18 Novembro 2022
“Eu sempre disse que onde quer que a seleção francesa vá, eu iria. Mesmo se tivesse que ir para a Coreia do Norte”. Mas Hervé Mougin não irá tão longe. No dia 19 de novembro, irá para Doha e ficará lá até que a França ganhe seu terceiro troféu mundial... ou o perca. É seu dever como presidente da associação de torcedores da seleção francesa Irrésistibles Français.
A reportagem é de Caroline Vinet, publicada por La Vie, 16-11-2022. A tradução é do Cepat.
Mas esta Copa do Mundo o deixa numa situação constrangedora. “Somos reféns de uma decisão tomada por pessoas que não tinham nada a ver com essas questões (respeito aos direitos dos trabalhadores dos canteiros de obras, além do respeito aos valores do futebol e às questões climáticas, nota do editor). Eles provavelmente foram corrompidos para obter esse voto (uma investigação judicial sobre o assunto foi aberta em 2019 pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre as condições que envolveram a escolha do emirado como país-sede da Copa do Mundo, nota do editor)”.
Dos 1.500 sócios do seu clube, apenas cem devem ir ao Catar para assistir aos jogos. Os outros ficarão em casa, porque não podem pagar a viagem ou não podem se afastar dos seus empregos por um período de um mês. Nunca uma Copa do Mundo havia sido organizada no inverno – mais uma acomodação ao estilo do Catar para resistir ao clima árido do deserto. Muitos também não irão por uma questão de consciência.
No entanto, devemos boicotar esses jogos, assistidos em 2018 por mais de 3,57 bilhões de espectadores? A associação se fez a pergunta e decidiu: permanecerá neutra para não se envolver em futuros périplos geopolíticos e deixar plena liberdade de escolha aos seus membros. “Sobre os valores do futebol, a Fifa diz: são a luta contra a homofobia, contra o racismo e pela igualdade entre homens e mulheres. São valores muito bons! Mas dizer isso e organizar seu principal evento em um país que não atende a esses critérios é muito constrangedor”, reconhece Hervé Mougin.
O credo do líder do clube de torcedores franceses é como o mantra repetido nas últimas semanas pela Federação Francesa de Futebol (FFF): “Participar não significa endossar”. E Hervé Mougin pretende dar voz. “Vou para ajudar os torcedores que estarão lá, mas não me vendi, mantenho minha liberdade de expressão”, insiste após o Catar convidar torcedores com todas as despesas pagas para promover a competição.
Ele quer ser íntegro. Pagou tudo do próprio bolso. Incluindo seu quarto de hotel a 130 euros por noite nos subúrbios da capital catari. Ele tentou negociar o preço para os membros da sua associação. “Argumentamos que nem todos ganham 15 mil euros por mês, que o dinheiro é um problema para os torcedores, mas eles não viram o problema”. É um bordão que sai da boca de todos os amantes do futebol: o Catar não é terra de futebol!
“É só uma questão de dinheiro”, para usar as palavras desiludidas do ex-jogador Éric Cantona em uma entrevista ao Daily Mail. Assim como o ex-jogador alemão Philipp Lahm, ele pediu para boicotar o evento. Outros, como a Anistia Internacional, optaram por não convocar o boicote para manter a pressão sobre o Catar e conseguir a criação de um fundo de indenização de 440 milhões de dólares para os trabalhadores que participaram da construção das obras. O emirado recusou, mas a ONG ainda espera convencer a Federação Internacional de Futebol (Fifa) antes do início da competição.
Mas pensar que o futebol teria apenas valores monetários seria esquecer aqueles, valores humanos, que conquistaram o planeta em menos de um século. Sua história está enraizada nos internatos da aristocracia inglesa do século XIX. “Eles queriam criar uma fraternidade em torno de um jogo físico que desviasse os estudantes dos vícios ou das tentações que poderiam prejudicá-los”, conta o jornalista e professor de filosofia Thibaud Leplat.
“Estes são, acima de tudo, valores profiláticos e éticos ligados à educação. Serão então os franceses Jules Rimet e Pierre de Coubertin que desenvolverão o aspecto humanista com a ideia de uma confraternização dos jogadores entre si”. O futebol torna-se uma ferramenta de emancipação acessível a todos e para todos.
Um espírito de comunhão tanto dentro de campo como nas arquibancadas que os torcedores não querem perder. “Talvez seja um dos raros fenômenos universais, ao lado do culto aos mortos, do amor e da arte”, diz Thibaud Leplat. E para seguir a metáfora: “O futebol tem uma função religiosa no sentido de religar. Compartilhamos a mesma crença, nos encontramos em torno do Evangelho e nas festas religiosas. A Copa do Mundo é uma liturgia, uma espécie de grande concílio em que discutiremos todos os assuntos do mundo”. Em um templo ao ar livre com ar-condicionado no meio do deserto.
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Copa do Mundo 2022: boicotar ou não? O futebol põe seus valores à prova - Instituto Humanitas Unisinos - IHU