23 Fevereiro 2023
"Em todo caso entre acusações e recriminações mútuas, em plena guerra da Ucrânia explode de novo o medo de que o mundo volte a cair em uma tremenda incerteza no setor das armas nucleares", escreve Alberto Negri, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 22-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quando Putin anunciou ontem a suspensão (não a retirada) do tratado New Start sobre a limitação de armas nucleares recomeçou a corrida do Relógio do Juízo Final, o relógio do apocalipse dos cientistas atômicos que em janeiro deste ano já havia sido regulado em 90 segundos para a meia-noite, o pior valor de todos os tempos, nunca alcançado nem mesmo durante a Guerra Fria. A maior distância do apocalipse, 17 minutos para a meia-noite, havia sido fixado quando em 1991 foi assinado por Bush pai e Gorbachev o primeiro tratado Start.
A suspensão por parte da Rússia do acordo New Start é alarmante porque só havia sobrado isso do importante tratado bilateral sobre desarmamento nuclear entre Washington e Moscou que, sobre o controle de armamentos, ainda nos tempos da União Soviética nos encontros entre Reagan e Gorbachev na década de 1980, haviam estabelecido relações construtivas que levaram ao fim da Guerra Fria.
É bastante significativo recordar neste momento crítico a retirada, decidida em 2019 por Donald Trump, dos Estados Unidos pelo tratado INF, para limitar os mísseis terrestres de médio alcance assinado justamente por Gorbachev e Reagan em 1987.
O novo tratado Start (Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas) havia sido assinado em Praga em 8 de abril 2010 pelo presidente estadunidense Barack Obama e pelo russo Dmitri Medvedev. Entrou em vigor em 5 fevereiro de 2011, foi prorrogado pela primeira vez por 5 anos em fevereiro de 2016 e pela segunda vez em fevereiro 2021 com prazo previsto para 2026. O New Start visa reduzir as armas nucleares estratégicas e estabeleceu um limite de 1.550 ogivas nucleares montadas tanto em mísseis balísticos intercontinentais (ICBM), submarinos e bombardeiros. De fato, as ogivas foram reduzidas em 30% em relação ao tratado anterior (Moscou 2002).
Por que Putin tomou essa decisão? O czar acusou não apenas os EUA, mas também a OTAN de não ter colaborado na implementação do acordo Start. Nesta altura – declarou - sou obrigado anunciar que a Rússia está suspendendo sua participação no tratado de armas ofensivas estratégicas".
Na verdade, no dia 21 de agosto foi a Rússia quem bloqueou as verificações previstas no acordo enquanto Moscou reclamava – com ou sem razão – que suas equipes de inspeção nos Estados Unidos estavam encontrando dificuldades cada vez maiores devido às sanções. Com base no New Start as duas potências nucleares podem, de fato, realizar inspeções nos arsenais do outro. “A Rússia não respeita as obrigações do New Start que preveem inspeções nos seus territórios” – havia denunciado em janeiro um porta-voz do Departamento de Estado – a recusa da Rússia impede que os Estados Unidos exerçam importantes direitos estabelecidos pelo tratado e ameaça a eficácia do controle de armas nucleares”.
Em todo caso entre acusações e recriminações mútuas, em plena guerra da Ucrânia explode de novo o medo de que o mundo volte a cair em uma tremenda incerteza no setor das armas nucleares. Além disso, o embate sobre o tratado Start também inflama a corrida nuclear hoje agravada, em comparação a meio século atrás durante a Guerra Fria, pelos "progressos" tecnológicos e também por novos fatores como a China e as potências nucleares regionais (Israel, Irã, Coreia do Norte, Índia, Paquistão) que complica ainda mais a equação.
Mas isso não é tudo. Não são apenas as armas nucleares estratégicas que preocupam. Durante a guerra na Ucrânia falou-se de armas menos potentes, definidas como táticas. Esses dispositivos são pensados para serem usados no campo de batalha e destruir objetivos em uma área limitada. Muitas dessas ogivas, contudo, são ainda mais destrutivas do que a bomba lançada sobre Hiroshima pelos Estados Unidos. Os mísseis nucleares táticos geralmente variam em potência de um a cinquenta quilotons e têm efeitos devastadores em áreas de cerca de cinco quilômetros quadrados. Mas de acordo com os especialistas um ataque com armas atômicas táticas não traria nenhuma vantagem militar e exporia a Rússia a graves represálias.
“Uma coisa é certa, o risco nuclear existe - diz Paolo Cotta-Ramusino secretário de Pugwash, organização dos cientistas para o desarmamento - e mesmo que fosse apenas 5-10% eu não arriscaria tentar testá-lo". Só se pode concordar.
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New Start suspenso por Moscou, retorna o medo do apocalipse nuclear. Artigo de Alberto Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU