30 Setembro 2022
Nas fotos dos drones nos pontos de fronteira entre a Rússia e a Finlândia ou o Cazaquistão, filas intermináveis de carros parados e homens em bicicletas e a pé. Também na fronteira com a Geórgia, um lugar acidentado e montanhoso do qual já se presume o frio das primeiras noites de outono, eis a desesperada longa fila de jovens reservistas russos que não querem ir à guerra.
A reportagem é de Marina Corradi, publicada em Avvenire, 29-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No Repubblica o correspondente Giampaolo Visetti escreveu sobre um rapaz de 23 anos levado de carro de São Petersburgo para Groszny, não muito longe daquela fronteira, por sua mãe. Nessa fuga, que na foto do drone é apenas uma coluna empoeirada de carros, como sempre é o detalhe que mais marca: aquela mulher que dirigiu centenas de quilômetros para ajudar o filho a sair, sair a tempo. Quem sabe o silêncio daquela viagem, e quantas coisas aqueles dois gostariam de dizer um ao outro na despedida.
Quem sabe como aquela mãe olhava para o rapaz que se afastava, mochila no ombro. Quantos fogem? É difícil saber exatamente. Os russos minimizam, mas as autoridades cazaques dizem que somente do lado deles entraram 98 mil. Dezenas e dezenas de milhares de jovens. No entanto, um movimento vistoso de povo.
Ainda temos em nossos olhos as filas dolorosas dos refugiados ucranianos marchando para o Ocidente na primavera. Mesmo assim, é diferente agora. Os jovens russos não fogem das cidades destruídas, fogem porque não querem ir para o front: enquanto o regime agora manda buscá-los, casa por casa. Eles não acreditam nesta guerra, nem nas palavras de Putin que os exorta a partir. Para que? Pela glória, pelo poder da Rússia? Eles não acreditam em nada disso. Sabem que são apenas peões a serem sacrificados em um jogo cínico.
Mas nestas colunas de rapazes russos que partem, às vezes até com filhos ainda crianças, não há vestígios de novos tempos? Ainda na última guerra, a palavra 'desertor' tinha um sabor ignóbil. E na anterior, os rapazes que não queriam ser jogados em tenebrosas carnificinas eram fuzilados no campo.
'Desertores': e não se falava mais disso em casa, nas famílias. Desertor, era uma palavra indizível. Afinal, desde sempre, a cultura popular foi imbuída desse senso de 'honra', do dever ir matar e morrer. 'O exército já está saindo / e se eu não partisse também / seria covardia...', era uma canção popular do Risorgimento que, no entanto, as crianças da década de 1960 ainda cantavam nas escolas italianas. E toda a imensa tradição épica grega e latina que nos ensinariam mais tarde, no segundo grau, não começava justamente com aqueles versos: Canta, ó deusa, a ira de Aquiles Pelida, perniciosa, que causou inúmeras dores aos aqueus.'? E já naqueles três versos havia a ideia de que a guerra fosse algo trágico, mas digno do canto de um Homero; algo feroz, mesmo assim digno de celebrar.
É claro que os filhos das flores contestaram a guerra, mas, enquanto isso, os convocados em todas as latitudes continuaram, com algumas exceções, a partir. Vejam aquelas filas desarmadas nas fronteiras da Rússia de Putin: quantas são, que não aceitam acabar como vítimas imoladas no altar das ambições irreprimíveis de um poderoso. Eles fogem, porque é inevitável. Mas eles não se envergonham disso, e nessa sua consciência não há algo profundamente novo? Muitos de seus pares ucranianos defenderam desesperadamente da única maneira que lhes foi dada, com armas, as mulheres, as famílias, as casas de um invasor. Mas a guerra para a qual os russos são chamados é diferente, é uma agressão, e eles não concordam, não querem ir matar e morrer.
Penso com ternura naquela mãe que levou o filho para a fronteira com a Geórgia, em tantas mães e pais como ela. Acho que posso entender a dor infinita que é acompanhar um filho para fugir de seu país. Depois penso em uma foto que tenho em casa, em uma velha caixa: um comboio militar de jovens tropas alpinas saindo da região da Emilia, em 1942, para a Rússia. Das janelas como eles sorriam, orgulhosos; meu pai também sorria.
E eu, que nasci depois, que sei como foi o fim, lá no Don, e quantos daqueles rapazes não voltaram, me assombrava ver aquele sorriso deles. Haviam-lhe contado que a guerra era bela, nobre, honrosa e, para o bem ou para o mal, acreditavam e iam atacar outro país. 'O exército já está saindo / e se eu não partisse também / seria covardia...', será que cantavam aquela velha canção? Nas fotos das colunas dos reservistas russos em fuga há um povo que, hoje, se recusa a obedecer aos objetivos imperialistas, a egoísmos patológicos, a ganância de poder imoderada. Muitas motivações diferentes, é claro, mas pessoas que não querem morrer e não querem matar. Pessoas que querem viver. Um novo ânimo: como, mesmo na tragédia, o início de uma estação diferente.
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Dá esperança aquele povo que deserta a guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU