25 Novembro 2022
“Nós trazemos nossos dons, nossas ofertas para a missa. Neste Dia de Ação de Graças, talvez seja hora de imaginar trazer uma oferta à Terra. Não em oposição ou em substituição aos dons que trazemos para a missa, mas como uma extensão do ritual, retribuindo as correntes que percorrem o universo a partir da própria Santíssima Trindade. Essas correntes nos ajudam a acreditar que temos dons pelos quais a Terra pode agradecer e, apesar de nossas enormes falhas, somos dignos de seu amor”, escreve Damian Costello, diretor de estudos de pós-graduação da NAIITS, comunidade de aprendizagem indígena da América do Norte, e coordenador da Pesquisa Católica Indígena nos EUA, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 24-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No Dia de Ação de Graças, damos graças pelas dádivas da terra. Nicholas Black Elk, o pajé Sioux Alce Negro, que foi designado servo de Deus, ajuda-nos a ver que a Terra – e o Criador – também agradece por nós.
Aqueles que não conheceram o Alce Negro pessoalmente podem pensar que ele tinha pouco a agradecer. Ele era parcialmente cego, sofria de tuberculose, enviuvou duas vezes e viu quatro filhos pequenos e enteados morrerem. O sucesso econômico inicial desertificou na Grande Depressão, bem como o solo no período da Dust Bowl, a tempestade de areia que devastou as Grandes Planícies dos EUA nos anos 1930.
Acrescente a isso suas experiências com os cadáveres que viu no massacre de Wounded Knee e a opressão colonial do sistema de reservas que continua até hoje e não é difícil ver por que John Neihardt no final do livro “Black Elk Speaks” caracteriza-o erroneamente como um “lamentável velho que não fez nada”.
No entanto, grande parte do mundo agora conhece Alce Negro como sua comunidade: um agente de cura vibrante e proativo que viveu com esperança e gratidão.
Para Alce Negro, o Dia de Ação de Graças foi um dos dias mais importantes do ano. Tanto que sua filha, Lucy Looks Twice, lembrou-se textualmente da oração que ele fazia no Dia de Ação de Graças. A gratidão fluiu de sua espiritualidade Sioux e se fundiu com o Modo Católico, uma forma de rezar que pode informar nossa prática do Dia de Ação de Graças hoje.
Muitos autores indígenas, incluindo a botânica Potawatomi Robin Wall Kimmerer, em “Braiding Sweetgrass” (“Trançando a Erva-Doce”, ou “Trançando a Erva-Santa”, em tradução livre), enfatizam que a gratidão é uma prática diária nas culturas indígenas. Para Kimmerer, uma cultura de gratidão é de reciprocidade, onde “cada pessoa, humana ou não, está ligada a todas as outras em um relacionamento recíproco. Assim como todos os seres têm um dever para comigo, eu tenho um dever para com eles”. Todos “sabem que os presentes seguirão o círculo de reciprocidade e fluirão de volta para você novamente”.
Alce Negro nos deu inúmeras orações de ação de graças do Modo Sioux, como esta oração presente no seu livro de oração “The Sacred Pipe” (“O Cachimbo Santo”, em tradução livre) para todos os nossos parentes no mundo natural: “Que possamos agradecer, agora e sempre”, rezou Alce Negro. “Que possamos estar continuamente conscientes dessa relação que existe entre os quadrúpedes, os bípedes e os alados. Que todos possamos nos alegrar e viver em paz!”.
Para muitos povos indígenas, a prática de ação de graças começa agradecendo nossos parentes no mundo natural, demonstrado pelo discurso de ação de graças Haudenosaunee. Os Haudenosaunee, que muitos conhecem como os iroqueses, usam esta bela ladainha para saudar cada parte do mundo natural:
“Somos todos gratos à nossa Mãe, a Terra”, começa o discurso, “pois ela nos dá tudo o que precisamos para a vida. À nossa mãe, enviamos saudações e agradecimentos”.
Somente depois de se dirigir aos nossos parentes terrenos, os Haudenosaunee se voltam para o Criador. O Alce Negro explica o porquê em sua oração de Ação de Graças lembrada por sua filha Lucy em “Holy Man of the Oglala” (“O homem santo dos Oglala”, em tradução livre), demonstrando como não apenas agradecer a todos os seres vivos, mas também se juntar a eles para oferecer graças a Deus.
“As nações de coisas vivas em todo o mundo – e nós, os bípedes, junto com as crianças e os menores com eles – viemos até você, hoje [no Dia de Ação de Graças], para expressar gratidão”, rezou Alce Negro.
Alce Negro poderia estar citando a última linha dos Salmos: “Todo ser que respira louve a Javé!” (Salmo 150, 6). Para Alce Negro e a tradição bíblica, os humanos são uma voz entre inúmeras vozes que se unem para louvar a Deus.
Tornar-se parte de um coro de gratidão é uma bela ideia para se sentar e crescer. No entanto, há uma etapa final desafiadora para essa relação circular de gratidão: as tradições indígenas também acreditam que a própria Terra agradece – por nós.
É difícil acreditar que os humanos possam receber a gratidão da Terra, dada a maneira como a tratamos e como frequentemente nos imaginamos como os únicos seres capazes de agência espiritual. No entanto, a Terra não apenas agradece, Kimmerer argumenta em “Braiding Sweetgrass”, mas também ama, apesar de como agimos.
“A Terra nos ama com feijões e tomates, com espigas assadas, amoras e cantos de pássaros. Com uma chuva de dádivas e uma chuva pesada de lições. Ela nos sustenta e nos ensina a nos sustentarmos. Isso é o que boas mães fazem”, escreve Kimmerer.
Um relacionamento saudável requer a crença de que você é digno de amor e pode ser um benefício para o seu amado. “Saber que você ama a Terra muda você, ativa você para defender, proteger e celebrar”, escreve Kimmerer. “Mas quando você sente que a Terra o ama em troca, o sentimento transforma o relacionamento de uma via de mão única em um vínculo sagrado”, continua ela.
E Deus também nos aprecia e nos ama. Para aqueles imersos em uma espiritualidade barata de “pecadores nas mãos de um Deus irado”, isso pode parecer idólatra. Mas “Javé, o seu Deus, o valente libertador, está no meio de você. Por causa de você, ele está contente e alegre e renova o seu amor por você; está dançando de alegria por sua causa, como em dias de festa” (Sofonias 3, 17-18).
Agradecer, então, é um grande movimento circular: gratidão pelos seres e dádivas da Terra, gratidão com os seres da Terra por Deus, gratidão dos seres da Terra pela humanidade, gratidão de Deus pela humanidade – continuamente circulando ainda focado e ampliado em uma festa cerimonial como o Dia de Ação de Graças.
Essa relação circular de gratidão também é destacada no ritual da missa católica.
Eu sabia que “eucaristia” em grego significava “um ato de ação de graças”, mas não foi até ouvir o ancião Sioux, Basil Brave Heart, repeti-lo repetidamente em conversas e palestras que ele deu. A missa é um evento relacional dinâmico que é maior do que apenas louvar a Deus. Através da Missa, damos graças à Terra – que desde o terceiro dia Criava em conjunto com Deus (Gênesis 1, 11-12) – e pelos dons do pão e do vinho. Agradecemos à nossa comunidade por caminhar conosco em nossa peregrinação terrena. Agradecemos a Deus por nossos ancestrais que ajudaram a nos dar vida e fé, por nossos filhos e netos e por seu amor, um dos presentes mais significativos que muitos de nós jamais receberemos.
Tão importante quanto expressar gratidão é recebê-la. Nossos ancestrais nos agradecem por ouvir seu chamado e seguir o caminho que eles nos conduzem. Nossa comunidade nos agradece pelos dons que a ajudam a florescer. Nossos filhos nos agradecem pelo amor infinito que damos (talvez não hoje, mas algum dia).
E Deus é grato por nós, cantando sobre nós com alegria. “Mantenha-nos nesta estrada”, rezou Alce Negro em sua oração de Ação de Graças, “eu, meus filhos e meus netos caminharemos – conduzidos como crianças em suas mãos”. Sei que há momentos em que, ao segurar a mão de meu filho, recebo um presente maior.
Nós trazemos nossos dons, nossas ofertas para a missa. Neste Dia de Ação de Graças, talvez seja hora de imaginar trazer uma oferta à Terra. Não em oposição ou em substituição aos dons que trazemos para a missa, mas como uma extensão do ritual, retribuindo as correntes que percorrem o universo a partir da própria Santíssima Trindade.
Essas correntes nos ajudam a acreditar que temos dons pelos quais a Terra pode agradecer e, apesar de nossas enormes falhas, somos dignos de seu amor. E esse amor pode nos ajudar a ser o tipo de filhos que somos chamados a ser e que a Terra merece. Ela, através e junto com Deus, nos dá a vida.
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As tradições indígenas nos ensinam que agradecer é um movimento circular - Instituto Humanitas Unisinos - IHU