história”.
Mas a sinodalidade não é o drama que coloca no centro o indivíduo, o “homo faber” ou o tomador de decisões prometeicas que viram sua fortuna de cabeça para baixo. A sinodalidade também não é mais uma evidência da tragédia teológica do catolicismo moderno; isto é, a impossibilidade da reforma da Igreja, do destino inevitável e inescapável rumo ao declínio.
A sinodalidade certamente terá que encontrar uma forma estrutural para favorecer novos modos de participação. Mas não se trata apenas de criar novas estruturas. Em algumas Igrejas, a decisão de reavivar (ou de dar origem pela primeira vez a) estruturas de participação que já deveriam existir – como os conselhos pastorais paroquiais e diocesanos, por exemplo – seria um evento sinodal.
Em muitos lugares, isso seria como descobrir o Vaticano II pela primeira vez (ou começar uma recepção do Vaticano II interrompida há muitos anos). Não seria simplesmente aplicar estruturas que foram criadas há quase 60 anos para os dias de hoje. Pelo contrário, significaria vivê-los de uma maneira diferente.
Esse é provavelmente o obstáculo mais difícil e impopular de todos. Há questões que devem estar muito presentes no processo sinodal, como a participação das mulheres em novos papéis na vida da Igreja e as consequências da crise dos abusos.
Mas também há questões que podem ser mais bem abordadas ao serem adiadas, especialmente aquelas que não requerem uma nova legislação ou não se elevam ao nível das decisões doutrinais.
A sinodalidade tem uma longa história na tradição cristã, mas é uma história cheia de interrupções, contornos e desvios. O atual processo sinodal é, por sua natureza, experimental. Se as nossas comunidades locais desenvolverem um modo de ser mais sinodal, é uma energia que a Igreja – isto é, o povo de Deus, assim como a Igreja institucional – não abrirá mão.
Existem os momentos sinodais propriamente ditos, mas existem também eventos “perissinodais”, que podem contribuir com o Sínodo sem que precisem ser sancionados pela hierarquia da Igreja.
Após a realização das assembleias do Sínodo, a Igreja Católica provavelmente parecerá menos monárquica e mais sinodal. No entanto, uma estrutura hierárquica continuará existindo. É importante lembrar que a experiência vivida por muitos católicos não está e não estará envolvida no processo sinodal. E isso é bom: ninguém deve desejar um jacobinismo sinodal.
Parafraseando aquilo que o Papa Francisco disse sobre a santidade na Gaudete et exsultate, também há a “classe média da sinodalidade”. Se tivéssemos que apostar a nossa permanência ou a nossa saída da Igreja Católica sobre o resultado desse processo sinodal de dois anos, isso seria um
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Todos os caminhos levam... ao Sínodo de Roma: um pouco de sabedoria sinodal. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU