25 Janeiro 2023
“Todo o pensamento de Bergoglio é um pensamento de reconciliação. Não um pensamento ‘irênico’, otimista, ingenuamente progressista, mas, ao contrário, um pensamento dramático, ‘tensionador’". Assim, Massimo Borghesi analisa uma questão específica e decisiva para compreender o pensamento do Papa Francisco e suas consequências em perspectiva pedagógica e pastoral.
A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 21-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Parte exatamente disso o Focus "As fontes do pensamento do Papa Francisco e sua pedagogia implícita", publicado na edição n. 3/2022 da revista Studia patavina como primeiro resultado de uma pesquisa mais ampla realizada por um grupo de pedagogos e um teólogo do Instituto Universitário Salesiano de Veneza com o objetivo de investigar as fontes e perspectivas pedagógicas do pensamento do Papa Bergoglio.
“Jorge Mario Bergoglio não é um pedagogista - explica Andrea Pozzobon, docente do IUSVE e coordenadora do estudo - mas seu pensamento (antes e depois de 13 de março de 2013) questiona profundamente a educação tanto implicitamente, através de cada intervenção de caráter antropológico, espiritual, sociopolítico, pastoral… quanto explicitamente através do lançamento do Pacto Educacional Global quanto de outros discursos sobre educação”.
Para dar forma coerente aos efeitos educativos do pensamento do pontífice é necessário ir às fontes, entre as quais se destacam: a fonte europeia, atribuível ao pensamento de alguns jesuítas franceses, em particular Gaston Fessard, Henri de Lubac e Michel de Certeau, ligada à centralidade da figura de Romano Guardini; a espiritualidade inaciana; a filosofia sul-americana (Alberto Methol Ferré, Amelia Podetti) e em particular a teologia do povo (Lucio Gera, Rafael Tello, Juan Carlos Scannone).
A etapa seguinte é a exploração dos possíveis vínculos com o pensamento pedagógico (em particular com o de Paulo Freire e com os principais expoentes do personalismo dialógico: Martin Buber, Johann Heinrich Pestalozzi) e cultural em geral (Zygmunt Bauman e Edgar Morin).
Retomando o "tom" dado por Borghesi, Pozzobon acentua o fato de que o pensamento bergogliano é um pensamento inervado por uma dialética polar que caracteriza uma abordagem do concreto vivo como espaço a ser habitado e não a ser resolvido.
O encontro de Bergoglio com a oposição polar de Romano Guardini, nos anos 80 do século passado, dá maturidade e estabilidade a uma abordagem que, na realidade, o futuro pontífice encontra em todas as suas principais fontes.
“Os inúmeros pares polares espalhados nos discursos do Papa Francisco – explica Pozzobon – são um dos estímulos mais fecundos para a reflexão e prática educativa e pastoral. Listo apenas algumas: plenitude-limite, ideia-realidade, globalização-localização (ou universal-particular), graça-liberdade, novidade-continuidade, presença-ausência, parúsia-empenho no mundo, teoria-práxis, divino-humano, espírito-corpo, comunhão-instituição, inteligência-afeto, imanência-transcendência, contemplação-ação, doçura-força, primado-colegialidade, masculino-feminino, passado-presente, pastoral-teologia, homem-natureza”.
Em particular, a polaridade pessoa-comunidade aparece central no discurso educativo na articulação entre pessoa, família, grupo, comunidade, sociedade: “Essa polaridade expressa a raiz relacional e social da abordagem antropológica do Papa Francisco, enraizada em dois mistérios-chave da fé cristã, a Trindade e a Encarnação, e explica a sua insistência na cultura do diálogo e do encontro”.
Afinal, a própria ideia de educação “revoca uma tensão polar entre os termos educare e educere que, ao evidenciar as diferentes nuances do ato educativo, contribuem para evidenciar a sua riqueza. E fato, o verbo educare lembra a dimensão de guia do educador, enquanto o educere está mais centrada na centralidade do educando que, acolhido pelo educador, é facilitado para se apropriar da verdade”.
O Focus de Studia patavina se abre com uma intervenção de Massimo Borghesi (Universidade de Perugia) que acompanha o leitor no percurso histórico e intelectual de Jorge Mario Bergoglio, explorando em particular duas fontes fundamentais do seu pensamento: Gaston Fessard e Romano Guardini (Nas fontes do pensamento do Papa Francisco. A influência de Gaston Fessard e Romano Guardini).
Laura Vedelago (Faculdade Teológica do Triveneto e Iusve) e Elena Piatto (Iusve) centram-se na relação entre o Papa Francisco e Romano Guardini, explorando em particular a sua aproximação comum à realidade, a relevância do diálogo, a relação entre diferença e unidade, a polaridade palavra-silêncio, a centralidade da cultura do encontro ("Um espaço para você encontrar a verdade". O "pensamento aberto" de Guardini e Francisco).
Giuseppe Riggio (diretor da revista Aggiornamenti sociali) aprofunda a relação do Papa Francisco com a espiritualidade inaciana, tanto como caminho pessoal de encontro e diálogo com Deus quanto como experiência intelectual; a contribuição explora, de maneira particular, os temas da conversão, missão, misericórdia e discernimento (A marca inaciana no Papa Francisco).
Por fim, Loris Benvenuti (Iusve) e Andrea Conficoni (Iusve) se debruçam mais especificamente sobre a relação entre o pensamento do Papa Francisco e o discurso pedagógico, aprofundando em particular a ligação entre pedagogia, antropologia e ideia de sociedade.
Os conceitos de caminho e de aliança dão forma o Pacto Global pela Educação e ao sentir-se e tornar-se povo. É este último processo que está em estreita ligação com a Teologia do povo argentina e com a educação popular latino-americana e interroga a pedagogia social e de comunidade (Em torno do "pensamento pedagógico" do Papa Francisco).
Além do Focus, a revista Studia patavina oferece as seções habituais, com aprofundamentos sobre o tema do Gênero sobre a relação das famílias com a Igreja; apresenta também uma pesquisa sobre os seminaristas do Triveneto.
Agora apresenta duas contribuições que exploram a temática tão atual do gênero. Susy Zanardo (Universidade Europeia de Roma) centra-se na questão da identidade sexual, explorando a ligação entre o corpo vivido, mediações culturais e significado pessoal; se a ética do gênero trabalha a inclusão de corpos, identidades e desejos não conformes, a ética da diferença sexual fortalece o vínculo entre corpo e simbólico, ação política e força criadora da experiência (Identidade sexual entre a ética do gênero e a política do simbólico.).
Giancarlo Pavan (Instituto Superior de Ciências Religiosas "João Paulo I" de Belluno-Feltre, Treviso, Vittorio Veneto) aborda a questão pela perspectiva particular da psicologia do desenvolvimento e a explicita em termos do desenvolvimento da identidade de gênero. Depois de identificar os principais fatores que contribuem para a definição da identidade de gênero (biológico, sociocultural e psicológico) e sua interação recíproca, a autora argumenta como o processo de desenvolvimento que leva à definição da própria identidade de gênero exige não escapar da tensão entre a polaridade objetiva do dado biológico inicial e a reelaboração psicológica subjetiva desse dado e os diferentes inputs fornecidas pelo ambiente a esse respeito (Identidade de Gênero na Perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento.).
A seção Ricerche propõe a primeira parte de um trabalho a quatro mãos de Paolo Carrara (Faculdade Teológica da Itália Setentrional) e Francesco Pesce (Faculdade Teológica do Trivento) sobre A fé cristã e a instituição eclesial à prova das famílias, realizado a partir do debate surgido nos últimos anos em torno da exortação Amoris laetitia.
A reflexão investiga os traços distintivos - em particular a percepção de uma "distância" - em função da relação que as famílias hoje reconhecem ter com a Igreja e, de forma análoga, o que na opinião delas a Igreja lhes manifesta.
Por fim, um artigo de Paola Bignardi intitulado Vida de seminarista relata os resultados de uma pesquisa promovida pelos Seminários do Triveneto que, cada vez mais vazios, mostram com grande evidência a sua crise.
A pesquisa abordou o tema ouvindo os seminaristas, pedindo-lhes para contar os motivos de sua escolha, a avaliação de sua experiência formativa, a ideia de padre que esperam alcançar.
“O que está no centro dos interesses, paixões e que atrai esses jovens futuros sacerdotes é a vida da comunidade, com suas atividades e relações – escreve Bignardi -. O entusiasmo com que os seminaristas pensam em seu futuro corresponde a uma visão da vida cristã que parece não ter amadurecido ainda razões pessoais. À busca religiosa um tanto confusa, mas ativa, de muitos jovens comuns, nos seminaristas corresponde uma fé dada como certa, que repete as modalidades do passado”.
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Francisco: as fontes do pensamento e a pedagogia implícita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU