A entrevista é de Paolo Rodari, publicada por Vatican News e reproduzida por Religión Digital, 10-03-2023.
A Casa Santa Marta, onde vive Francisco. As portas estão abertas para RSI, rádio e televisão suíça de língua italiana, para uma entrevista com o papa dedicada ao décimo aniversário de seu pontificado e a partir da noite de domingo, 12 de março, disponível na íntegra aqui.
Francisco não pensa em renunciar, mas explica o que o levaria finalmente a fazê-lo: "Um cansaço que não te faz ver as coisas com clareza. Uma falta de clareza, de saber avaliar as situações". Faz dez anos que não mora em Buenos Aires. Daquela época ele sente falta de 'andar, descer a rua'. Mas está bem em Roma, "uma cidade única", embora não esteja isento de preocupações. Estamos "em uma guerra mundial", diz ele. Começou em partes e agora ninguém pode dizer que não é global. Porque as grandes potências estão emaranhadas. E o campo de batalha é a Ucrânia. O mundo inteiro está lutando lá". O papa diz que Putin sabe que gostaria de se encontrar com ele, "mas existem todos os interesses imperiais, não apenas o império russo, mas outros impérios".
Santo Padre, nestes dez anos, quanto mudou?
Sou velho. Tenho menos resistência física, a lesão no joelho foi uma humilhação física, embora já esteja cicatrizando bem.
Estar em uma cadeira de rodas afetou você?
Eu estava um pouco envergonhado.
Muitos o descrevem como o papa dos últimos. Você se sente assim?
É verdade que tenho preferência pelos descartados, mas isso não significa que descarto os outros. Os pobres são os favoritos de Jesus. Mas Jesus não manda embora os ricos.
Jesus pede que alguém seja levado à sua mesa. O que significa isto?
Significa que ninguém está excluído. Como a festa não chegava, disse-lhes que fossem à encruzilhada e chamassem a todos, doentes, bons e maus, pequenos e grandes, ricos e pobres, todos. Não devemos esquecer isto: a Igreja não é uma casa para alguns, não é seletiva. O santo povo fiel de Deus é este: todos.
Por que algumas pessoas se sentem excluídas da Igreja por causa de suas condições de vida?
O pecado está sempre presente. Há homens da Igreja, mulheres da Igreja, que se distanciam. E isso é um pouco da vaidade do mundo, se sentir mais justo que os outros, mas não está certo. Somos todos pecadores. Na hora da verdade, coloque a sua verdade sobre a mesa e verá que é um pecador.
Como você imagina o momento da verdade, a vida após a morte?
Eu não posso imaginar. Não sei como será. Só peço à Virgem que esteja comigo.
Por que você escolheu morar na Casa Santa Marta?
Dois dias depois da eleição fui tomar posse do Palácio Apostólico. Não é tão chique. É bem feito, mas é enorme. A sensação que tive foi como um funil virado de cabeça para baixo. Psicologicamente eu não posso tolerar isso. Por acaso passei em frente ao quarto onde moro. E eu disse: 'Vou ficar aqui'. É um hotel, são quarenta pessoas que trabalham na cúria. E as pessoas vêm de todos os lugares.
Você sente falta de algo da sua vida anterior?
Caminhar, descer a rua. Eu andava muito. Usei o metrô, o ônibus, sempre com gente.
O que você acha da Europa?
Neste momento tem tantos políticos, chefes de governo ou jovens ministros. Eu sempre digo a eles: conversem uns com os outros. Aquele é da esquerda, você é da direita, mas os dois são jovens, conversem. É tempo de diálogo entre os jovens.
O que traz um papa quase do fim do mundo?
Lembro-me de algo que escreveu a filósofa argentina Amelia Podetti: a realidade vê-se melhor dos extremos do que do centro. À distância, entende-se a universalidade. É um princípio social, filosófico e político.
O que você lembra dos meses de confinamento, de sua oração solitária na Praça São Pedro?
Chovia e não havia ninguém. Eu senti que o Senhor estava lá. Era algo que o Senhor queria nos fazer entender a tragédia, a solidão, a escuridão, a peste.
Existem várias guerras no mundo. Por que é difícil entender o drama?
Em pouco mais de cem anos houve três guerras mundiais: a de 14-18, a de 39-45 e esta, que é uma guerra mundial. Começou aos pedaços e agora ninguém pode dizer que não é global. Todas as grandes potências estão envolvidas nisso. O campo de batalha é a Ucrânia. Todo mundo luta lá. Isso me faz pensar na indústria de armas. Um técnico me disse: se as armas não fossem fabricadas por um ano, o problema da fome no mundo estaria resolvido. É um mercado. Guerras são travadas, velhas armas são vendidas, novas são testadas.
Antes do conflito na Ucrânia, ele se encontrou várias vezes com Putin. Se você o conhecesse hoje, o que diria?
Eu falaria com ele com a mesma clareza com que falo em público. Ele é um homem educado. No segundo dia da guerra, fui à embaixada russa na Santa Sé para dizer que estava pronto para ir a Moscou se Putin me desse uma janela para negociar. Lavrov me escreveu agradecendo, mas agora não é o momento. Putin sabe que estou disponível. Mas há interesses imperiais lá, não apenas do império russo, mas de outros impérios. É próprio do império colocar as nações em segundo plano.
Que outras guerras você considera mais próximas?
O conflito do Iêmen, a Síria, os pobres Rohingya de Mianmar. Por que esse sofrimento? Guerras machucam. Não há espírito de Deus. Não acredito em guerras santas.
Você costuma falar de charlatanismo. Por quê?
O charlatanismo destrói a convivência, a família. É uma doença oculta. É a peste.
Como foram os dez anos de Bento XVI na Mater Ecclesiae?
Bem, ele é um homem de Deus, eu o amo muito. A última vez que o vi foi no Natal. Ele mal conseguia falar. Ele falou baixo, baixo. Eles precisavam traduzir suas palavras. Ele estava lúcido. Ele fez perguntas: como é isso? E esse problema aí? Eu estava em dia com tudo. Foi um prazer falar com ele. Pedi-lhe opiniões. Ele deu sua opinião, mas sempre equilibrado, positivo, um homem sábio. Da última vez, porém, parecia que estava no fim.
As exéquias fúnebres foram sóbrias. Por quê?
Os cerimonialistas "quebraram a cabeça" para realizar o funeral de um papa não reinante. Foi difícil fazer a diferença. Agora eu lhes disse para estudar a cerimônia fúnebre dos futuros papas, de todos os papas. Eles estão estudando e também simplificando um pouco as coisas, tirando coisas que não precisam liturgicamente.
O Papa Bento XVI abriu o caminho para a renúncia. Você disse que é uma possibilidade, mas que no momento não está contemplando isso. O que pode levar você a pedir demissão no futuro?
Um cansaço que não te faz ver as coisas com clareza. Falta de clareza, de saber avaliar as situações. Talvez também um problema físico. Sempre pergunto sobre isso e me deixo aconselhar. Como vão as coisas? Parece-lhe que devo... a pessoas que me conhecem, até a alguns cardeais inteligentes. E eles me dizem a verdade: está indo bem. Mas por favor: grite na hora.
Quando você cumprimenta, você pede a todos que orem por você. Por quê?
Tenho certeza que todos rezam. Aos não crentes digo: rezem por mim e se não rezarem me enviem boas energias. Um amigo ateu me escreve: ...e mando boas energias. É uma forma pagã de rezar, mas é um amor. E amar o outro é uma oração.