23 Setembro 2022
O uso da arma é possível para Moscou se a integridade do estado for ameaçada. Os EUA mantiveram cerca de 500 bombas B-61, armazenadas também na Itália.
O comentário é de Gianluca Di Feo, publicado por La Repubblica, 22-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A contagem regressiva para a hora mais sombria já começou. Restam três meses, quatro no máximo, para evitar que a invasão da Ucrânia desencadeie uma escalada em que o uso de dispositivos nucleares não seja mais excluído. Vladimir Putin tomou a decisão mais arriscada para seu sistema de poder, mas também para a segurança mundial. Ele não pode voltar atrás: agora ele é ainda mais obrigado a insistir na prova de força, tanto no campo de batalha quanto no confronto com o Ocidente. O efeito dos 300.000 reservistas mobilizados ontem sobre o destino do conflito será visto em janeiro. Mas é uma incógnita, na qual poucos apostam, e isso obriga o Kremlin a ostentar a única certeza: a capacidade destrutiva de seu arsenal atômico.
Apesar do fim da Guerra Fria, a Rússia nunca deixou de considerar essas armas como um pilar de sua estratégia. A doutrina de seu uso foi constantemente atualizada, a última vez em junho de 2020, assim como as ferramentas para concretizá-la. Enquanto Washington negligenciou seus departamentos nucleares - até três anos atrás, as bases dos mísseis intercontinentais ainda usavam computadores com disquetes - Moscou investiu enormes somas para modernizá-las. Com uma diferença conceitual. Os Estados Unidos e a OTAN ficaram ancorados nas teorias concebidas na época do Muro de Berlim e na perspectiva de um embate entre os dois grandes blocos.
Nos debates do Kremlin, por outro lado, foi considerada a possibilidade de usar armas nucleares nos conflitos "menores" abertos pelo esfacelamento da URSS. No centro das reflexões estão os dispositivos "táticos" que possuem uma ogiva entre 0,2 e duzentos quilotons: para ter um termo de comparação, a explosão de Hiroshima foi de vinte quilotons. A abordagem é apresentada como defensiva: são o instrumento extremo para impor a supremacia russa. É afirmando pelo documento assinado por Putin: a "Bomba" pode ser usada se a integridade do Estado for ameaçada, se houver necessidade de impedir uma escalada e se estiver diante de uma derrota "inaceitável". Condições que se assemelham ao cenário que está se concretizando na Ucrânia, onde as regiões anexadas à Rússia com o referendo estão expostas ao avanço inimigo e o destacamento de Moscou corre o risco de entrar em colapso.
Como e onde a arma "tática" seria usada é um segredo. O targeting, ou seja, a disciplina que determina a escolha dos alvos, é uma síntese de complexas avaliações políticas e militares, em que o cálculo dos danos infligidos é acompanhado pelo cálculo das potenciais retaliações. Há meses, os líderes da OTAN vêm se questionando, tentando identificar os eventuais alvos para os quais os mísseis do Kremlin seriam apontados. Duas hipóteses circularam.
A mínima: a Ilha das Serpentes, a rocha ocupada pelos russos e depois reconquistada. Desde o início da invasão tornou-se o ícone da resistência, apagá-lo com um cogumelo enviaria uma mensagem feroz para toda a nação. Além disso, nas cínicas estimativas dos generais destaca-se que não haveria vítimas civis e que a precipitação - a chuva de cinzas contaminadas - seria dispersada no mar. Isso seria suficiente para dobrar a determinação dos ucranianos? Por isso, a lista de possíveis retaliações chega a incluir o horror máximo: a destruição de um centro habitado na região de Lviv, na fronteira com a Europa. Mesmo com a menor ogiva haveria milhares de mortos e feridos, com uma nuvem radioativa que também atingiria a Polônia e talvez os países bálticos. Um desafio não só para o povo ucraniano, mas para todo o Ocidente.
Como reagiria a Aliança Atlântica? Kiev não faz parte e não há planos para um cenário tão monstruoso. Até 1991 as ogivas "táticas" eram previstas pelos comandos da OTAN como meio de combater o ataque das divisões blindadas soviéticas, depois com o desarmamento coletivo a questão foi arquivada. Nem todas as bombas desse tipo, no entanto, foram desmontadas. Os Estados Unidos mantiveram cerca de quinhentas bombas B-61 em serviço, algumas das quais destinadas a serem lançadas por aeronaves aliadas.
E eis que os ventos da guerra podem chegar até a Itália, porque as bases atlânticas mais próximas da área de conflito estão no território italiano. No aeroporto de Aviano, na província de Pordenone, há cerca de vinte B-61 para jatos da aviação estadunidense. Outras - o número exato é ultrassecreto - estão em Ghedi, não muito longe de Brescia: estão em um bunker estadunidense, mas seriam usadas pelos caças Tornado da Força Aérea italiana. Ninguém quer acreditar que esses fantasmas possam se transformar em realidade: até mesmo apenas pensar em armas nucleares - como disse o Papa Francisco - "é uma loucura". É por isso que é indispensável encontrar uma maneira de parar imediatamente a corrida para o abismo.
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O Ocidente teme o pesadelo nuclear: uma bomba tática nas fronteiras europeias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU