“Da crise não se sai sozinho. Se sai arriscando e dando a mão ao outro”. Entrevista com o Papa Francisco

Papa Francisco com um bebê na Praça São Pedro. Foto: Paul Haring | CNS

04 Julho 2022

 

Do lado de fora o calor abrasante não parece desanimar os milhares de turistas que, a pleno sol, compartilham longas filas para entrar no Vaticano. A poucos metros dali, na Casa Santa Marta, sua volumosa agenda é cumprida passo a passo. Um que outro movimento parece anunciar que está por chegar.

 

Sua Santidade, o Papa Francisco, o Papa argentino, um dos líderes que hoje marca a agenda social e política do mundo, vem caminhando com um sorriso radiante. Nota-se que está recuperado. Consciente de todas as transformações instrumentadas durante seus nove anos de papado e com uma visão de longo prazo sobre o futuro da humanidade, da fé e da necessidade de novas respostas. Entramos juntos no salão, dispostos para esta conversa histórica, mais de uma hora e meia. Sei que nesta tarde de junho vivi um momento excepcional e único.

 

Os assuntos da entrevista: as crises civilizacional e ecológica, seus dez anos no pontificado, o papel dos jovens no mundo de hoje, a crise das instituições, a Terceira Guerra Mundial, as periferias, o sonho latino-americano de Simon Bolívar e San Martín, o papel da mídia, dentre outras coisas mais.

 

A entrevista é de Bernarda Llorente, publicada por Telám, 01-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

A íntegra da entrevista, em espanhol, pode ser acessada clicando aqui.

 

Eis a entrevista.

 

Papa Francisco, você foi uma das vozes mais importantes em um período de muitíssima solidão e medo no mundo, durante a pandemia. Soube cataloga-la como as limitações de um mundo em crise econômica, política e social. E neste momento disse uma frase: “Nunca se sai igual, se sai melhor ou se sai pior”. Como acha que estamos saindo? Para onde estamos indo?

 

Não estou gostando. Em alguns setores evoluímos, mas em geral não me agrada, porque se tornou seletivo. Veja, o fato de que a África não tem vacinas ou pouquíssimas doses significa que a salvação contra a doença foi dosificada por outros interesses. A África estar tão necessitada de vacinas indica que algo não funcionou.

 

Quando digo que nunca se sai igual, é porque a crise necessariamente te transforma. Ademais, as crises são momentos da vida onde se dá um passo à frente. Como a crise da adolescência, a da maioridade, a dos 40... A vida vai te marcando etapas com as crises. Porque a crise te coloca em movimento, te coloca a bailar. E as crises devem ser assumidas, porque se não o faz, as transforma em conflito. E o conflito é algo fechado, busca a solução dentro de si e se destrói a si mesmo. Por outro lado, a crise é necessariamente aberta, te faz crescer. Uma das coisas mais sérias na vida é saber viver uma crise, não com amargura. Bem, como vivemos a crise?

 

Cada um faz como pode. Existiram heróis, posso falar do que tenho mais proximidade aqui: os médicos, enfermeiros, enfermeiras, padres, irmãs, leigos e leigas que realmente doaram suas vidas. Alguns até à morte. Creio que na Itália morreram mais de 60. Dar a vida pelos outros é uma das coisas que apareceu nesta crise. Os padres também se portaram bem, em geral, porque as igrejas estavam fechadas, mas conversavam com o povo por telefone. Alguns padres jovens ligavam para os padres mais velhos perguntando se necessitavam algo do mercado e saíam fazer as compras. Ou seja, as crises te obrigam a se solidarizar, porque todos estão em crise. E disso se cresce.

 

Muitos pensavam que a pandemia havia marcado limites: a extrema desigualdade, a despreocupação com o aquecimento global, o individualismo exacerbado, o mal funcionamento dos sistemas políticos e de representação. No entanto, existem setores que insistem em reconstruir as condições do período pré-pandêmico.

 

Não podemos voltar à falsa segurança das estruturas políticas e econômicas que tínhamos antes. Assim como digo que da crise não se sai igual, mas que se sai melhor ou pior, digo que da crise não se sai sozinho. Ou saímos todos, ou não sai ninguém. A pretensão que só um grupo saia da crise, por um pouco pode te dar salvação, mas é uma salvação parcial, econômica, política ou de certos setores do poder. Porém, não se sai totalmente. Se fica preso pela opção de poder que foi feita. Transforma em um negócio, por exemplo, ou culturalmente te fortalece no momento da crise. Usar da crise para o próprio proveito é sair mal da crise, e sobretudo, sair sozinho. Da crise não se sai sozinho, se sai arriscando e dando a mão ao outro. Se não o fazes, não podes sair. Então, aí está o social da crise.

 

Esta é uma crise civilizacional. E ocorre que a natureza também está em crise. Recordo que há alguns anos recebi vários chefes de Estado e de governo dos países da Polinésia. E um deles dizia: “Nosso país está pensando em comprar terras em Samoa, porque dentro de 25 anos talvez não existamos porque está aumentando muito o nível do mar”. Não nos damos conta, porém há um ditado espanhol que nos tem feito pensar: Deus sempre perdoa. Fiquem tranquilos que Deus perdoa sempre e nós, os homens, perdoamos de vez em quando. Porém, a natureza não perdoa nunca. A natureza cobra. Se você utiliza a natureza, ela te responde.

 

O aquecimento do planeta também nos tira da construção de uma sociedade justa e fraterna. Está aí a crise, a pandemia e a famosa covid. Quando eu estudava, os vírus corona causavam no máximo um resfriado. Mas tiveram mutações e mutações, e aconteceu tudo que aconteceu. É curiosíssima a mutação dos vírus, porque estamos diante de uma crise viral, mas também uma crise mundial. Uma crise mundial em nossa relação com o universo. Não estamos vivendo em harmonia com o universo, com a Criação. E a cada pouco a golpeamos mais. Usamos mal as nossas forças. Tem gente que não imagina o perigo que hoje vive a humanidade com aquecimento e o manuseio da natureza.

 

Vou contar uma experiência pessoal: em 2007 eu estive na equipe de redação do Documento de Aparecida e então chegavam as propostas dos brasileiros falando do cuidado com a natureza. “Mas estes brasileiros... o que têm na cabeça?, eu me perguntava naquele momento, pois não entendia nada do tema. Porém fui despertando pouco a pouco, e então veio a inquietação de escrever algo. Com os anos, quando viajei a Estrasburgo [França], o então presidente François Hollande mandou sua ministra do Meio Ambiente para me receber, que era Ségolène Royale. Em certo momento me perguntou: “É verdade que estás escrevendo algo sobre o meio ambiente?”. Quando lhe disse que sim, pediu-me: “Por favor, publique antes da Conferência de Paris”. Então, voltei a me reunir com os cientistas que me deram um rascunho, depois me juntei com os teólogos que me entregaram outro rascunho, e assim saiu Laudato Si’. Foi uma obrigação para criar a consciência de que estamos violentando a natureza. E a natureza vai cobrar. Está cobrando.

 

Na encíclica Laudato Si’, você adverte que muitas vezes se fala de ecologia, mas a separando das condições sociais e de desenvolvimento. Quais seriam essas novas regras em termos econômicos, sociais e políticos, em meio do que você chama de crise de civilização e com um planeta que, ademais, “não aguento mais”?

 

Tudo está interligado, é harmônico. Não se pode pensar a pessoa humana sem a natureza, tampouco a natureza sem a pessoa humana. É como aquela passagem do Gênesis: “Cresçam, multipliquem-se e dominem a Terra”. Dominar é entrar em harmonia com a Terra para fazê-la frutificar. E nós temos essa vocação. Há uma expressão dos indígenas da Amazônia que me encanta: o “bem-viver”. Eles tem essa filosofia do bem-viver, que não tem nada a ver com nosso portenho “pasarla bien” nem a “dolce vita” italiana. Para eles, trata-se de viver em harmonia com a natureza. Aqui falta uma opção interior das pessoas e dos países. Uma conversão, diríamos. Quando me diziam que a Laudato Si’ era uma linda encíclica ambiental, eu contestava, pois se trata de uma “encíclica social”. Porque não podemos separar o social do ambiental. A vida dos homens e das mulheres se desenvolve dentro do meio ambiente.

 

Me vem um ditado espanhol, espero que não seja muito vulgar, que diz “el que escupe al cielo, en la cara se le cae” (equivalente ao “cuspir pra cima”, no português). O maltrato à natureza é um pouco disto. A natureza cobra. Repito: a natureza não perdoa nunca, porém não porque seja vingativa, mas porque executamos processos de degeneração que não estão em harmonia com nosso ser. Há alguns anos fiquei chocado quando vi a foto de um barco que havia passado pelo Polo Norte pela primeira vez. O Polo Norte navegável! O que isso quer dizer? Que os gelos estão derretendo, estão se dissolvendo, devido ao aquecimento. Quando percebemos essas coisas precisamos pará-las. E são os jovens os que mais percebem. Nós, os mais velhos, estamos mal-acostumados, “não é para tanto” dizemos ou, simplesmente, não entendemos.

 

 

Jovens, política e discurso de ódio

 

Os jovens, como aponta, parecem ter uma maior consciência ecológica, porém dá a sensação que, muitas vezes, é segmentada. Hoje se observa um compromisso político menor, e inclusive a participação nas eleições é muito baixa entre os menores de 35 anos. O que diria a esses jovens? Como ajuda-los a reconstruir a esperança?

 

Agora tocaste em um ponto difícil, que é a falta de comprometimento político dos jovens. Por que não se comprometem na política, por que não a praticam? Porque estão desanimados. Eles viram – não digo todos, por Deus – situações de arranjos mafiosos e de corrupção. Quando os jovens de um país veem, como se diz, que “se vende até a mãe” para fazer um negócio, então diminui a cultura política. E por isso não querem se envolver na política. E no entanto, os necessitamos, porque são eles os que tem que levantar a salvação às políticas universais. E por que a salvação? Porque se não mudarmos de atitude com o meio ambiente, vamos todos para o buraco. Em dezembro tivemos um encontro científico-teológico sobre esta situação ambiental. E recordo que o chefe da Academia de Ciências da Itália disse: “se isso não muda, minha neta que nasceu ontem vai ter que viver dentro de 30 anos em um mundo inabitável”. Por isso digo aos jovens que não é apenas protesto, também devem buscar a maneira de se responsabilizar pelos processos que nos ajudem a sobreviver.

 

Considera que parte da frustração de alguns jovens faz com que sejam seduzidos por discursos de ódio e opções políticas extremas?

 

O processo de um país, o processo de desenvolvimento social, econômico e político, necessita de uma contínua revalorização e um contínuo choque com os outros. O mundo político é esse choque de ideias, de posições, que nos purifica e nos faz irmos adiante juntos. Os jovens têm que aprender esta ciência da política, da convivência, porém também da luta política que nos purifica de egoísmos e nos leva adiante. É importante ajudar os jovens nesse compromisso sociopolítico e, que também não sejam ingênuos. Ainda que hoje em dia, creio que a juventude está mais avivada. No meu tempo não nos vendiam uma “caixinha de correio”, mas o Correo Central inteiro [traduzimos literalmente, mas a expressão em espanhol se equivale a comprar uma ideia ingenuamente]. Hoje estão mais conscientes, são mais vividos.

 

Eu confio muito na juventude. “Sim, porém, eles não vêm à missa”, disse-me um padre. Eu respondo que é preciso ajudá-los a amadurecerem e acompanhá-los. Depois, Deus falará a cada um. Porém é preciso deixá-los crescer. Se os jovens não forem os protagonistas da História, estamos fritos. Porque eles são o presente e o futuro.

 

Há alguns dias você falava da importância do diálogo intergeracional.

 

Sobre isso quero me permitir uma coisa que sempre gosto de destacar: temos que reinstaurar o diálogo dos jovens com os idosos. Os jovens necessitam dialogar com suas raízes e os idosos necessitam se dar conta que deixam herança. O jovem quando se encontra com o avô ou a avó recebe seiva, recebe coisas e as leva adiante. E o idoso, quando se encontra com o neto ou a neta, tem esperança. Francisco Luiz Bernárdez tem um verso muito lindo, não de qual poema, que diz: “Todo lo que el árbol tiene de florido le viene de aquello que tiene soterrado” (“tudo que uma árvore tem de florida vem daquilo que há soterrado”, em tradução livre). Não diz “as flores vem lá de baixo”. Não, as flores estão lá em cima. Porém, esse diálogo de baixo para cima, vindo das raízes e levado adiante, é o verdadeiro sentido da tradição.

 

Também me impressiono com uma frase do compósito Gustav Mahler: “a tradição é a garantia do futuro”. Não é uma peça de museu. É aquilo que a vida te dá, sempre e quando te faça crescer. Outra coisa é ir para trás, isso é um conservadorismo insalubre. “Porque sempre se fez assim, eu não vou fazer diferentes”, justificam. Talvez isto necessite de mais explicação, porque daí vem o verdadeiro sentido da tradição. Não é tradicionalismo. É a tradição que te faz crescer, é a garantia do futuro.

 

 

Os males deste tempo

 

Francisco, você costuma descrever três males deste tempo: o narcisismo, o desânimo e o pessimismo. Como combatê-los?

 

Essas três coisas que nomeaste – narcisismo, desânimo e pessimismo – entram no que se chama a psicologia do espelho. Narciso, claro, olhava o espelho. E esse olhar-se não é olhar para frente, mas voltar a si mesmo e estar continuamente lambendo a própria chaga. Quando, na realidade, o que te faz crescer é a filosofia da alteridade. Quando não há confrontação na vida não se cresce. Essas três coisas que mencionastes são as do espelho: eu vejo para olhar para mim mesmo e me lamentar. Recordo de uma irmã que vivia se queixando e no convento a chamavam de “Irmã Lamentona”. Bom, tem gente que se lamenta continuamente dos males deste tempo. Porém, há algo que ajuda muito contra este narcisismo, desânimo e pessimismo, que é o sentido do humor. É o que mais humaniza.

 

Existe uma oração muito linda de São Thomas Morus, que eu rezo todos os dias há mais de 40 anos, que começa pedindo “Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir. Dai-me senso de humor, que saiba apreciar uma piada”. O senso de humor relativiza tanto e faz tão bem. Isso vai contra esse espírito de pessimismo, de “lamentona”. Tempo de Narciso, não? Fixar-se sobre o espelho. Narcisismo típico.

 

Desde 2014 você já afirmava que o mundo estava entrando em uma Terceira Guerra Mundial e hoje a realidade não faz mais que confirmar seus prognósticos. A falta de diálogo e de escuta são um agravante na situação atual?

 

A expressão que utilizei aquela vez foi “guerra mundial em capítulos”. Isso da Ucrânia estamos vivendo de perto e por isso nos alarmamos, porém, pensemos em Ruanda, 25 anos atrás, na Síria nos últimos 10 anos, no Líbano com suas lutas internas ou Myanmar. Isto que estamos vendo está ocorrendo há tempos. Uma guerra, lamentavelmente, é uma crueldade cotidiana. Na guerra não se dança o minueto, mata-se. E há toda uma estrutura de venda de armas que o favorece. Uma pessoa especialista em estatística me disse, não me recordo dos números exatos, que, se durante um ano não fossem fabricadas armas, não haveria fome no mundo.

 

Creio que chegou o momento de repensar o conceito de “guerra justa”. Pode ter uma guerra justa, há direito de se defender, porém como o conceito é usado hoje em dia é preciso repensar. Eu declarei que o uso e a posse de armas nucleares são imorais. Resolver as coisas com uma guerra é dizer não à capacidade de diálogo, de ser construtivos, que os homens possuem. É muito importante essa capacidade de diálogo. Saio da guerra e vou ao comportamento comum. Perceba quando estamos falando com algumas pessoas e antes de terminar, alguém te interrompe e te contesta. Não sabemos nos escutar. Não permitimos ao outro que diga sua opinião. Mas é preciso escutar. Escutar o que diz o outro, receber. Declaramos a guerra antes, isso é, cortamos o diálogo. Porque a guerra é essencialmente uma falta de diálogo.

 

Quando fui a Redipuglia, pelo centenário da guerra de 1914, vi no cemitério a idade dos mortos e chorei. Nesse dia chorei. Alguns anos depois, em 02 de novembro, fui ao cemitério de Anzio e quando vi a idade daqueles meninos mortos, também chorei. Não me envergonho de dizer isso. Que crueldade. E quando se comemorou o aniversário do desembarque na Normandia, pensava nos 30 mil rapazes que morreram na praia. Abriam os barcos e lhes mandavam “se abaixem, se abaixem”, enquanto os nazistas os esperavam. Isso é justificável? Visitar os cemitérios militares na Europa ajuda a perceber isto.

 

A crise das instituições

 

Os organismos multilaterais estariam falhando ante estas guerras? É possível conseguir a paz por meio deles? É factível buscar soluções conjuntas?

 

Após a Segunda Guerra Mundial havia muita esperança nas Nações Unidas. Não quero ofender, sei que tem gente muito boa que trabalha, mas nesse momento não tem poder de se impor. Ajuda a evitar guerras e estou pensando no Chipre, onde há tropas argentinas. Mas parar uma guerra, resolver uma situação de conflito como a que vivemos hoje na Europa, ou como as vividas em outras partes do mundo, não tem poder. Sem ofensa. É que a constituição que a ONU tem não lhe dá poder.

 

Os poderes do mundo mudaram? O peso de algumas instituições mudou?

 

É uma questão que não quero universalizar muito. Quero dizer assim: há instituições meritórias que estão em crise ou, pior, que estão em conflito. Aquelas que estão em crise me dão esperança de um possível progresso. Mas aquelas que estão em conflito se envolvem na resolução de questões internas. Neste momento, coragem e criatividade são necessárias. Sem essas duas coisas, não teremos instituições internacionais que possam nos ajudar a superar esses graves conflitos, essas situações mortais.

 

 

Tempo de avaliação

 

Em 2023 completam-se 10 anos desde a sua nomeação para o Vaticano, um aniversário ideal para estabelecer um equilíbrio. Você conseguiu cumprir todos os seus objetivos? Quais projetos estão pendentes?

 

As coisas que fiz não inventei nem sonhei depois de uma noite de indigestão. Recolhi tudo o que nós, cardeais, dissemos nas reuniões pré-conclave, o que o próximo Papa deveria fazer. Então dissemos as coisas que precisavam ser mudadas, os pontos que precisavam ser tocados. O que eu comecei foi o que foi pedido. Acho que não houve nada de original meu, mas sim de implementar o que foi pedido por todos. Por exemplo, na parte da Reforma da Cúria terminou com a nova Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, que após 8 anos e meio de trabalho e consulta foi possível implementar o que os cardeais haviam solicitado, mudanças que já estavam sendo postas em prática. Hoje há uma experiência do tipo missionário. Praedicate Evangelium quer dizer “sejam missionários”. Preguem a palavra de Deus. Em outras palavras, o essencial é sair.

 

Curioso: naquelas reuniões havia um cardeal que dizia que no texto do Apocalipse Jesus diz: “Estou à porta e bato. Se alguém a abrir, entro”. Ele então disse: “Jesus continua batendo, mas para que o deixemos sair, porque o mantemos preso”. Isso é o que foi solicitado nessas reuniões de cardeais. E quando fui eleito, comecei. Alguns meses depois, as consultas foram realizadas até que a nova Constituição fosse elaborada. E enquanto isso as mudanças estavam sendo feitas. Quero dizer, elas não são ideias minhas. Isso é claro. Estas são ideias de todo o Colégio dos Cardeais que solicitaram isso.

 

Como essa perspectiva possibilitou as mudanças que estão sendo vistas hoje?

 

A Igreja latino-americana tem uma história de proximidade com o povo muito grande. Se tomarmos as conferências episcopais – Medellín, depois Puebla, Santo Domingo e Aparecida – foi sempre em diálogo com o povo de Deus. E isso ajudou muito. É uma Igreja popular, no verdadeiro sentido da palavra. É uma Igreja Povo de Deus, que se desnaturalizou quando o povo não conseguia se expressar e acabou sendo uma Igreja de capatazes de estâncias, com os agentes pastorais que governavam. O povo se expressou cada vez mais religiosamente e acabou sendo o protagonista de sua história.

 

Há um filósofo argentino, Rodolfo Kusch, quem melhor captou o que é um povo. Como sei que você vai me ouvir, recomendo a leitura de Kusch. Ele é um dos grandes cérebros argentinos, tem livros sobre a filosofia do povo. Em parte, foi isso que a Igreja latino-americana experimentou, embora tenha tido tentativas de ideologização, como instrumento de análise marxista da realidade para a Teologia da Libertação. Foi uma instrumentalização ideológica, um caminho de libertação – digamos assim – da Igreja popular latino-americana. Mas uma coisa são os povos e outra são os populismos.

 

Os ensinamentos das periferias

 

Qual seria a diferença entre os dois?

 

Na Europa tenho que expressá-lo continuamente. Aqui eles têm uma experiência muito triste de populismo. Há um livro que saiu agora, “Síndrome de 1933”, que mostra como o populismo de Hitler estava se desenvolvendo. Então, eu gosto de dizer: não vamos confundir populismo com popularismo. Popularismo é quando o povo faz suas coisas, expressa o que é seu em diálogo e é soberano. O populismo é uma ideologia que une as pessoas, que se envolve em reagrupá-las em uma direção. E aqui quando você fala com eles sobre fascismo e nazismo eles entendem nesse aspecto o que é populismo. A Igreja latino-americana tem aspectos de sujeição ideológica em alguns casos. Existiu e continuará existindo porque essa é uma limitação humana. Mas é uma Igreja que pode e deve expressar cada vez mais sua piedade popular, por exemplo, sua religiosidade e sua organização popular.

 

Quando você descobre que os Misachicos (Nota do editor: Misachicos são pequenas procissões organizadas por famílias ou grupos carregando a imagem de um santo, típico do noroeste da Argentina) descem de 3 mil metros até os santos padroeiros do Milagre de Salta, há uma entidade religiosa isso não é superstição, porque eles se identificam com ela. A Igreja latino-americana cresceu muito nisso. E é também uma Igreja que soube cultivar as periferias, porque de lá se vê a verdadeira realidade.

 

Por que a verdadeira transformação vem da periferia?

 

Fiquei impressionado com uma conferência que ouvi de Amelia Podetti, uma filósofa já falecida, que disse: “A Europa viu o Universo quando Fernão de Magalhães chegou ao Sul”. Em outras palavras, a partir da maior periferia, ela se entendia. A periferia nos faz entender o centro. Eles podem ou não concordar, mas se você quer saber o que um povo sente, vá para a periferia.

 

As periferias existenciais, não só as sociais. Vá aos aposentados, às crianças, vá aos bairros, às fábricas, às universidades, vá onde se vive o dia-a-dia. E aí está o povo. Os lugares onde as pessoas podem se expressar com maior liberdade. Para mim isso é fundamental. Uma política do povo que não é populismo. Respeite os valores do povo, respeite o ritmo e a riqueza de um povo.

 

Nos últimos anos, a América Latina começou a mostrar alternativas ao neoliberalismo baseadas na construção de projetos populares e inclusivos. Como você vê a América Latina como uma região?

 

A América Latina continua nesse caminho lento, de luta, do sonho de San Martín e Simon Bolívar pela unidade da região. Sempre foi vítima, e será vítima até que seja totalmente libertada, do imperialismo explorador. Isso é o que todos os países têm. Não quero mencioná-los porque são tão óbvios que todos os veem. O sonho de San Martín e Bolívar é uma profecia, esse encontro de todo o povo latino-americano, além da ideologia, com a soberania. É isso que deve ser trabalhado para alcançar a unidade latino-americana. Onde cada povo se sente com sua identidade e, ao mesmo tempo, necessitado da identidade do outro. Não é fácil.

 

Você aponta um caminho baseado em certos princípios políticos.

 

quatro princípios políticos que me ajudam, não só para isso, mas também para resolver as coisas da Igreja. Quatro princípios que são filosóficos, políticos ou sociais, o que você quiser. Vou citá-los:

 

A realidade é superior à ideia”, ou seja, quando você vai para o idealismo, você perde. É a realidade, tocando a realidade.

 

O todo é superior à parte”, ou seja, busque sempre a unidade do todo.

 

A unidade é superior ao conflito”, ou seja, quando você privilegia os conflitos, você prejudica a unidade.

 

O tempo é superior ao espaço”, note-se que os imperialismos sempre buscam ocupar espaços e a grandeza dos povos é iniciar processos.

 

Esses quatro princípios sempre me ajudaram a entender um país, uma cultura ou a Igreja. São princípios humanos de integração. E há outros princípios mais ideológicos, de desintegração. Mas refletir primeiro sobre esses quatro ajuda muito.

 

 

Manipulação midiática

 

Você é talvez a voz mais importante do mundo em termos de liderança social e política. Você às vezes sente que, pela sua voz dissonante, você tem a possibilidade de mudar muitas coisas?

 

Que é dissonante, às vezes eu sentia. Eu acho que minha voz pode mudar, mas eu realmente não acredito porque isso pode te machucar. Digo o que sinto diante de Deus, diante dos outros, com honestidade e com desejo de servir. Não estou tão preocupado se isso vai ou não mudar as coisas. Me convém mais dizer as coisas e ajudá-los a mudar por conta própria. Acredito que há uma grande força no mundo, e na América Latina em particular, para mudar as coisas com esses quatro princípios que acabei de mencionar.

 

E, é verdade, se eu falo, todos dizem que “o Papa falou isso”. Mas também é verdade que eles tiram uma frase do contexto e fazem você confirmar o que você não quis dizer. Em outras palavras, você tem que ter muito cuidado. Por exemplo, com a guerra houve toda uma polêmica sobre uma declaração que fiz em uma revista jesuíta: eu disse “não há bons e maus aqui” e expliquei por quê. Mas eles pegaram essa frase isolada e disseram: “o Papa não condena Putin!”. A realidade é que o estado de guerra é algo muito mais universal, mais sério, e aqui não há mocinhos nem bandidos. Estamos todos envolvidos e é isso que temos que aprender.

 

O mundo tornou-se cada vez mais desigual e isso também se reflete nos meios de comunicação, que, a partir de uma grande concentração empresarial e de plataformas digitais e redes sociais, são cada vez mais poderosos em termos de produção de discurso. Nesse contexto, qual você acha que deveria ser o papel da mídia?

 

Tomo o princípio de “a realidade é superior à ideia”. Me vem à mente um livro do filósofo Simone Paganini, professor da Universidade de Aachen, onde ele fala sobre a comunicação e as tensões que existem entre o autor de um livro, o leitor e a força do próprio livro. Ele afirma que tanto na comunicação quanto na leitura do livro se desenvolve uma tensão. E isso na comunicação é fundamental. Porque, de alguma forma, a comunicação tem que entrar numa relação de tensão saudável, que faz o outro pensar e o leva a responder. Se isso não existe, é apenas informação.

 

A comunicação humana – e ele fala de jornalistas, comunicadores, seja lá o que for – tem que entrar na dinâmica dessa tensão. Temos que estar muito conscientes de que comunicar é envolver-se. E estar muito consciente da necessidade de se envolver bem. Por exemplo, há objetividade. Eu comunico alguma coisa e digo: “isso aconteceu, eu acho isso”. É aí que eu me coloco, e me abro para a resposta do outro. Mas se comunico o que aconteceu fazendo recortes, e sem dizer que estou fazendo esses recortes, sou desonesto porque não comunico a verdade. Não se pode se comunicar objetivamente uma verdade porque se eu a estou comunicando, vou colocar meu viés nisso. É por isso que é importante distinguir entre “isso aconteceu e eu acho que é isso”. Hoje, infelizmente, o “eu acho” leva a distorcer a realidade. E isso é muito sério.

 

Você falou em várias ocasiões sobre os pecados da comunicação.

 

Disse isso pela primeira vez em uma conferência realizada em Buenos Aires quando era arcebispo. Ocorreu-me falar dos quatro pecados da comunicação, do jornalismo.

 

Primeiro, desinformação: dizer o que me convém e ficar calado sobre o outro. Não, eu disse tudo, você não pode desinformar.

 

Segundo, calúnia. As coisas são inventadas e às vezes destroem uma pessoa com uma comunicação.

 

Terceiro, a difamação, que não é calúnia, mas é como trazer a uma pessoa um pensamento que ela teve em outro tempo e que agora mudou. É como se um adulto trouxesse fraldas sujas de quando você era pequeno. Eu era um menino, eu pensava assim. Mudei, agora sou diferente.

 

E para o quarto pecado, usei a palavra técnica coprofilia, ou seja, o amor ao cocô, o amor à sujeira. Em outras palavras, procurando sujo, procurando o escândalo pelo escândalo. Lembro-me que o cardeal Antonio Quarracino costumava dizer: “Não leio esse jornal, porque faço isso e o sangue jorra”. É amar o sujo, o feio.

 

Penso que um meio de comunicação tem que ter cuidado para não cair na desinformação, calúnia, difamação e coprofilia. Seu valor é expressar a verdade. Eu digo a verdade, mas sou eu quem a expressa e coloca meu viés nela. Mas deixo bem claro qual é o meu viés e qual é o objetivo. E eu passo. Embora às vezes nessa transmissão a honestidade se perca um pouco, então a partir da transmissão boca-a-boca se vai para um primeiro passo com a Chapeuzinho Vermelho escapando do Lobo que queria comê-la e se acaba, após a comunicação, em um banquete onde a vózinha e a Chapeuzinho Vermelho estão comendo o Lobo. Deve-se tomar cuidado para que a comunicação não altere a essência da realidade.

 

Comunicação e poder

 

Que valor você atribui à comunicação?

 

A comunicação é algo sagrado. Talvez seja uma das coisas mais bonitas que a pessoa humana tem. Comunicar é divino e é preciso saber fazê-lo com honestidade e autenticidade. Sem acrescentar coisas minhas e sem dizer. “Isso aconteceu. Acho que deve ser isso ou interpreto o outro”, mas que fique claro que é você. Hoje a mídia tem uma grande responsabilidade didática: ensinar honestidade às pessoas, ensinar a se comunicar pelo exemplo, ensinar convivência. Mas se você tem a mídia que dá a impressão de que eles têm um estilhaço nas mãos para destruir as pessoas – com a seleção da verdade, com calúnia, com difamação ou com coprofilia – isso nunca fará um povo crescer.

 

Peço que a mídia tenha essa objetividade saudável, o que não quer dizer que seja água destilada. Reitero: “o fato é assim e eu penso assim”. E você vai para o ringue, mas deixe claro o que você pensa. Isso é muito nobre. Mas se você fala com o programa imposto a você por tal movimento político, tal partido, sem revelar isso, é ignóbil e não se é nobre. O comunicador, para ser um bom comunicador, tem que ser nobre.

 

Muitos meios de comunicação priorizando seus interesses dão lugar a uma agenda de globalização da indiferença. Estas são as questões que a mídia decide tornar visível ou ocultar por diferentes razões.

 

Sim, quando às vezes penso em alguma mídia que infelizmente não cumpre bem sua missão, quando penso nessas coisas sobre nossa cultura em geral, sobre a cultura mundial, que prejudicam a própria sociedade, me vem à mente uma frase da nossa filosofia que parece pessimista, mas é a verdade: “Dale que va, todo es igual, que allá en el horno se vamo”. Isso é, não importa o que é verdade ou o que não é. Não importa se essa pessoa ganha ou perde. É tudo a mesma coisa. “Dale que va” (“Deixa pra lá”). Quando essa filosofia é veiculada na mídia é desastrosa porque cria uma cultura de indiferença, conformismo e relativismo que prejudica a todos nós.

 

A tecnologia é muitas vezes atribuída a uma certa vida própria, como responsável por males que são cometidos além do uso que é feito. Como recuperar o humanismo neste mundo altamente tecnológico?

 

Olha, uma sala de cirurgia é um lugar onde a tecnologia é usada ao milímetro. E ainda, quais cuidados são tomados em uma intervenção cirúrgica por meio das novas tecnologias. Porque há uma vida no meio que deve ser cuidada. O critério é este: que a tecnologia sempre veja que está trabalhando com vidas humanas. Você tem que pensar nas salas de cirurgia. Essa é a honestidade que devemos ter sempre, mesmo na comunicação. Há vidas no meio. Não podemos fazer as coisas como se nada tivesse acontecido.

 

 

Os pastores do povo

 

Você sempre foi pastor, mas como transmitir aquela Igreja de pastores, aquela Igreja da rua que fala aos fiéis. A fé hoje é diferente? O mundo tem menos fé? A fé pode ser recuperada?

 

Eu gosto de fazer uma distinção entre pastores do povo e clérigos do estado. Clérigo de Estado é o dos tribunais franceses, como Monsieur L'Abbé, e às vezes nós, sacerdotes, somos tentados a cortejar demais com os poderes constituídos e esse não é o caminho a seguir. O verdadeiro caminho é o pastoreio. Estar no meio do seu povo, na frente do seu povo e atrás do seu povo. Ficar no meio pra cheirar bem, pra conhecer bem, porque te tiraram de lá. Estar na frente de seu povo às vezes define o ritmo. E estar atrás de seu povo para ajudar os retardatários e deixá-los andar só para ver para onde vão, porque as ovelhas às vezes têm a intuição de saber onde está a grama. O pastor é isso. Um pastor que está sozinho à frente do povo não serve. Ele tem que estar misturado e participando da vida de seu povo. Se Deus te coloca para pastorear é para que você pastoreie, não para que você condene. Deus veio aqui para salvar, não para condenar. São Paulo é quem diz isso, não eu. Salvemos as pessoas, não sejamos tão duros.

 

Alguns não vão gostar do que vou dizer: há um capitel da Basílica de Vèzelay, não me lembro se é do ano 900 ou 1100. Você sabe que, naquele período medieval, a catequese era feita com esculturas, com os capitéis. As pessoas os viam e aprendiam. E um capitel de Vèzelay que me tocou muito é o de um Judas enforcado, o diabo puxando-o para baixo e, do outro lado, um bom pastor que o agarra e o leva embora com um sorriso irônico. Com isso, ele está ensinando ao povo que Deus é maior que o seu pecado, que Deus é maior que a sua traição, que você não deve se desesperar por causa dos paus que fez, que sempre tem alguém que vai te carregar nos ombros. É a melhor catequese sobre a pessoa de Deus, a misericórdia de Deus. Porque a misericórdia de Deus não é um dom que ele te dá, é ele mesmo. Não pode ser de outra forma. Quando apresentamos aquele Deus severo, que tudo é castigo, ele não é o nosso Deus. Nosso Deus é o da misericórdia, da paciência, o Deus que não se cansa de perdoar. Esse é o nosso Deus. Não aquela que, às vezes, nós padres o desfiguramos.

 

Se a sociedade escutar esse Deus e essas pessoas que às vezes não são escutadas, você acha que pode ser construído um discurso diferente, uma alternativa ao discurso hegemônico?

 

Sim claro. A hegemonia nunca é saudável. Gostaria de falar de uma coisa antes de terminar: em nossa vida litúrgica, no Evangelho, há a fuga para o Egito. Jesus tem que escapar, com seu pai e sua mãe, porque Herodes quer matá-lo. Os Três Reis Magos e toda essa história. Depois, há a fuga para o Egito, que muitas vezes pensamos como se estivessem em uma carruagem, tranquilos em um burrinho.

 

 

Bergoglio e Francisco

 

Além do orgulho de ter um Papa argentino, sempre penso em como você se vê. Como o Papa vê Bergoglio e como Bergoglio veria Francisco?

 

Bergoglio nunca imaginou que acabaria aqui. Nunca. Cheguei ao Vaticano com uma mala pequena, com o que estava vestindo e um pouco mais. Ainda mais: deixei os sermões preparados para o Domingo de Ramos em Buenos Aires. Eu pensei: nenhum Papa vai tomar posse no Domingo de Ramos, então no sábado eu viajo de volta para casa. Quer dizer, eu nunca imaginei que estaria aqui. E quando vejo o Bergoglio de lá e toda a sua história, as fotografias falam. É a história de uma vida que andou com muitos dons de Deus, muitos fracassos de minha parte, muitas posições que não são tão universais.

 

Aprende-se na vida a ser universal, a ser caridoso, a ser menos mau. Eu acredito que todas as pessoas são boas. Ou seja, vejo um homem que andou, que percorreu um caminho, com altos e baixos, e tantos amigos o ajudaram a continuar caminhando. Eu nunca andei minha vida sozinho. Sempre houve homens e mulheres, a começar pelos meus pais, meus irmãos, um ainda vivo, que me acompanharam. Não imagino uma pessoa solitária, porque não sou. Uma pessoa que caminhou sua vida, que estudou, que trabalhou, que se tornou padre, que fez o que pôde. Não consigo pensar de outra forma.

 

E como Bergoglio olharia para o Papa?

 

Eu não sei como olharia para isso. Acho que no fundo diria “Pobre coitado! O que chegou para você!”. Mas não é tão trágico ser Papa. É possível ser um bom pastor.

 

Talvez olhasse para isso como todos nós olhamos: descobrindo-o.

 

Sim, pode ser. Mas não me ocorreu me fazer essa pergunta. Eu vou pensar.

 

Você sente que mudou muito sendo Papa?

 

Alguns me dizem que coisas que estavam em germe na minha personalidade vieram à tona. Que eu me tornei mais misericordioso. Na minha vida tive períodos rígidos, que exigiam muito. Mais tarde eu percebi que você não vai por esse caminho, que você tem que saber dirigir. É essa paternidade que Deus tem. Há uma canção napolitana muito bonita que descreve o que é um pai napolitano. E ele diz “o pai sabe o que está acontecendo com você, mas ele finge que não sabe”. Esse saber esperar pelos outros, típico de um pai. Ele sabe o que está acontecendo com você, mas ele consegue que você simplesmente vá, ele está esperando por você como se nada tivesse acontecido. É um pouco o que eu criticaria hoje sobre aquele Bergoglio que, em algum momento, nem sempre, como um bispo que foi um pouco mais benevolente. Mas quando eu era jesuíta eu era muito severo. E a vida é bela com o estilo de Deus, sabendo esperar sempre. Saiba, mas se faça de burro como se não soubesse e deixe amadurecer. É uma das mais belas sabedorias que a vida nos dá.

 

Você está ótimo, Francisco. Teremos o Papa e o Francisco por mais um tempo?

 

Que diga o lá de cima.

 

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