09 Dezembro 2022
"Quem decide deixar uma nova vida viver dentro de si está ciente de sua própria vulnerabilidade e teme que algum mal possa aparecer ou se insinuar. Hoje - muito mais do que no passado - existem inúmeros controles e exames médicos recomendados e realizados por mulheres grávidas", escreve Antonella Cattorini Cattaneo, professora de História e Filosofia no Liceo “Antonio Banfi”, em Vimercate, na Itália. O artigo foi publicado por Settimana News, 08-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A festa mariana da Imaculada Conceição de Maria tem mais a ver com perguntas e reflexões sobre a maternidade do que imediatamente pareça. Ao estudar a história desse dogma, tardiamente definido pelo Papa Pio IX com a encíclica "Ineffabilis Deus", promulgada em 8 de dezembro de 1854, percebe-se que ele se origina de uma ampla experiência de piedade e fé popular na qual é inevitável encontrar muitas vozes femininas que com frequência pediram e pedem a mediação da Virgem para a gravidez, o parto e a vida dos pequenos.
O texto apócrifo do Protoevangelho de Tiago (entre 140 e 170 DC) certamente contribuiu para a difusão dessa definição de Nossa Senhora - que não aparece nas Escrituras - na qual é descrita a singular infância de Maria desde sua concepção por graça divina.
Nos séculos seguintes são documentados debates em que intervieram mais vozes masculinas: teólogos consagrados presentes nos concílios ecumênicos (foi importante o de Basileia de 1431-49) e sobretudo expoentes respeitados de ordens religiosas e pregadores que ouviram e ao mesmo tempo estimularam a fé popular.
A teologia agostiniana, de refinada inspiração humanista, atenta à questão da liberdade humana, colocara o problema: se Cristo, como isento de pecado, é Aquele que salva a humanidade, o ventre em que foi concebido teria sido necessariamente o de uma mulher sem "manchas", imaculada.
Posteriormente, a atenção a essa definição da Mãe torna-se objeto de novas reflexões: na Idade Média avançada surge um fértil debate entre imaculistas e maculistas. Para os primeiros, Maria estava livre do pecado desde o primeiro instante de sua concepção, para os segundos, ela foi santificada em um momento posterior da vida fetal.
Esta última foi também a tese de São Tomás que, com outros, afirmou que só quando o corpo fetal está formado, isto é, carnalmente presente, ele pode ser santificado. Desta forma, ressaltava-se o aspecto material da maternidade. São ideias que parecem distantes, mas que nos parecem evocar questões atuais: “Quando uma mulher pode se dizer plenamente mãe? Desde o momento da concepção (mesmo com tecnologias ligadas à reprodução) ou quando a futura mamãe sente o bebê mexer dentro de si ou quando ele nasce?
Perguntas que hoje remetem a temas delicados sobre a gravidez e sua possível interrupção, voluntária ou não. Muitas vezes se pode constatar como seja misterioso o início de uma nova vida na qual intervêm não só os elementos biológicos, mas também sensações, sentimentos bem como escolhas livres e amadurecidas.
Voltando ao debate medieval, certamente estava profundamente enraizada e penetrante a ideia de que o ventre de Maria, mãe de Deus (deípara ou “theotokos”, aquela que deu à luz um deus) deveria ser acolhedor e, portanto, puro, na melhor maneira adequada à gestação do Filho de Deus.
Todos conhecem a Madonna del Parto de Piero della Francesca (1412-1492), uma imagem extraordinária da gravidez de Maria, evocando aquele sentimento consolidado que na pregação difundida do tempo de Piero buscava inspiração no Salmo 46.5: “O Altíssimo santificou o seu tabernáculo”. O ventre de uma mulher é uma belíssima metáfora para a incubação do que é sagrado.
Como explica o saudoso iconólogo Giovanni Pozzi (“Maria tabernacolo” em Sull’orlo del visibile parlare, 1993) Bernardino de' Busti, um culto pregador que esteve vivamente presente na época de Piero della Francesca, afirmava que “o lugar deve ser proporcional ao que está nele".
A imagem do ventre de Maria – desenhada várias vezes grávida como na belíssima pintura da Visitação de Pontormo – é a de uma mulher "cheia de graça". A graça que salva, aquela divina, só pode ter lugar em quem abre espaço aos outros de forma acolhedora e sem reservas. Assim, imaginamos também ventres grávidos de mulheres e homens que, por adoção ou acolhimento, esperam um filho que vem de longe, de outros progenitores. Espaços em que acolher com carinho corpos, mentes e pensamentos alheios.
Quem decide deixar uma nova vida viver dentro de si está ciente de sua própria vulnerabilidade e teme que algum mal possa aparecer ou se insinuar. Hoje - muito mais do que no passado - existem inúmeros controles e exames médicos recomendados e realizados por mulheres grávidas. Talvez mais escondidas - ou muitas vezes nomeadas e descritas sobretudo pelas ciências psicológicas - sejam as legítimas preocupações sobre aquele mal espiritual e moral que habita a vida de todas e de todos.
O que a iconografia da Imaculada apresenta como a cobra esmagada por seu pé. Pouca ênfase é colocada no temor em relação à disposição humana de cair no que nos séculos anteriores era chamado de "pecado". Às vezes, os pais gostariam de ser "perfeitos" ou até santos. Provavelmente toda futura mãe esconde um forte desejo em seu coração: ser como Maria, isto é, completamente santa, a quem a tradição oriental chama de "panaghia" e a ocidental de "imaculada".
N.B. Para a iconografia da Virgem Imaculada esmagando a cobra com o pé: ver F. De Zurbaran, Imaculada Conceição (1632), Barcelona, Museu Nacional da Catalunha.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Imaculada Conceição e maternidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU