16 Dezembro 2022
A grave crise social e política no Peru não tem hora para acabar. Em meio à polarização, caos e violência, as poucas vozes que transmitem calma vêm da Igreja Católica. Por isso, Infobae quis saber a opinião do arcebispo de Huancayo, Dom Pedro Barreto, que sempre falou de forma clara e direta sobre o que acontece conosco como país. E nesta conversa não se exime de absolutamente nada.
A entrevista é de Rodrigo Chillitupa, publicada por Infobae, 14-12-2022. A tradução é do Cepat.
Como você percebeu esse golpe de Estado fracassado de Pedro Castillo e a sucessão constitucional com Dina Boluarte?
Houve uma rejeição total a esta tentativa de golpe de Estado de Pedro Castillo. Penso que isso foi unânime por parte de todas as instituições democráticas do Estado. De fato, esta dissolução do Congresso leva em conta, segundo o artigo 48º da Carta Política, que ninguém deve obediência a um Governo usurpador ou àqueles que assumem funções em violação à Constituição e as leis. Nesse sentido, está muito claro.
Por outro lado, ressaltou como o Peru conseguiu em poucas horas sair dessa armadilha que, diria, vem de uma longa agonia, tanto do Congresso da República quanto do Poder Executivo. E penso que a saída se deu de forma democrática e constitucional que, em geral, a grande maioria dos peruanos a saúda com muita veemência.
Quando Castillo disse que “por vontade popular” fechava o Parlamento, atribuía a si a voz dessas pessoas que se sentiram decepcionadas porque não cumpriu suas promessas de mudança, mas, ao contrário, elas já o rejeitavam?
Sim, acredito que não se deve fazer rodeios em relação ao que ele [Pedro Castillo] pensava, mas ficou demonstrado que não era verdade. Agora, temos que buscar o bem comum de todos os peruanos, apoiar esta saída democrática, mas ela não resolve o problema de fundo. O problema de fundo é que existe um desgaste, diria, emocional e uma consciência cidadã de descrédito das autoridades, certo?
Uma alta corrupção generalizada dentro das instituições, conforme mencionou em algum momento...
Sim, sim, mas este fato da vacância não basta para elevar esta opinião do Congresso. O Congresso tem que dar uma guinada qualitativa, não só de enfrentamento, mas de buscar consensos como os de 2021, do Acordo Nacional, que certamente está pendente para todo o Peru.
A trégua política foi uma boa proposta para o atual clima de polarização?
Bem, mais do que uma trégua, eu diria que todos devemos fazer um processo de conversão na verdade, no respeito pelas pessoas e em um diálogo que busque realmente consensos em favor do bem do país.
Consensos que a senhora presidente Boluarte mencionou. O senhor acredita que é por aí que se deve caminhar.
Sim. Estou convencido de é por aí que se deve tentar.
Se a presidente convocar a Igreja para intermediar essa crise, vocês aceitariam sem nenhuma condição?
O diálogo é uma parte conatural, não apenas do processo de reativar uma aproximação. Nós, como Igreja Católica, estamos convencidos de que o diálogo é uma ferramenta muito importante para encontrar consensos sempre e quando as partes estiverem dispostas a buscar não o interesse pessoal ou de grupos, mas das grandes maiorias de nossa pátria.
A opção pela antecipação das eleições deveria ser reativada, levando em conta os conflitos sociais que eclodiram em várias partes do país?
Quando nós, bispos, falamos de transição política, em agosto passado, é que já estava insustentável. Quando em 18 de agosto emitimos um comunicado, a situação já era insustentável. Por isso, chegamos à beira do colapso.
Penso que devemos nos alegrar que no Peru demonstramos, por um lado, uma lamentável visão política e democrática, uma tentativa fracassada de democracia, mas, ao mesmo tempo, o povo peruano e as instituições têm estado à altura desta grave emergência nacional que vivemos.
Aqui, é preciso felicitar, entre outros, as Forças Armadas e policiais que mantiveram esta decisão de respeitar a Constituição e as leis do Estado. Isso é muito importante para sentir um alívio e todos devemos trilhar um caminho juntos.
No número 15 desse comunicado de 18 de agosto, além da transição política, também indicamos a pendente reforma política que se exigia do Peru para não voltar a esta situação de ingovernabilidade e optar pelo mal menor, como sempre se diz. Deveria haver uma vontade dos partidos do Congresso da República e também da própria sociedade.
O Acordo Nacional poderia ser um bom espaço para propor medidas para enfrentar a crise que já dura seis anos?
Sim, eu estive presente quando, no final de agosto, foi assinado oficialmente e o ex-presidente [Pedro] Castillo fez isto para realmente encaminhar o país em seis consensos básicos, que gostaríamos que a presidente Dina Boluarte assumisse, o Congresso da República também, e a sociedade em seu conjunto.
Muitos desconhecem esta riqueza que se conseguiu de estabelecer um acordo entre todas as instituições da sociedade, os partidos políticos, os poderes do Estado, as igrejas, todos trabalhando pelo bem comum do país. E penso nestes acordos, não sei se você vai se lembrar quando os propus ao ex-presidente Castillo, para colocar o país no rumo, assim como a Proclamação do Cidadão, em maio de 2021.
Para o senhor, o ex-presidente Castillo nunca acreditou na democracia? Falhou com essas pessoas que confiaram em seu discurso de um humilde professor rural e do primário?
Bem, na verdade, é um grupo pequeno quando comparado com a grande maioria. Não esqueçamos que 30% do eleitorado votou na senhora Keiko [Fujimori] ou em Pedro Castillo. São 30%, ou seja, 70% não.
Então, já em si, dessa metade (15%) que elegeu Pedro Castillo, um grupo era do Peru Livre e outros partidos de esquerda, poderíamos dizer. O plano de governo do Peru Livre é marxista, leninista, que não cabe para a grande maioria dos peruanos, mas também havia 15% dos peruanos que não desejavam votar na senhora Keiko. Então, foram pessoas que se viram obrigadas a isso para evitar o colapso maior.
Aqui está a necessária e pendente reforma política do país para que tal situação não se repita nas próximas eleições. É preciso que isto esteja muito presente, pois existe um grupo minoritário em prol do “que se vayan todos”, mas vêm os mesmos de sempre e o Congresso tem 6%.
Está otimista de que o Peru não caminhará para uma década perdida?
Tenho a esperança de que o Peru demonstrou duas coisas. A primeira é a sua capacidade de resiliência diante das adversidades e saiu, diria, triunfante nesse aspecto. E a segunda é que temos que aprender com a história, que é mestra da vida, e estou convencido de que após esses 15 meses de agonia, o Peru não está mais em terapia intensiva, mas precisamos de uma reabilitação da política e da fé.
O povo peruano tem um enraizamento religioso e Jesus disse que “todo reino dividido caminha para a ruína”. Nós vivíamos esse enfrentamento entre peruanos, partidos políticos e poderes do Estado com muito desespero e dor. E estou convencido de que nunca mais teremos que nos enfrentar. Devemos abrir um capítulo de uma política que se reivindica com a sociedade em favor do bem comum.
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Peru. “Existe um desgaste emocional e uma consciência cidadã de descrédito das autoridades”. Entrevista com o cardeal Pedro Barreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU