21 Novembro 2022
O novo presidente brasileiro, que tomará posse no início de 2023, anunciou suas ambições ecológicas, mas terá que enfrentar lobbies conservadores e, de modo especial, reorientar o modelo de desenvolvimento de seu país.
A entrevista é de Judith Chetrit, publicada por Alternatives Économiques, 15-11-2022. A tradução é do Cepat.
Durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, o Brasil não foi poupado dos desastres ambientais, consequências diretas, em grande parte, da atividade humana. O mais mortal ocorreu em Brumadinho, em Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2019.
Naquele dia, a barragem de Mariana, construída para reter o lodo resultante da extração mineral, rompeu-se e era classificada como “em risco”, como outras 38 do mesmo tipo na região. Resultado: 266 pessoas soterradas e 12 milhões de m3 de terra carregada de metais pesados derramados na natureza. Um desastre humano e industrial, quatro anos depois daquele da barragem de Fundão (ocorrido em 5 de novembro de 2015), em Mariana, a ser debitado na conta da poderosa multinacional Vale, proprietária da infraestrutura.
Os moradores de Petrópolis, no Rio de Janeiro, não esqueceram as chuvas torrenciais de fevereiro de 2022, que os meteorologistas atribuem ao aquecimento global, que transformaram em rios as ruas construídas em terrenos de risco, arrastando tudo em sua passagem. Balanço: 114 vítimas.
Os anos Bolsonaro também serão marcados por um grande aumento dos incêndios criminosos para apropriação indevida de terras, destinadas ao cultivo ou à criação de gado, a chamada “grilagem”.
Embora a Amazônia tenha atraído a atenção internacional, a destruição da biodiversidade do bioma Pantanal, no Mato Grosso do Sul, uma vasta ecorregião de pastagens e savanas inundadas, não foi menos severa. Em 2020, foram consumidos 4,5 milhões de hectares, um recorde histórico. Um desastre ao qual se soma uma significativa aridez: em 30 anos, o Pantanal perdeu 2 milhões de hectares de áreas úmidas, segundo a organização BioMaps.
A floresta amazônica, reserva de biodiversidade ímpar no mundo, onde se encontra 20% da água potável da Terra, também pagou seu tributo. Entre 2019 e 2022, o desmatamento aumentou 80%. Em quatro anos, 30 mil km2 de florestas viraram fumaça, o tamanho da região de Provence Alpes Côtes d'Azur, segundo o Instituto Imazon.
Durante esses anos, é redundante dizer que o governo fez pouco caso desses eventos desastrosos. Até 2020, o presidente Bolsonaro minimizou a importância dessa destruição irreversível, chegando a contestar os dados satelitais do Imazon.
Em 14 de abril de 2021, o ex-chefe da Polícia Federal da Amazônia, exonerado pouco tempo antes, acionou o Supremo Tribunal Federal, acusando o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de facilitar a emissão de falsas licenças de exploração de madeira ilegal e de obstruir as investigações policiais. Sob pressão, o ministro finalmente deixou o cargo em junho do mesmo ano.
Apesar de tudo, o ministro conseguiu enfraquecer os dois principais órgãos públicos de controle e pesquisa ambiental: o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Proteção à Biodiversidade). O que não chega a surpreender: Bolsonaro e Salles cultivam laços estreitos com os chamados movimentos ruralistas que representam os interesses dos latifundiários, suspeitos de estarem na origem da grilagem e conhecidos por seus métodos criminosos contra os indígenas ameaçados pelo desmatamento.
É certo que o novo presidente eleito Lula Inácio da Silva, que tomará posse somente no dia 1º de janeiro de 2023, não terá, nesta matéria, o cinismo de seus antecessores. No entanto, coloca-se a questão de saber se ele terá a vontade e, sobretudo, os meios políticos para mudar a situação.
Consciente do impacto nacional e internacional das queimadas na Amazônia, o candidato Lula havia procurado, em vão, colocar o assunto no centro dos debates. Desde a sua vitória, ele repete incansavelmente, para os brasileiros e para o mundo, que seu objetivo continua sendo reduzir a zero o número de incêndios que estão corroendo a Amazônia. Pretende assim mostrar que esta questão será a ponta de lança da sua política externa, pelo menos em 2023, para se reaproximar da comunidade internacional.
No dia 8 de novembro, já tinha falado com oito chefes de Estado sobre o tema, entre os quais Josep Borell, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, e o primeiro-ministro norueguês Jonas Gahr Store que anunciou, após três anos, o descongelamento de sua importante contribuição para o "Fundo Internacional para a Amazônia". Por fim, como habilidoso estrategista, Lula insistiu em ir à COP27, mesmo sem fazer parte da delegação oficial brasileira. Estão previstos 19 encontros bilaterais com chefes de Estado, de acordo com sua agenda oficial.
Uma política externa, por mais bem-sucedida que seja, não é suficiente para salvar a floresta amazônica. Na verdade, as principais questões são internas. Mas o que fazer? As operações militares especiais GLO (Garantia da Lei e da Ordem), previstas na Constituição por ordem do Presidente da República e utilizadas duas vezes por Bolsonaro para combater a grilagem, têm sido um fracasso.
Pior ainda, essas operações militares excepcionais, que conferem temporariamente poderes derrogatórios às forças de segurança, serviram principalmente para paralisar as instituições civis de combate ao desmatamento, inclusive o IBAMA, já prejudicado pelo massivo ingresso de militares em seus órgãos de direção. Entre 2019 e 2021, o número de denúncias emitidas pela instituição caiu 36% enquanto os crimes ambientais na Amazônia só cresceram.
Lula e seu futuro ministro do Meio Ambiente (fala-se de Marina Silva, que já ocupou essa pasta entre 2003 e 2008) terão muito a fazer, sobretudo para desvendar os muitos atos legais e normativos nocivos adotados pelo governo Bolsonaro. Como o Decreto nº 12.070/2021, que organiza um meandro administrativo-judicial que dificulta os processos judiciais contra desmatadores, ou o pagamento de multas por crimes ambientais. Assim, o IBAMA ainda espera receber 60 bilhões de reais de contas não pagas, ou seja, 21 anos de orçamento do Ministério do Meio Ambiente!
Outro exemplo: a Instrução Normativa n. 8 de 2019 do IBAMA, que facilita a transferência de competência para outorga de licenças de exploração madeireira ou de terras públicas na Amazônia do poder federal para as autoridades locais, sob influência dos grandes proprietários.
Segundo o grupo de especialistas Política Por Inteiro, que acompanha em tempo real a adoção de todas as instruções normativas, nada menos que 402 delas, tomadas entre 2019 e 2022, deveriam ser revogadas por atentarem contra a proteção da Amazônia e, de forma mais geral, contra o ambiente. Uma tarefa de longo prazo que ultrapassa em muito a questão amazônica.
Além da Amazônia, existem os biomas do Pantanal e do Cerrado (savana e floresta estacional), que representam mais de 60% do território geográfico do Brasil e cuja destruição pelo fogo representa a primeira fonte de emissão de CO2.
Outro grande problema é a poluição da parte litorânea, especialmente nas áreas urbanizadas, onde vivem 75% dos 212 milhões de habitantes do país. O Brasil despeja diariamente na natureza 5.000 piscinas olímpicas de esgoto, segundo Edison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil. E poderíamos citar também o uso da água potável e o crescente e gigantesco consumo de produtos químicos na agricultura.
Problemas distintos certamente, mas em sua maioria com uma causa principal: a infindável extensão do modelo de pecuária intensiva e da monocultura exportadora. Bovinos, suínos, frangos, cana-de-açúcar, milho, soja... Nessas seis produções, o Brasil já está entre os três maiores produtores do mundo.
Proteger os biomas do país, incluindo a Amazônia, os recursos aquáticos, os solos cultiváveis e a alimentação saudável, significa, portanto, desafiar a monocultura intensiva e onipotente, que é ao mesmo tempo a principal força econômica do país.
Dilema ainda mais complexo de resolver porque todos, inclusive Lula, sempre apoiaram essa monocultura, fundamental para trazer divisas e encher os cofres do Estado. Só os movimentos da sociedade civil reivindicam, há décadas, uma transição agrícola para acabar com a onipotência da agricultura intensiva e uma ampla reforma agrária que dê mais espaço para os pequenos produtores. Estes últimos fornecem, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 68% da alimentação dos brasileiros.
Além da dificuldade de planejar uma mudança dessa magnitude, existem obstáculos políticos difíceis de serem superados. Os conservadores e os ultraconservadores, agora mais numerosos no Congresso, zelam pelos interesses dos grandes produtores agrícolas e do agronegócio que, em Estados dominados pela agricultura, exercem forte influência no poder local. Nessas condições é difícil aprovar reformas estruturais por meios legais ou regulatórios.
Pior, o Brasil não está imune à formação de maiorias circunstanciais para aprovar textos muito regressivos. Chamado de "pacote do veneno" pelas organizações ambientalistas, um projeto de lei que ameniza o uso de moléculas químicas para uso agrícola (algumas delas proibidas na União Europeia) e retira sua avaliação sanitária e ambiental, foi assim aprovado pela Câmara dos Deputados, e poderia muito bem ser aprovado pelo Senado em 2023.
E cuidado com aqueles que gostariam de se opor à vontade dos poderosos lobbies ruralistas e aos interesses das multinacionais químicas. Larissa Mies Bombardi, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) pagou o preço. Ao publicar o atlas Geografia do uso de agrotóxicos e conexões com a União Europeia, ela atraiu a ira dos lobbies. Com a casa depredada e ameaças de morte, ela finalmente deixou o país com seus dois filhos.
Com 90% de sua energia elétrica proveniente de hidroeletricidade, um potencial para agricultura orgânica e agrofloresta considerável, biomas com biodiversidade inigualável, o Brasil tem tudo para se tornar um líder mundial em transição ecológica e proteção ambiental. Lula conseguirá reorientar o modelo de desenvolvimento de seu país e enfrentar os lobbies ruralistas? Os próximos quatro anos nos dirão.
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Ecologia: Lula conseguirá mudar a situação? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU