25 Novembro 2022
Nos últimos meses, houve um vai e vem de ideólogos e cientistas políticos de extrema-direita ao Kremlin, anteriormente mantidos à margem pela liderança de Vladimir Putin.
A reportagem é de Germano Monti, publicada por Settimana News, 18-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os mais importantes expoentes ultraconservadores que tiveram acesso aos salões do poder russo são Alexander Dugin, Alexander Prokhanov e Vardan Bagdasaryan. Muito foi dito e escrito sobre Dugin também no Ocidente, enquanto os outros são mais desconhecidos, embora gozem de uma certa notoriedade na Rússia.
Prokhanov é escritor, editor-chefe do semanário Zavtra (“Amanhã”), herdeiro do Den, um jornal ultranacionalista e antissemita fechado em 1993 por ordem das autoridades russas. Prokhanov é um seguidor da chamada “ideologia imperial”, mais conhecido por ter cunhado a teoria da Ortodoxia Atômica, que prefigura um Estado que combina elementos do stalinismo e Rússia pré-revolucionária, cristianismo ortodoxo (ele é membro da seita espiritualista Molokan) e patriarcado.
Em 1991, Prokhanov, então membro da União dos Escritores Soviéticos, apoiou a tentativa de golpe contra Mikhail Gorbachev e, nos anos seguintes, tornou-se um dos mais ativos opositores de Boris Yeltsin, aderindo aos vários agrupamentos de “salvação nacional” que viam unidos o Partido Comunista da Federação Russa de Ghennadi Ziuganov e várias formações nacionalistas, neoczaristas e de extrema-direita.
Vardan Bagdasaryan, historiador, é uma figura pouco conhecida na Rússia. Ele escreve na revista de Prokhanov e publicou alguns livros elaborados junto com Vladimir Yakunin, ex-responsável pelas ferrovias russas.
Além de defender que o Ocidente é governado por uma rede de corporações transnacionais, um “sistema oligárquico mundial”, Bagdasaryan está convencido de que a região do Donbass não é apenas o trampolim para a desnazificação da Ucrânia, mas também o elemento-chave para a reafirmação da civilização russa.
No Donbass, teria se formado um novo tipo de juventude, diferente da dos jovens estudantes de Moscou e de São Petersburgo, já que se formaram por meio do sangue e da morte, e, portanto, são portadores de uma ideologia consagrada pelo sangue dos heróis e que pode, assim, ter uma verdadeira perspectiva histórica.
Outro “consultor” do Kremlin é o oligarca Konstantin Malofeyev, dono do canal de televisão ultraconservador Tsargrad TV, criado com a ajuda do ex-diretor da Fox News Jack Hanick, acusado pelas autoridades federais dos Estados Unidos em março passado justamente devido a suas negociações com o oligarca russo.
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O renovado interesse do Kremlin pelos ideólogos ultraconservadores coincide no tempo com o assassinato de Darya Dugina, filha de Alexander Dugin, ela mesma expoente da direita ultranacionalista russa.
Naquela ocasião, Putin enviou aos familiares da vítima um telegrama de sinceras condolências: “Caros Alexander e Natalia, peço-lhes que aceitem as minhas sinceras condolências e palavras de apoio pela terrível e irreparável perda que lhes atingiu. Um crime desprezível e cruel tirou a vida de Darya Dugina, uma pessoa brilhante e talentosa com um verdadeiro coração russo, gentil, amoroso, sensível e aberto. Jornalista, cientista, filósofa, correspondente de guerra, serviu honestamente ao povo, à Pátria, provando com suas ações o que significa ser um patriota da Rússia. Darya Dugina sempre será lembrada por seus parentes e amigos, seus sócios e companheiros de armas. Força e coragem a vocês neste momento de dor”.
O interesse do círculo íntimo de Putin por Dugin e pelos outros cientistas políticos de ultradireita não pode ser explicado apenas pela solidariedade para com os familiares da vítima de um atentado que se insere na lógica perversa da guerra.
A realidade é que há meses é evidente a todos o fracasso da chamada “operação militar especial”. Paradoxalmente, quem denuncia isso são justamente os nacionalistas russos mais extremistas, até porque são os únicos a quem o regime não tirou a palavra. Durante meses, nos canais do Telegram de um personagem como Igor Girkin, é possível ler críticas tão ferozes quanto detalhadas em relação à condução da guerra pelos comandos russos.
Para quem não sabia, Girkin – mais conhecido como Strelkov – é um ex-coronel do FSB, o serviço secreto russo, que combateu em vários conflitos (Transnístria, Bósnia, Chechênia, Daguestão), até assumir o comando das milícias separatistas de Donetsk, no Donbass, depois de ocupar por alguns meses a cidade de Sloviansk, antes de ser deslocado pelo exército regular ucraniano.
Entre outras coisas, Girkin/Strelkov está sendo perseguido por um mandado de prisão internacional emitido contra ele em 2019 pela Justiça holandesa, por ser considerado responsável pelo abate do voo 17 da Malaysia Airlines, em serviço entre Amsterdã e Kuala Lumpur, ocorrido em 17 de julho de 2014. O avião foi atingido por um míssil terra-ar enquanto sobrevoava a zona oriental da Ucrânia. Todos os 283 passageiros e os 15 tripulantes morreram.
Em uma série de postagens vitriólicas, Girkin/Strelkov estigmatiza a incompetência, a corrupção e a roubalheira dos oficiais russos, a inadequação dos equipamentos (com soldados forçados a comprar por conta própria suas botas, coletes à prova de balas etc.), a insensatez das disposições emitidas e, como consequência, as derrotas em campo e o altíssimo número de perdas sofridas, tanto em termos de homens quanto de meios.
Ele não é o único: até mesmo o famigerado comandante checheno Ramzan Kadirov e o “administrador” dos mercenários do Grupo Wagner, Evgenij Prigozin – ambos fidelíssimos de Putin – várias vezes fizeram ouvir suas vozes de crítica implacável sobre o andamento das operações bélicas. Os fatos, que culminaram por enquanto na retirada russa da cidade de Kherson, provaram que ele estava certo.
Portanto, para Putin, levantou-se o problema de uma mudança de ritmo na gestão da guerra que ele próprio desencadeou. Além dos efeitos das sanções ocidentais contra a economia russa e o isolamento internacional cada vez mais evidente, Putin se vê diante dos resultados desastrosos de seu exército in loco: uma conjuntura que põe concretamente em risco seu poder, que precisa de uma robusta injeção de relegitimação ideológica e política interna, e é aqui que entram em jogo os “pensadores” da extrema-direita.
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O episódio da postagem no Telegram de Alexander Dugin de 11 de novembro é muito significativo, apesar de muitas pressões políticas o terem levado a apagá-la logo após a publicação.
Naquele post, Dugin – que leu Gramsci e entendeu muito bem o conceito de hegemonia – expressa com clareza e lucidez seu pensamento, quando diz que é preciso introduzir uma ideologia em defesa da autocracia, muito mais do que foi feito até agora. Essa ideologia deve legitimar e apoiar o confronto mortal que a Rússia enfrenta contra “Satanás”, ou seja, o Ocidente.
Esse é o ponto central da postagem, e não a advertência sobre as consequências letais para o autocrata que fracassa na tarefa de proteger e salvar o próprio povo.
Aqui se fecha o círculo com o vai e vem de cientistas políticos ultraconservadores ao Kremlin e com as críticas à condução da guerra. Em poucas linhas, Dugin revela o ponto historicamente fraco de Putin e de seus silovyki, cuja única ideologia é a do apego ao poder e à gestão pragmática dele.
Isso não é suficiente para motivar um país à guerra, especialmente quando a guerra vai mal: portanto, é preciso bombear muita ideologia nas consciências, algo que dê sentido e significado às escolhas insensatas feitas pelo regime russo.
Não é absolutamente óbvio que a operação “cultural” confiada aos maîtres à penser reacionários, com o apoio do patriarca ortodoxo Kirill, esteja tendo sucesso. Os meios de comunicação controlados pelo Kremlin (todos, praticamente) e as pregações dos popes não conseguem esconder a realidade das derrotas militares, das dezenas de milhares de jovens condenados à morte, dos milhões de homens que fugiram para o exterior para escapar da mobilização geral, das dificuldades econômicas e produtivas causadas pelas sanções.
Mesmo que qualquer previsão sobre os desdobramentos da situação seja arriscada, o fato de que Putin está perdendo a guerra que ele desencadeou de forma imprudente está diante dos olhos de todos. A pergunta a ser feita, portanto, é qual será o tamanho da derrota, ou seja, se comprometerá definitivamente a sobrevivência do regime ou se este conseguirá sair dela com algum compromisso.
Uma hipótese não passageira: é verdade que, neste momento e graças às armas que recebeu, a Ucrânia parece vitoriosa no campo, mas também é verdade que ela já é um país semidestruído, com grande parte das cidades sem eletricidade e sem água, com milhões de cidadãos refugiados no exterior e com uma estrutura produtiva reduzida ao mínimo.
Retórica patriótica à parte, a Ucrânia mantém-se de pé pela solidariedade internacional, e até mesmo entre seus apoiadores mais determinados vai ganhando espaço a ideia de que essa guerra deve ter um fim, mesmo que à custa de buscar “objetivos razoáveis” em vez de uma vitória total.
Se essa tendência se afirmar, veremos a Dugin & Cia. retornar à semiobscuridade de onde vieram. A escolha está nas mãos do autocrata do Kremlin, muito mais do que nas mãos do presidente ucraniano.
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A extrema-direita na corte de Putin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU