24 Outubro 2022
"A sexualidade também pode ser um lugar de grande violência, particularmente para clérigos que sofrem de uma castidade imposta e desviam a confissão e seu poder de sacramento para satisfazer certos desejos. Mesmo nisso, deve-se evitar generalizações. Mas por que persiste essa incapacidade de falar da sexualidade em sua complexidade, em sua humanidade, ousaria dizer, por que fazer dela uma espécie de lugar sacralizado que abre a porta a todos os desvios?", escreve Isabelle de Gaulmyn, vaticanista, em artigo publicado por La Croix, 22-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pedir a jovens que se despissem completamente durante a confissão ... Esses fatos gravíssimos – que a Igreja da França traduz eufemisticamente como "voyeurismo" - dos quais se tornou culpado o bispo emérito de Créteil, Mons. Santier, quando era diretor de uma Escola de fé e responsável por uma nova comunidade, antes de tudo nos deixam atônitos diante do que revelam de abuso e de perversão.
Mas depois desponta a raiva: como é possível que uma pessoa que, como futuro bispo, fez cursos de teologia profundada, recebeu uma formação "sólida" em seminários destinados a formar a "classe diretora" do catolicismo, possa cair em tal confusão, que mistura pecado, nudez, atração sexual inconfessada e religião? E então, não sem certo desânimo, se chega a pensar que, decididamente, em relação aos abusos sexuais cometidos na Igreja, a perversidade se apoia às vezes em uma visão dita espiritual da sexualidade e da carne que levanta questionamentos sobre a capacidade ter, em sentido literal, inteligência da fé...
Claro que a sexualidade, a relação com o corpo, o nosso e o dos outros, continua sendo um assunto complexo. O noticiário, do #MeToo a todos os casos de abuso, nos dão prova disso quase todos os dias. Não há razão para pensar que a Igreja seja poupada, especialmente porque tem uma longa tradição de rígida moralidade, na qual tudo que se referia à sexualidade era ligado ao mal.
Mas, há mais de meio século, a Igreja vem realizando um discurso distante da realidade que não favorece – para usar um eufemismo – a compreensão da revolução sexual que estamos vivenciando no Ocidente e suas implicações. E certamente não é o menor dos paradoxos para uma religião encarnada como o cristianismo! Uma certa "teologia do corpo", que sem dúvida mal se baseia nos escritos de João Paulo II, sublimou totalmente a relação com o corpo. Fez da sexualidade uma forma de ideal, sacralizada por uma visão da conjugalidade muitas vezes muito teórica. Sem ver tudo o que pode haver, na sexualidade, de insatisfação, de fracasso, de ambiguidade e também evidentemente de relação de poder.
A sexualidade também pode ser um lugar de grande violência, particularmente para clérigos que sofrem de uma castidade imposta e desviam a confissão e seu poder de sacramento para satisfazer certos desejos. Mesmo nisso, deve-se evitar generalizações. Mas por que persiste essa incapacidade de falar da sexualidade em sua complexidade, em sua humanidade, ousaria dizer, por que fazer dela uma espécie de lugar sacralizado que abre a porta a todos os desvios?
Nisto também a Igreja não está sozinha. Uma reflexão desse tipo não pode ser feita no vazio.
Ao contrário, a dificuldade em realizar um discurso sobre a sexualidade diz respeito a toda a sociedade, basta ver a forma como a indústria pornográfica invadiu o universo infantil... Pena que em relação às polêmicas e às rachaduras internas sobre as questões de homossexualidade e, em sentido amplo, sobre os novos comportamentos sexuais, a Igreja tenha abandonado o campo, tanto com seus moralistas quanto com seus teólogos, sem enfrentá-la em sua complexidade, suas sombras e suas luzes.
A exortação apostólica Amoris laetitia, escrita em 2016 pelo Papa Francisco após o sínodo sobre a família, abriu as portas para uma visão mais realista, baseada no que as pessoas realmente vivem.
Mas essa atitude ainda é demasiadamente tímida.
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Caso Santier, uma moral sexual inculta. Artigo de Isabelle de Gaulmyn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU